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Breve visão sobre o planejamento sucessório envolvendo filhos com deficiência

É atividade eminentemente preventiva, onde o titular dos bens destina-os, assegurando a transmissão de acordo com a sua vontade e evitando a incidência de onerosa tributação após a sua morte.

19/4/2021

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, a morte ainda é encarada como um tabu. Os números são assustadores. Mais de 70% dos brasileiros têm dificuldades em falar sobre o assunto e associam a morte a sentimentos ruins como dor, saudade, tristeza.  Faz parte da nossa cultura evitar o tema.

No entanto, quando se tem patrimônio, grande ou não, o planejamento sucessório deve ocorrer, até mesmo como forma de amor aos herdeiros. Questões existenciais dos filhos também podem ser abordadas.

O planejamento serve para evitar que, com o falecimento, os herdeiros tenham que arcar com os altos custo do inventário, permite que se deixe organizada a vida de quem se ama, previne litígios entre os herdeiros, enfim, traz uma série de vantagens.

2. PREOCUPAÇÃO EM RELAÇÃO AOS HERDEIROS COM DEFICIÊNCIA

Durante a vida, os cuidados dos pais diante das necessidades dos filhos com deficiência são intensos e motivo para preocupações futuras, conforme a idade avança. Dúvidas acerca de como os filhos viverão, quando os pais cuidadores não mais estejam presentes, são persistentes. Temem pelo futuro, com relação aos cuidados e manutenção de seus filhos com deficiência e como as responsabilidades serão administradas, caso sejam impedidos de cuidá-los por se tornarem incapazes ou venham a falecer.

Essa sensação de fragilidade e a percepção da própria finitude gera, nos progenitores, o temor de deixar vulnerável o ser que depende dos seus cuidados, quando constatam que o filho está a crescer, mas não reúne condições para ingressar no mercado de trabalho, nem terá autonomia e independência. Por outras vezes, a inquietação reside no fato de serem pessoas mais inocentes e, por consequências, suscetíveis de serem enganadas ou trapaceadas. Em outros casos, a deficiência impede o indivíduo até mesmo de realizar os autocuidados básicos necessários à sua sobrevivência, não conseguindo viver sem o apoio de algum familiar.

Essas situações podem e devem ser pensadas e planejadas, ainda em vida, como forma de proteger as pessoas com Paralisia Cerebral, Síndrome de Down, Síndromes Neurológicas, as que estão no Transtorno do Espectro Autista, entre outras.

3. FORMAS DE PLANEJAMENTO PATRIMONIAL

O planejamento sucessório é uma das formas de organização e preservação patrimonial. É atividade eminentemente preventiva, onde o titular dos bens destina-os, assegurando a transmissão de acordo com a sua vontade e evitando a incidência de onerosa tributação após a sua morte. Pode ser realizado por ato inter vivos ou causa mortis, a depender da conveniência do proprietário do patrimônio.

Em alguns casos, pode-se assegurar a propriedade exclusiva de determinado bem em favor de um herdeiro específico, eliminando-se condomínios.

É possível, ainda, proteger o filho com deficiência, garantindo-lhe, por exemplo, um determinando imóvel que servirá de moradia, recursos para subsistência etc.

Podem ser gravadas cláusulas restritivas que impeçam a venda ou a penhora do bem em caso de dívida contraída pelo herdeiro e até mesmo que a propriedade se comunique com futuro cônjuge ou companheiro do herdeiro com deficiência, a fim de que o patrimônio permaneça, de forma vitalícia, com o filho. A melhor deliberação dependerá de análise jurídica em cada caso concreto.

Além disso, pode ser evitado o gasto com custas judiciais e, quando há transmissão prévia do patrimônio, antecipa-se o recolhimento do ITCMD, que atualmente, no Estado de São Paulo, é de 4% sobre os valores dos bens, ressaltando-se que existe o risco de alteração da lei, para elevação futura da alíquota máxima do imposto causa mortis, que hoje é de 8%, para 20%.

3.1 DOAÇÃO COMO ADIANTAMENTO DA LEGÍTIMA

Faz-se a partilha em vida, com a doação dos bens aos herdeiros necessários, definidos no artigo 1845, do Código Civil, da parte do patrimônio que lhes caberá por herança. Desejando doar ao filho com deficiência, o doador pode, inclusive, nomear pessoa diversa para administrar os bens, denominada curador especial, como autorizam os artigos 1693, III e 1.733, §2º, do Código Civil.

Quando da abertura da sucessão, os bens devem ser trazidos à colação, conforme artigo 2.002, do Código Civil, salvo se o doador dispensar a colação, declarando que o bem doado pertence à parte disponível da herança.

Algumas cláusulas podem ser gravadas, para proteção das partes.

O usufruto vitalício em favor do doador garante-lhe o domínio do bem, recebendo os frutos e rendimentos. A propriedade será consolidada em favor do herdeiro com deficiência, após a morte do usufrutuário, sem a necessidade de abertura de inventário. A cláusula de reversão, por outro lado, assegura que os bens retornem ao patrimônio do doador, caso o donatário venha a falecer antes.

Já as cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade, a serem analisadas em cada caso concreto, protegem o patrimônio dos herdeiros, evitando a dilapidação por parte dos mesmos.

3.2 CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA – HOLDING FAMILIAR

Mediante minucioso estudo, o titular dos bens transfere-os para pessoa jurídica a ser criada que, com a morte desta, são repassados aos herdeiros. A administração e gestão permanece com o dono do patrimônio, enquanto este viver e, por ocasião de seu falecimento, a titularidade das quotas e ações transfere-se, automaticamente, aos herdeiros, conforme definido no estatuto. A grande vantagem é a redução da carga tributária sobre o rendimento da pessoa física e a dispensa de inventário e, consequentemente, do imposto causa mortis.

A constituição de holdings tem se popularizado. É uma pessoa jurídica que substitui a pessoa física, agindo como sócia ou acionista de outra empresa e dirime as questões individuais de seus criadores, como casamento, divórcio, comunhão de bens, autorização do cônjuge para venda de imóveis, procurações, disposições de última vontade etc.

Possível instituir-se usufruto sobre as quotas doadas aos herdeiros, bem como cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade, inalienabilidade e de reversão.

3.3 TESTAMENTO

É a forma mais conhecida de planejamento sucessório, realizado mediante o cumprimento de formalidades impostas pela lei e que precisa observar o direito do cônjuge, do companheiro e dos herdeiros necessários. Há a vantagem de ser um ato revogável pelo testador.

Pode envolver o destino dos bens e outros assuntos de caráter não patrimonial, como o reconhecimento de filhos, nomeação de curador especial para administrar os bens de filhos incapazes, indicação de beneficiário de seguro de vida, nomeação de tutor para cuidar das necessidades de filho incapaz, entre outras.

O testador pode individualizar os bens que comporão os quinhões hereditários, como prescreve o artigo 2.014, do Código Civil.

Para proteção dos herdeiros incapazes, pode gravar com cláusulas restritivas, como inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, a serem motivadas em cada caso individualmente. Pode, ainda, dispor sobre o pagamento de verba destinada ao sustento, saúde, vestuário, habitação e educação do filho com deficiência, de forma vitalícia ou temporária.

3.4 PREVIDÊNCIA PRIVADA E SEGURO DE VIDA

Com a finalidade de prover o sustento do herdeiro, notadamente, em se tratando de pessoa com deficiência, o autor da herança poderá constituir previdência privada (PGBL ou VGBL) ou seguro de vida, a ser recebido pelo herdeiro, de imediato, independentemente de abertura do inventário, quando for o caso,

4. CONCLUSÃO

O futuro dos herdeiros, sobretudo, os com deficiência deve ser planejado e formalizado adequadamente pelos seus responsáveis, tanto no tocante ao destino do patrimônio, como nas demais questões existenciais atinentes à administração dos bens dos herdeiros, a quem incumbirá os cuidados com o filho com deficiência, além do estabelecimento de diretrizes visando a proteção dos mesmos, a preservação do patrimônio através de cláusulas restritivas, a destinação de imóvel para moradia e de verbas para subsistência, de forma vitalícia, se necessário for.

Existe uma vasta gama de possibilidades de planejamento, que deve ser pensado de forma individual, de acordo com a realidade de cada família, independentemente de se tratar de grande ou pequeno patrimônio.

É preciso mudarmos a cultura dos brasileiros e o enfrentamento do assunto morte, já que a mesma é inevitável, sendo necessária a consciência de que é possível prever a segurança financeira da família e, sobretudo, deixar amparados os herdeiros com deficiência. Via de regra, após realizado o planejamento, o que se observa é um grande alívio dos genitores, por saberem que estarão deixando delineado o destino do filho, de acordo com suas vontades.

Giovana Ferreira De Sá Alvarez
Advogada, formada pela UniSantos, em 1995. Pós graduada em Direito da Saúde, Direito Processual Civil e Direito e Processo do Consumidor. Pós graduanda em Direito de Família e Sucessões.

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