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Compensação financeira por incapacidade laboral decorrente da covid-19

A lei 14.128/21 criou uma compensação financeira para os profissionais da saúde que tiverem incapacidade laboral decorrente de contaminação por covid-19, ou seus herdeiros, no caso de óbito.

6/4/2021

O IEPREV – Instituto de Estudos e Pesquisas em Direito Previdenciário, em cumprimento às suas finalidades de discussão e difusão científica a respeito desse direito fundamental social, vem a público emitir algumas considerações técnicas a respeito da lei 14.128/21, que estabeleceu nova modalidade de pensão especial.

***

A lei 14.128, de 26/3/21, criou mais uma modalidade de pensão especial, desta vez destinada a profissionais de saúde (ou seus herdeiros e sucessores, no caso de óbito) incapacitados para o trabalho em virtude de contaminação pelo covid-19:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), por terem trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pela covid-19, ou realizado visitas domiciliares em determinado período de tempo, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de óbito.

Embora a norma em tela utilize a expressão compensação financeira, trata-se da mesma racionalidade de algumas espécies de benefícios especiais já existentes no ordenamento jurídico, a exemplo da pensão para as vítimas da Síndrome de Talidomida ou o benefício destinado para as vítimas de contaminação do Césio 147, dentre outros.

O texto da lei 14.128/21 não exige, para a concessão da referida compensação financeira que o beneficiário possua qualidade de segurado, tampouco requer um número mínimo contribuições previdenciárias, remetendo esse novo benefício para o âmbito das políticas públicas de Assistência Social (art. 203, caput, da Constituição Federal)

A lei 14.128/21 (art. 1º, p. único, I) define quem são os destinatários desta pensão especial:

I. profissional ou trabalhador de saúde:

a) aqueles cujas profissões, de nível superior, são reconhecidas pelo Conselho Nacional de Saúde, além de fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais e profissionais que trabalham com testagem nos laboratórios de análises clínicas;

b) aqueles cujas profissões, de nível técnico ou auxiliar, são vinculadas às áreas de saúde, incluindo os profissionais que trabalham com testagem nos laboratórios de análises clínicas;

c) os agentes comunitários de saúde e de combate a endemias;

d) aqueles que, mesmo não exercendo atividades-fim nas áreas de saúde, auxiliam ou prestam serviço de apoio presencialmente nos estabelecimentos de saúde para a consecução daquelas atividades, no desempenho de atribuições em serviços administrativos, de copa, de lavanderia, de limpeza, de segurança e de condução de ambulâncias, entre outros, além dos trabalhadores dos necrotérios e dos coveiros; e

e) aqueles cujas profissões, de nível superior, médio e fundamental, são reconhecidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social, que atuam no Sistema Único de Assistência Social;

A definição dos dependentes, para a finalidade de concessão da compensação financeira, no caso de óbito do profissional da saúde, segue a legislação previdenciária, apontando-se o rol estabelecido pelo art. 16 da lei 8.213/91.

A compensação financeira da lei 14.128/21 é devida às seguintes pessoas (art. 2º):

I - ao profissional ou trabalhador de saúde referido no inciso I do parágrafo único do art. 1º desta lei que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da covid-19;

II - ao agente comunitário de saúde e de combate a endemias que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da covid-19, por ter realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições durante o Espin-covid-19;

III - ao cônjuge ou companheiro, aos dependentes e aos herdeiros necessários do profissional ou trabalhador de saúde que, falecido em decorrência da covid-19, tenha trabalhado no atendimento direto aos pacientes acometidos por essa doença, ou realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, durante o Espin-covid-19.

Cremos que esse rol de destinatários é taxativo e não pode ser ampliado mediante interpretação extensiva, tendo em vista a excepcionalidade desta política pública, de natureza assistencial e indenizatória. Porém, é muito provável que ocorra uma intensa judicialização desse tema, voltada à ampliação dos destinatários do benefício criado pela lei 14.128/21.

Conforme o art. 2º, § 1º, da lei 14.128/21, presume-se a covid-19 como causa da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, mesmo que não tenha sido a causa única, principal ou imediata, mas se exige que exista nexo temporal entre a data de início da doença e a ocorrência da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, se houver diagnóstico de covid-19 comprovado mediante laudos de exames laboratoriais, ou laudo médico que ateste quadro clínico compatível com a covid-19.

A presença de comorbidades (como diabetes ou doenças respiratórias) não afasta o direito ao recebimento da compensação financeira (art. 2º, § 2º).

Em todos os casos, a concessão da compensação financeira estará sujeita à avaliação de perícia médica realizada por servidores integrantes da carreira de Perito Médico Federal (art. 2º, § 3º).

Considerando que ocorre, no âmbito do Direito Previdenciário, um intenso debate judicial sobre a comprovação da incapacidade laboral, aguarda-se também para o benefício especial criado pela lei 14.128/21 uma intensa judicialização desse requisito, que é o elemento crucial à concessão da compensação financeira.

Quanto à eficácia temporal da norma em tela, é estabelecido que a compensação financeira da lei 14.128/21 será devida inclusive nas hipóteses de óbito ou incapacidade permanente para o trabalho que sejam supervenientes à declaração do fim do Espin-covid-19 ou mesmo anteriores à data de publicação da referida Lei, desde que a infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) tenha ocorrido durante a crise sanitária internacional decorrente da covid-19 (art. 2º, § 4º).

A compensação financeira criada pela lei 14.128/21 será composta da seguinte forma:

I – 1 (uma) única prestação em valor fixo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), devida ao profissional ou trabalhador de saúde incapacitado permanentemente para o trabalho ou, em caso de óbito deste, ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, sujeita, nesta hipótese, a rateio entre os beneficiários;

II – 1 (uma) única prestação de valor variável devida a cada um dos dependentes menores de 21 (vinte e um) anos, ou 24 (vinte e quatro) anos se cursando curso superior, do profissional ou trabalhador de saúde falecido, cujo valor será calculado mediante a multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número de anos inteiros e incompletos que faltarem, para cada um deles, na data do óbito do profissional ou trabalhador de saúde, para atingir a idade de 21 (vinte e um) anos completos, ou 24 (vinte e quatro) anos se cursando curso superior.

A prestação variável tratada no inciso II (do artigo 3º) será devida aos dependentes com deficiência do profissional ou trabalhador de saúde falecido, independentemente da idade, no valor resultante da multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número mínimo de 5 (cinco) anos.

O rateio mencionado no inciso I será calculado em partes iguais, ao cônjuge ou companheiro e a cada um dos dependentes e herdeiros necessários.

No caso de óbito do profissional ou trabalhador de saúde, será agregado o valor relativo às despesas de funeral à compensação financeira de que trata o inciso I do caput deste artigo, na forma disposta em regulamento (art. 3º, § 4º).

É interessante sublinhar que a lei 14.128/21 resgata, para a configuração da figura dos dependentes, a hipótese do filho universitário, até a idade de 24 anos, situação que já foi eliminada da legislação previdenciária, inclusive no âmbito jurisprudencial.

O Regulamento certamente irá esclarecer algumas dúvidas de ordem prática que persistem da interpretação dos artigos aqui comentados.

A compensação financeira da lei 14.128/21 será concedida após a análise e o deferimento de requerimento com esse objetivo dirigido ao órgão competente, cujos requisitos e formato serão definidos pelo futuro regulamento (art. 4º).

Em outras palavras, não se concederá, de ofício, a compensação financeira da lei 14.128/21. Será necessário que o interessado, ou seus dependentes e herdeiros, promovam um requerimento administrativo perante o órgão a que for acometida esta competência.

A própria lei 14.128/21 esclarece que a referida compensação financeira possui natureza indenizatória, isto é, não configura remuneração tampouco benefício previdenciário e, por consequência, não configura base de cálculo para incidência dos tributos que ordinariamente são exigidos sobre salários, como o Imposto sobre a Renda e as contribuições previdenciárias:

Art. 5º A compensação financeira de que trata esta Lei possui natureza indenizatória e não poderá constituir base de cálculo para a incidência de imposto de renda ou de contribuição previdenciária.

Embora o art. 5º da lei 14.128/21 não mencione expressamente, compreendemos que o FGTS também não incidirá sobre os valores da compensação financeira, visto que não se trata de salário, mas de verba de cunho indenizatório, conforme esse dispositivo legal expressamente deixa consignado.

Por outro lado, e tratando-se de verba indenizatória, permite-se a cumulação da compensação financeira criada pela lei 14.128/21 com benefícios previdenciários ou assistenciais a que a pessoa possa vir a fazer jus, caso preenchidos os respectivos requisitos (art. 5º, p. único).

Essa perspectiva repete a situação de diversas outras pensões especiais existentes na legislação de Seguridade Social, onde é recorrente a possibilidade de cumulação com benefícios previdenciários ou assistenciais, a exemplo da pensão especial dos ex-combatentes (art. 53, II, do ADCT) ou a pensão para as vítimas da Síndrome de Talidomida (lei 7.070/82), dentre outras, não incidindo a proibição constante do art. 124 da lei 8.213/91.

A compensação financeira criada pela lei 14.128/21 será paga pelo órgão competente para sua administração e concessão, o qual será definido nos termos do Regulamento, e essa política pública será custeada com recursos do Tesouro Nacional (art. 6º).

Outrossim, o Tesouro Nacional colocará à disposição do órgão pagador da compensação financeira da lei 14.128/21, à conta de dotações próprias consignadas no orçamento da União Federal (art. 6º, p. único).

Embora não se trate de um benefício previdenciário, é inevitável a correlação que podemos observar com os benefícios que o INSS pagará, seja na via administrativa, seja por força de decisão judicial, de natureza acidentária, quando se afere que há chances de que a enfermidade que levou à incapacidade temporária ou permanente, assim como ao óbito, teria advindo da contaminação no ambiente de trabalho ou mesmo no trajeto do trabalho para casa e vice-versa, situação conhecida como acidente de trajeto.

Importa consignar que, pós-reforma, esse reconhecimento traz uma grande vantagem nos cálculos das aposentadorias por incapacidade permanente, assim como nas pensões por morte decorrentes, eis que o cálculo é “diferenciado”, sendo elevado automaticamente para 100% (cem por cento) o coeficiente a ser multiplicado sobre o salário de benefício. Ou seja, não importará a quantidade de anos paga à data da incapacidade ou falecimento do segurado, devendo ser sempre de 100% (cem por cento).

Por pertinente, relembremos que a pensão por morte, quando o segurado não é aposentado, é calculada com arrimo no cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente (vide art. 106 do decreto 3.048/99), a qual, sendo acidentária, deve ser ponderada à razão de 100% do salário de benefício, nos termos do art. 44, II, do Regulamento da Previdência Social – RPS.

Embora o INSS não venha assim procedendo, conforme levantamento informal, isso não afasta a busca pela correção judicial dessa situação. Aliás, trata-se de erro crasso que somente ensejará mais judicialização.

De igual modo, ocasional reconhecimento do direito à indenização em comentário contribuirá para a caracterização acidentária perante o INSS e, com isso, a ocasional majoração do coeficiente do benefício supramencionada. Isso pode corresponder a algo como a “prova emprestada”. E vice-versa. Reconhecido pelo INSS a natureza acidentária, passa a ser devida a indenização em comentário.

Lembremos que existem espécies voltadas exclusivamente para situações acidentárias, a saber, espécie 92 para aposentadorias por incapacidade permanente por acidente do trabalho e espécie 93 para pensão por morte por acidente do trabalho. Uma vez reconhecida tal caracterização, será muito plausível o direito à indenização em questão.

Também é oportuno destacar que a relação acidentária ora cogitada já foi objeto de reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal – STF, quando decidiu pela inconstitucionalidade do art. 29 da medida provisória 927/20, dispositivo legal que mitigava essa caracterização (ADIn 6.346, dentre outras).

A lei 14.128/21 entra em vigor na data de sua publicação, isto é, não foi fixado prazo de vacatio legis.

Apesar disso, a operacionalização de inúmeros elementos da norma em tela (aferição dos requisitos de acesso à pensão especial, implementação dos pagamentos, etc) ainda dependerá de edição de regulamento pelo Poder Executivo.

Marco Aurélio Serau Junior
Diretor Científico do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários.

Roberto de Carvalho Santos
Presidente do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários.

Malcon Robert Lima Gomes
Professor. Servidor público. Especialista em Direito Previdenciário.

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