Em momentos de grave comoção é normal – aqui e alhures – o surgimento das conhecidas Comissões Parlamentares de Inquérito ou simplesmente CPI’s.
Cuida-se de órgão da respectiva casa legislativa, constituída mediante o preenchimento de determinados requisitos para apurar fato determinado e por prazo certo. Isto claramente se dessume da redação do art. 58 da Carta da República, com destaque para seu parágrafo 3º:
§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, (...).
Por sua vez, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados também prevê a delimitação de prazo no seu art. 35, caput. O mesmo dispositivo, em seu parágrafo 3º reza que:
3º A Comissão, que poderá atuar também durante o recesso parlamentar, terá o prazo de cento e vinte dias, prorrogável por até metade, mediante deliberação do Plenário, para conclusão de seus trabalhos.
Ou seja, o RI da CD determina um prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias para a duração de uma CPI.
Já o Regimento Interno do Senado Federal, em seu art. 76 parágrafo 4º estatui:
§ 4º Em qualquer hipótese o prazo da comissão parlamentar de inquérito não poderá ultrapassar o período da legislatura em que for criada.
Em outras palavras, o RISF admite um período bem mais alongado para suas CPI's do que o da Câmara Federal.
Outrossim, pode ocorrer, a depender da complexidade do tal fato determinado (que, na verdade, envolve uma miríade de situações fáticas a serem apuradas, pessoas a serem ouvidas, etc.) que a CPI simplesmente não consiga se desincumbir de seu ônus no prazo originariamente assinalado. Tal prazo original é, como regra, estabelecido pelo plenário da Casa Legislativa que a criou.
Tais observações podem causar uma certa perplexidade, dúvida ou mesmo curiosidade acerca de como funciona a questão da duração efetiva de uma CPI.
Pois bem, em primeiro lugar, é preciso deixar claro que as Comissões Parlamentares podem ser de cada Casa ou mistas, ou seja, em conjunto do Senado e da Câmara.
No caso de uma CPI mista, ou CPMI, é natural que se demande qual deve ser o prazo, considerando que suas normas internas preveem durações diversas. A este questionamento há resposta doutrinária. Com efeito, afirma-se1 que:
Em nosso país, há de ser resolvida a indagação pela adoção da legislatura de quatro (4) anos, tendo em vista ser mais benéfica para o(s) investigado(s), aplicando-se a analogia que beneficia a arte, admitida em sede de processo penal, conforme nos autoriza o art. 3º do aludido codex de ritualidade, considerando também que a espécie em questão diz respeito à comissão parlamentar de natureza temporária, aliada à Lei de Regência, que manda aplicar as normas de Processo Penal, no que não for aplicável àquela.
Parece razoável o entendimento, inclusive porque o art. 6º da citada lei 1.579 de 1952 determina expressamente que o processo e a instrução dos inquéritos obedecerão ao que prescreve esta lei, no que lhes for aplicável, às normas do processo penal. Trata-se de dispositivo que, reconhecendo a natureza dos direitos em jogo, preocupa-se em conceder, de parte a parte, tratamento mais aproximado do direito processual penal, que instrumentaliza o exercício do poder acusatório do Estado em face do status libertatis.
Mas é preciso não parar por aí. A observância da legislação específica da matéria talvez ajude. É que, a já aludida lei 1.579 de 1952, alterada, posteriormente, pela lei 13.367, de 2016, em seu art. 1º também menciona a expressão prazo certo. E, no parágrafo 2º do art. 5º, o mesmo diploma legal determina:
§ 2º - A incumbência da Comissão Parlamentar de Inquérito termina com a sessão legislativa em que tiver sido outorgada, salvo deliberação da respectiva Câmara, prorrogando-a dentro da Legislatura em curso.
Antes de propormos uma solução, é preciso diferenciar sessão legislativa de legislatura. Sessão legislativa refere-se ao período de funcionamento da Casa legislativa durante o ano, conforme diz o art. 57 da Carta Magna. Já a legislatura significa o período de duração do mandato eletivo/legislativo. Assim, a sessão legislativa é a mesma tanto para o Senado quanto para a Câmara. Já a legislatura é diversa. São 8 (oito) anos para os Senadores e 4 (quatro) para os Deputados Federais.
Portanto, para a lei 1.579 de 1952, nem quatro anos, nem oito anos, nem cento e vintes dias prorrogáveis por mais sessenta. O prazo de duração de uma CPI deve ser (no máximo, porque pode não ter sido instaurada no início) uma sessão legislativa.
O já mencionado RISF em seu art. 76 dita que as comissões temporárias se extinguem:
Art. 76. As comissões temporárias se extinguem:
(...)
II - ao término do respectivo prazo; e
III - ao término da sessão legislativa ordinária.
§ 1º É lícito à comissão que não tenha concluído a sua tarefa requerer a prorrogação do respectivo prazo:
I - no caso do inciso II, do caput, por tempo determinado não superior a um ano;
II - no caso do inciso III, do caput, até o término da sessão legislativa seguinte.
(...)
Ora, assim, pelo menos diante do RI do Senado é possível que a Comissão solicite a prorrogação de seu prazo por um período a mais, a depender da situação se encaixar no inciso II ou no inciso III do caput.
Entretanto, há um preceito delimitativo no mesmo artigo. Trata-se de seu parágrafo 4º:
§ 4º Em qualquer hipótese o prazo da comissão parlamentar de inquérito não poderá ultrapassar o período da legislatura em que for criada.
Portanto, para o RISF o prazo máximo de uma CPI é o de uma legislatura. Veja-se que este dispositivo não contraria o parágrafo 2º do art. 5º da lei 1.579 de 1952, visto que a sua parte final diz: salvo deliberação da respectiva Câmara, prorrogando-a dentro da legislatura em curso.
Quanto ao Regimento interno da Câmara Federal, aplica-se o já mencionado art. 35 parágrafo 3º (120 – cento e vinte dias – prorrogáveis por mais metade deste prazo).
Sem embargo deste cipoal de prazos, coisa certa é a de que não há limite para o número de prorrogações, desde que respeitado o prazo de uma legislatura. Esta é a lição:
Se, durante o prazo estabelecido pelo plenário da Casa Legislativa que a criou, a comissão não concluir os trabalhos para os quais foi incumbida, estará extinta, pleno jure, salvo se, dentro do prazo originário de funcionamento seja requerido ao plenário da Casa ou ao Congresso - quando instalada em conjunto - pedido de prorrogação, nunca superior ao prazo constitucional, admitindo-se quantas renovações se fizerem necessárias para apuração dos fatos determinados, conexo ou continentes com eles, respeitado, sempre e sempre, o interstício da legislatura em vigência2.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal já firmou sua orientação no sentido de que múltiplas prorrogações são válidas, contanto que se respeito, como termo máximo para o encerramento, o término da legislatura3.
Por último, cabem duas observações. A primeira é a de que a natureza do prazo de vigência de uma CPI, ao menos de acordo com alguns julgados, é decadencial4 (a despeito de ser possível sua prorrogação). De toda sorte, uma vez ultrapassado o prazo sem requerimento de prorrogação, a Comissão é extinta de pleno direito. E, quanto a segunda, cuida-se do termo a quo da contagem de tal prazo.
O art. 76 parágrafo 3º do RISF traz uma regra que bem pode ser aplicada às CPI’s em geral, por obedecer a uma lógica que orienta o ordenamento como um todo:
§ 3º O prazo das comissões temporárias é contado a partir da publicação dos atos que as criarem, suspendendo-se nos períodos de recesso do Congresso Nacional.
Evidentemente, outrossim, que CPI’s que pululem no âmbito das Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais deverão também observar os respectivos regramentos especiais, desde que não contrariem as normas e princípios constitucionais.
Enfim, as CPI’s devem ser instituídas com prazo certo, cuja dimensão deverá ser objeto de deliberação por parte da respectiva Casa, sendo certo que, desde que não expirado o seu prazo, pode ser renovada pela mesma Casa, mediante requerimento, tendo como prazo máximo uma legislatura da Casa. E, em caso de CPMI, deve prevalecer, a grosso modo, o prazo da legislatura da Câmara, que é menor, levando em consideração também a situação dos investigados, submetidos a intenso streptus fori.
______________
1 SILVA, Francisco Rodrigues da. CPIs federais, estaduais, municipais: poderes e limitações. Recife: Ed. do Autor, 2000.
2 SILVA, Francisco Rodrigues da. CPIs federais, estaduais, municipais: poderes e limitações. Recife: Ed. do Autor, 2000.
3 Barcellos, Ana Paula de Curso de Direito Constitucional - 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2019.
4 (TJAP -MS 5.893-TP- Macapá - Rei. Des. Mário Gurtyev-DJAP 31.05.1994).