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Peculiaridades dos recursos contra o indeferimento de designação em marcas apresentados ao INPI no âmbito do Protocolo de Madri

Já passado cerca de um ano e meio da incorporação dos procedimentos relativos ao Protocolo de Madri no âmbito do INPI, começam também a aparecer as primeiras decisões da Autarquia em processos iniciados já no seio deste sistema internacional.

6/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Protocolo de Madri, hoje uma realidade, é novidade há muito aguardada no sistema de registro de marcas brasileiro. O acordo, que permite que sejam estendidos ao Brasil pedidos de registro de marca protocolados diretamente do exterior via Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), foi firmado internacionalmente em 1989, mas só passou a vigorar no ordenamento jurídico brasileiro a partir do final de 2019. A demora na incorporação do país ao sistema pode ser encarada com alguma naturalidade se levarmos em conta o histórico de longa fila de processos aguardando análise (backlog) pelo órgão responsável - o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) – hoje já bastante mitigada com o advento da digitalização total dos trâmites desta Autarquia Federal. De qualquer forma, fato é que, com ou sem demora, o Brasil foi capaz de assumir o compromisso internacional de proferir alguma decisão1 a respeito do conteúdo de pedidos de registro de marca dentro de um prazo de dezoito meses2.

Já passado cerca de um ano e meio da incorporação dos procedimentos relativos ao Protocolo de Madri no âmbito do INPI, começam também a aparecer as primeiras decisões da Autarquia em processos iniciados já no seio deste sistema internacional. A prática demonstra, no entanto, que há pequenas diferenças de ordem técnica envolvidas em processos desta natureza às quais os profissionais que militam na área devem permanecer atentos. Estes pontos de divergência dizem respeito principalmente a aspectos de nomenclatura e não chegam a ser substanciais (nem teriam como sê-lo, como veremos). Nossa proposta para esta breve exposição é justamente a de esclarecer quais são estas peculiaridades, de onde decorrem e os vislumbrados motivos gerais pelos quais o sistema é assim estruturado.

Evidentemente, o Protocolo de Madri é um universo à parte em matéria de procedimentos próprios, estando robustamente regulamentado não só pelo texto do próprio Acordo (cujo corpo consta do decreto 10.033/19, respectivo a sua internalização), mas também em normas infralegais expedidas pelo INPI (notadamente Resolução/INPI/PR 247/19) e, dentre outras, mas não menos importante, o Manual de Marcas. Em se tratando de vasto escopo normativo, nosso foco deverá bem recair na questão dos recursos administrativos, especificamente aqueles apresentados contra a “recusa provisória” (de acordo com o vocabulário das regras aplicáveis) ou, em outras palavras, os que objetivem reverter decisão de indeferimento de um pedido de registro que, originado fora do Brasil, aqui passa por análise de viabilidade através do Protocolo de Madri. Optamos pela concentração no tema especificamente neste momento porque, como acima adiantado, o decurso de tempo desde a instauração destes procedimentos no país (ao final de 2019) faz com que agora, especialmente, comecem a se avolumar as decisões de recusa provisória em pedidos do tipo. Daí que provável um aumento na demanda pelo esclarecimento de questões pontuais nesta seara não só pelos que atuam na área (por necessidade profissional), como pela comunidade estudiosa do Direito em geral, para consolidação acadêmica de conceitos (mesmo que, nesta ocasião, venham a ser desenvolvidos apenas superficialmente).

O Protocolo de Madri, sabe-se bem, permite que depositantes de marcas se dirijam à sua autoridade registradora local (o INPI, no caso do Brasil) e, ali mesmo, peçam a extensão daquele pedido, com idênticas características específicas3, para outros países aderentes do chamado Sistema de Madri. Por dispensar a necessidade de contratação de representantes locais em outros países, a transferência internacional de valores para pagamento de taxas e a necessidade de traduções em geral, o Protocolo de Madri facilita o nosso acesso ao sistema marcário de outros países ao mesmo tempo em que descomplica e desburocratiza o trânsito de pedidos de titulares estrangeiros no Brasil.

Ao pedido apresentado no estrangeiro que reivindica proteção no Brasil se dá o nome de designação. O pedido designa o Brasil, entre outros países possíveis, como um dos territórios onde se requer o direito de exclusividade sobre o signo distintivo. Por isso é que à decisão de indeferimento destes pedidos, diferentemente daqueles apresentados diretamente no Brasil (sem o uso do Protocolo), dá-se o nome técnico específico de indeferimento de designação, em contraste com o típico e usual indeferimento de pedido de registro (termo técnico aplicável aos pedidos nacionais). Ainda que, na prática, não haja qualquer diferença de resultado nestas decisões administrativas, fato é que, do ponto de vista estritamente técnico, são atos codificados distintamente – o indeferimento de designação recebe o despacho I774 enquanto o indeferimento de pedido se marca sob o I024. Isso sugere ser a natureza jurídica dos mesmos ligeiramente distinta, ainda que praticamente idêntica.

Esta constatação inicial nos permite desenvolver o tópico de maneira que rapidamente nos levará à conclusão desta curta reflexão.

Em primeiro lugar, há de se rememorar que a operação do Protocolo de Madri, ao menos no Brasil, apesar de dispensar a contratação de agentes locais para o ato de designação (análogo ao depósito), exige a representação para a tomada de alguns atos posteriores no caso de indeferimento. Mais especificamente, para que seja possível recorrer da decisão de “recusa provisória” é necessário não só ter um representante local com poderes plenos de representação (na forma do art. 217 da lei federal 9.279/96, conhecida popularmente como “Lei de Propriedade Industrial” ou “LPI”) como os atos praticados necessitam sê-lo em português. Muito claramente, assim, tem-se que o recurso precisa estar redigido no idioma pátrio, e ser apresentado por representante local com poderes4 independentemente do país de origem do depositante que faz uso do Protocolo de Madri. Ou seja: neste momento em que começam a se acumular decisões de recusa provisória no âmbito de pedidos de designação do Brasil oriundos do Protocolo, tende a haver maior procura – que tende à estabilidade em nível superior ao testemunhado até então - pela contratação de representantes brasileiros justamente para a redação e apresentação destes recursos.

Do ponto de vista estritamente técnico, esta exigência decorre do fato que os pedidos de designação apresentados via Protocolo não são considerados atos praticados diretamente no INPI, vez que chegam a este por intermédio da Secretaria Internacional, que opera no âmbito da OMPI. Tanto é que a recusa provisória é comunicada inicialmente à Secretaria, que por sua vez comunica o depositante no exterior da decisão tomada no Brasil. O INPI, nestas ocasiões, emite carta (geralmente em inglês) onde explicita o motivo técnico da recusa (o inciso do art. 124 da LPI aplicável) e dá orientações gerais, indicando claramente que haverá o arquivamento total do pedido se não houver recurso apresentado nos termos acima já adiantados, dentre outras instruções. Este pedido de revisão da decisão primária, por ser ato necessariamente praticado diretamente no INPI, exige a intermediação por representante no caso de depositantes estrangeiros, nos termos do já citado art. 217 da LPI.

Peculiaridade interessante neste contexto é que, ao contrário do que ocorre nos pedidos nacionais, as cartas explicativas endereçadas aos depositantes estrangeiros em Protocolo de Madri especificam a data-limite exata para recebimento do recurso nos moldes indicados. Curiosamente, orienta-se o depositante que o recurso deverá ser endereçado à Coordenação-Geral de Recursos e Processos Administrativos de Nulidade, quando a decisão dos recursos é de competência exclusiva do presidente do INPI (art. 212, § 3º da LPI e item 7.1 do Manual de Marcas).

(Imagem: Carta expedida pelo INPI em inglês comunicando ao depositante estrangeiro a decisão de recusa provisória (indeferimento de pedido de designação) no âmbito do Protocolo de Madri)

Estas pequenas divergências na orientação de depositantes estrangeiros são razoáveis e compreensíveis visto que estes, via de regra, não estarão representados localmente, estando desobrigados do conhecimento do teor da LPI quanto ao prazo do art. 212 para a apresentação de recursos, por exemplo. Por outro lado, é fácil concluir-se que depositantes nacionais não poderão alegar desconhecimento da lei local ou do conteúdo do Manual de Marcas.

No entanto, não há mesmo que se falar em divergências no tratamento de recursos apresentados em pedidos realizados via Protocolo de Madri frente aos interpostos em processos nacionalmente originados. É que todos os regramentos aplicáveis deixam claríssimo que vigora o que aqui convencionamos chamar de princípio da paridade de recursos entre depositantes nacionais e estrangeiros (que peticionem via Protocolo). Os textos normativos explicam de maneira claríssima do que estamos a falar:

(...) O referido titular terá os mesmos meios de recurso como se a marca tivesse sido depositada por ele diretamente junto à Administração que tiver notificado sua recusa. (...)” [trecho do artigo 5, item 3, do texto do Protocolo de Madri, na redação dada pelo decreto 10.033/19]

Às inscrições internacionais que designam o Brasil serão assegurados os mesmos direitos de manifestação e recurso garantidos aos requerentes de pedidos de registro de marca depositados diretamente no INPI. São, portanto, aplicáveis ao exame da matéria os mesmos critérios, condições e remédios descritos na LPI e no [capítulo do Manual de Marcas do INPI a respeito de recursos]”. (trecho do item 11.3.3.6 do Manual de Marcas do INPI)

Ou seja: perante a lei e as normas infralegais aplicáveis à matéria, não há diferença no tratamento jurídico dado aos recursos apresentados por depositantes nacionais ou usuários do Sistema de Madri. Apesar das pequenas peculiaridades citadas, fato é que o INPI processa, analisa e julga exatamente da mesma maneira os recursos em marcas – sejam contra o indeferimento da designação ou do pedido de registro5. Aos depositantes nacionais e estrangeiros usuários do Sistema estão disponíveis exatamente os mesmos recursos legais ao mesmo tempo em que lhes são feitas precisamente as mesmas exigências procedimentais.

Parece-nos exatamente por isso que o INPI, apesar de demonstrar capacidade de atuação e comunicação em alguns idiomas estrangeiros em diversas instâncias (a exemplo do contexto de análise documental de novidade em patentes ou no âmbito das próprias comunicações à Secretaria Internacional em Protocolo de Madri), não são aceitos recursos redigidos em outra língua que não o português. Tem-se a impressão de que o princípio da paridade de recursos nada mais é que um desdobramento lógico do conhecido princípio do tratamento nacional, conhecidíssimo na seara do Direito Internacional (estamos a falar de um tratado, é bom lembrar), simplesmente aplicado ao microcosmo do sistema de registro marcário “internacional”.

Por fim, uma vez decidido o recurso, fecha-se esta “janela de paridade” entre depositantes nacionais e usuários do Sistema de Madri, voltando o processamento do pedido à intermediação da Secretaria Internacional (ao invés de somente comunicada ao representante local do usuário), com aplicabilidade dos regramentos do Protocolo. Mesmo com a presença de um representante local nos autos, assim, atos posteriores à decisão do recurso, como pagamentos aplicáveis à proteção do primeiro decênio em caso de acolhimento do pleito, por exemplo, ocorrem através do Sistema de Madri, e não diretamente no INPI. São peculiaridades que, no entanto, já não dizem mais respeito à fase de recurso – foco de nossa breve análise.

Em conclusão, tem-se que a “janela recursal” é bom exemplo de oportunidade de atuação aos operadores locais do Direito em processos originários do exterior no âmbito do Protocolo de Madri. Nosso objetivo, que consideramos bem cumprido nesta área em que temos experiência e especialidade, foi o de apontar brevemente pequenas peculiaridades destes casos hoje relativamente novos na cena da propriedade intelectual brasileira, tais como diferenciações em nomenclatura técnica, em procedimentos aplicáveis e outras considerações doutrinárias que reputamos relevantes.

________

1 A decisão citada pelo texto do acordo é a de “recusa provisória”, equivalente ao indeferimento de pedido de registro. Excetuam-se a este prazo alguns casos específicos, ainda assim, como o de recusa ao pedido que resulte da apresentação de oposição por terceiros.

2 Mesmo que em exceção ao próprio texto internacional, que indica a necessidade de resposta pública ao requerimento em até doze meses.

3 Leia-se: a mesma parcela nominativa, figurativa ou mista (mesmas palavras e/ou imagens na marca), mesma especificação de produtos ou serviços, mesmo titular, e assim por diante.

4 Pressupondo-se também, por óbvio, o conhecimento da legislação aplicável e a habilidade no seu manejo por estes.

5 Curiosamente, no entanto, a tabela de retribuições e serviços prestados pelo INPI lista a GRU aplicável a “recurso contra indeferimento de pedido de registro de marca” sob o código 3000 (em atualização recente), sem diferenciar tecnicamente o “indeferimento de pedido” do “indeferimento de designação”. Não há dúvida quanto à aplicabilidade desta GRU para ambos os casos, sendo que o próprio exemplo de carta acima ilustrado é expresso quanto ao código 3000 para o recurso em Protocolo de Madri, fato que pudemos também corroborar diretamente junto à Autarquia através de seu canal de contato corriqueiro “Fale Conosco”. De qualquer forma, frise-se, esta constatação não tem a menor gravidade prática, sendo aqui feita, quando muito, para meros fins de exatidão e ligeiro preciosismo técnico-jurídico.

Gabriel Druda Deveikis
Sócio do GDD ADVOGADOS. Mestre em Direito pelo Mackenzie (Criminal Compliance). Pós-graduações em Constitucional, em Processo Penal e em Direitos Fundamentais. Especialização em Compliance.

Leandro Moreira Valente Barbas
Doutor e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado pela Escola de Direito de São Paulo - EDESP. Palestrante e professor. Consultor do escritório GDD ADVOGADOS.

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