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Marco legal das startups: Tramitação atual e pontos relevantes

Atualmente, tramita no Congresso Nacional, o PLP 146/2019, denominado Marco legal das startups, que é visto como um instrumento essencial para favorecer o investimento nestas empresas.

1/4/2021

 

(Imagem: Arte Migalhas)

É inegável a importância das empresas denominadas startups para o cenário econômico e desenvolvimento social e tecnológico. No Brasil, nos últimos anos, pode-se dizer que houve um boom da criação destas empresas.

Há cerca de 10 anos, somente se contavam 600 startups1, e até o momento já são contabilizadas 13.4752, conforme dados disponibilizados pela Associação Brasileira de Startups. Sobre o investimento estrangeiro, o país foi responsável por mais de 50% dos investimentos em empresas de tecnologia na América Latina em 2020, sendo que dos US$ 10 bilhões captados, US$ 6,5 bilhões (65%) foi capital estrangeiro, de acordo com Pedro Waengertner, CEO da ACE3.

Inobstante esta crescente, o cenário em torno das startups ainda envolve incerteza jurídica, por dois motivos apontados por Bruno Feigelson, Erik Fontenele Nybø e Victor Cabral Fonseca:

a) pouco se produz cientificamente sobre Direito e Startups no Brasil; e

b) há uma necessidade pujante de adaptação e melhoria do sistema jurídico brasileiro diante da proeminência cada vez maior destas empresas no mercado.4 (FEIGELSON, FONSECA e NYBØ, 2018)

Vislumbra-se, no entanto, aos poucos, a criação de uma legislação brasileira sobre o tema. Inicialmente, faz-se menção ao regime Inova Simples, trazido pela lei Complementar 167, de 24 de abril de 2019, que concede um tratamento diferenciado às startups, no sentido de fixar um rito sumário para abertura e fechamento das empresas bem como de concessão de registro de marcas e patentes junto ao INPI.

Posteriormente, em 29/05/19, foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de lei Complementar do Marco Legal das Startups (PLP 146/19), que está em tramitação até o momento, inclusive, contando com audiência pública realizada. O Senado, em 24/02/21, aprovou o projeto, por unanimidade, após uma dezena de emendas, devolvendo o texto aprovado em 03/03/21 à Câmara dos Deputados.

O texto do PLP 146/19 introduz três requisitos para o enquadramento como startup. O primeiro deles, no art. 4º, §1º, I, é a receita bruta de até dezesseis milhões de reais no ano-calendário anterior (ou então de média mensal equivalente), o que não era exigível para o enquadramento no regime do Inova Simples. Aliás, o projeto revoga expressamente o conceito legal de startup contido no art. 65-A, §1º, da LC 167/19. Uma consequência jurídica que pode ser extraída a partir daí é o possível desenquadramento do Inova Simples de empresas que eram tidas como startups e que possuem receita superior ao limite apresentado.

O segundo requisito é a inscrição no CNPJ com até 10 anos, de acordo com o inciso II, variando o termo inicial se houve incorporação, fusão ou cisão.

A redação do terceiro requisito, constante no inciso III, parece ambígua, pois não define o que deveria ser declarado no ato constitutivo ou alterador: a autodeclaração como startup, o que se infere a partir do art. 65-A da LC 167/19, na medida em que os destinatários do Inova Simples também eram empresas que se autodeclarassem como startups, ou a declaração de que são utilizados modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços. A interpretação menos arriscada é de que deverão ser feitas essas duas declarações.

Quanto à constituição, o Marco Legal prevê que a startup pode ter a forma de empresário individual, empresa individual de responsabilidade limitada, sociedade empresária, sociedade cooperativa ou sociedade simples.

Dentre as benesses que o projeto apresenta, encontram-se:

1)    A Emenda 2 do Senado, ao art. 7º, dispondo que no caso do investidor pessoa física, as perdas incorridas poderão compor o custo de aquisição para fins de apuração dos ganhos de capital auferidos com a venda das participações societárias convertidas em decorrência do investimento em startup.

2)    A possibilidade de um sandbox regulatório (art. 2º, II), que representa um “conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado.”

3)    Pagamento antecipado garantido à empresa em caso de vitória em licitação, trazido a partir da Emenda 5 do Senado ao art. 14, §7º. A redação do texto saído da Câmara era de que o pagamento antecipado na licitação seria uma faculdade da Administração Pública;

4)    Licitação em modalidade especial para o teste de soluções inovadoras, destacando-se que o edital será divulgado com antecedência mínima de 30 dias e a comissão avaliadora deverá ser composta por três pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento no assunto, dentre eles, um professor de instituição pública de educação superior na área relacionada ao tema da contratação, conforme a Emenda 4 do Senado; e

5)    Exclusão de responsabilização do investidor por qualquer dívida da startup, inclusive trabalhista e tributária, não se estendendo a ele o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, seja do Código Civil seja de outras leis.

Ainda, sobre as emendas cabe citar as de 8 e 9º, que alteram a lei das Sociedades Anônimas, ampliando o patrimônio líquido limite de
R$ 10.000.000,00 para R$ 78.000.000,00, além de afastar o limite de até 30 acionistas, o que possibilitaria que as empresas que atendam tal requisito possam realizar a convocação da assembleia geral de forma mais simplificada, conforme os atuais incisos I e II, do art. 294, da lei das S/A.

Por fim, importante mencionar que o Senado retirou a previsão quanto às opções de subscrição de ações (stock options), por meio da emenda de 6.

Assim, tem-se que o marco legal das startups é uma necessidade fundamental para o desenvolvimento tecnológico no Brasil, trazendo inovações legais interessantes, e que se alinha com as iniciativas estatais para criação e fomento de um ambiente mais propício para investimentos como a lei da Liberdade Econômica e o Balcão Único, já contando com a adesão pela Junta Comercial de São Paulo.

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1. Número de startups no Brasil aumentou 20 vezes nos últimos oito anos. Novo dia, 2020. Disponível aqui. Acesso em 25/3/2021.

2. Startupbase, 2021. Disponível em: <https://startupbase.com.br/home/stats>. Acesso em 24/3/2021.

3. BARBOSA, Fernando. SXSW 2021: apesar de avanço de startups brasileiras, ainda há espaço para solucionar ineficiências. Época Negócios, 2021. Disponível aqui. Acesso em 24/3/2021

4. FEIGELSON, Bruno; FONSECA, Victor Cabral; NYBØ, Erik Fontenele. Direito das startups. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Não paginado.

 

Matheus Sprenger Neubauer da Costa
Advogado empresarial no escritório Cabanellos Advocacia. Possui especialização em Direito Tributário pela PUCRS/IET e LLM em Direito Empresarial pela FGV/Decision.

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