No início o prelúdio:
“Em que pese a Receita Federal ter explicitado, genericamente, as diretrizes do programa e apontado que, a fiscalização dos tributos internos compete à área de programação da atividade de seleção de contribuintes, na presente hipótese não se verificou a necessária atuação de forma técnica e impessoal...”
A decisão foi proferida pelo min. Alexandre de Moraes, em 1º de agosto de 2019, no âmbito do Inq nº 4781 (o chamado “Inquérito das Fake News”), quase que anunciando o que viria a ser revelado, agora, na “operação Spoofing”.
É que, com o levantamento do sigilo do material apreendido pela Polícia Federal, por decisão do min. Ricardo Lewandowski na Rcl 43.007, revelou-se conversas entre os membros da força tarefa da “Lava Jato” em Curitiba (cuja veracidade aqui meramente se supõe), constando trechos em que os Procuradores suscitavam suspeitas de pagamento de propinas na atuação junto à ministros do STJ:
“dizem que é assim que funciona no STJ.”
Nesse contexto, então, o coordenador da Força Tarefa, Deltan Dallagnol, revelou e sugeriu uma prática investigativa aparentemente comum:
“A RF pode, com base na lista, fazer uma análise patrimonial, que tal? Basta estar em EPROC público. Combinamos com a RF. Furacão 2”
Sem falar da absoluta falta de competência para investigar Ministros com foro por prerrogativa de função, trata-se, evidentemente, de ilegais “fiscalizações por encomenda”, naquilo que o min. Dias Toffoli classificou como fishing expeditions, proibidas pelo STF no julgamento do Tema 990 (RE 1.055.941/SP), publicado em 6/10/20.
É preciso registrar que, uma coisa é o compartilhamento de procedimentos fiscalizatórios já concluídos, podendo haver a transferência de sigilo entre Receita e Ministério Público, nos termos em que decidido no Tema 990; outra coisa é a encomenda e compartilhamento de dados sensíveis e fiscalizações sequer formalmente instauradas, menos ainda segundo critérios de impessoalidade e mediante indícios concretos e razoáveis de ilicitude.
Tudo isso de maneira informal ou, pior ainda, com mera aparência de formalidade.
Além dos problemas processuais-penais que tais iniciativas acabam por implicar, tem-se também a ofensa tanto ao art. 198 do CTN como à LCp 105/01, que dispõem sobre os deveres funcionais de sigilo quanto aos dados sensíveis. Verifica-se, ainda, a contaminação de autuações fiscais que acabam por gerar mais fontes de litígio entre fisco e contribuinte.
Ao invés de discutir e avançar no mérito das matérias tributárias envolvidas, cria-se um meta-contencioso (administrativo e judicial) em torno da legalidade dos procedimentos fiscais, nulidade de provas e compartilhamentos, seus desdobramentos nas teorias da fonte independente, descoberta inevitável, etc.
Tais expedientes tributários, por essa razão, merecem ser tratados com transparência, não apenas mediante emissão de Termos de Distribuição de Procedimento Fiscal, mas concedendo-se acesso ao contribuinte, também, às suas programações fiscais e aos critérios de seleção, com algum nível de “cadeia de custódia” que garanta a impessoalidade, matéria essa que poderia vir a ser incorporada, senão por alterações na própria Portaria RFB nº 6478/2017, então por incorporações no Projeto de Lei Complementar (PLP) 255/20, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados.