Migalhas de Peso

SEBRAE e a contratação de entidades públicas

As entidades componentes do Sistema “S” também têm o dever de licitar, decorrente, especialmente, do fato delas administrarem verbas oriundas de contribuições parafiscais.

25/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

No Brasil, as licitações e contratos públicos são regidos pelos princípios constitucionais contidos no art. 37, da Carta Magna de 1988, dentre eles os da impessoalidade e da moralidade, tendo, ainda, na lei 8.666/93, também conhecida como Lei Geral de Licitações, seu maior corolário legal, que apresenta não apenas normas gerais de âmbito nacional, mas também normas de cunho específico.

Desse entendimento, destaca-se que, conforme prescreve o inciso XXI do mesmo dispositivo constitucional, o dever de licitar incumbe a todas as entidades e órgãos públicos pertencentes aos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, conforme se observa da leitura, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica, indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Convém salientar, ademais, que o art. 1º, parágrafo único, da Lei Geral de Licitações (lei 8.666/93), disciplina que estão sujeitos à obrigação de licitar as autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Confira-se:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Nesse sentido, embora não estejam inseridas em nenhum dos sujeitos citados acima, as entidades componentes do Sistema “S” também têm o dever de licitar, decorrente, especialmente, do fato delas administrarem verbas oriundas de contribuições parafiscais. Dessa forma, com o objetivo de aplicar da melhor maneira possível tais recursos, estas devem, portanto, buscar a proposta mais vantajosa e possibilitar a todos os interessados que atuam no ramo do objeto do certame e que atendam às exigências estipuladas em igualdade de condições.

Acontece que, a despeito de as entidades integrantes do Sistema “S” estarem obrigadas a licitar, conforme já destacado, não se submetem aos estritos termos da lei 8.666/93, em face da inexistência de previsão expressa no art. 1º, parágrafo único, que elencou todas as entidades submetidas aos seus termos, porém não contemplou, em seu rol, os Serviços Sociais Autônomos. Tal lacuna foi preenchida com o entendimento sedimentado por meio da decisão 907/97 do Tribunal de Contas da União (TCU), a qual afirma que:

[...] 1.1 – improcedente, tanto no que se refere à questão da adoção? pelo SENAC/RS, da praça pública Daltro Filho, em Porto Alegre – RS, quanto no que tange aos processos licitatórios, visto que, por não estarem incluídos Licitações e Contratos no Sistema “S” na lista de entidades enumeradas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.666/1993, os Serviços Sociais Autônomos não estão sujeitos à observância dos estritos procedimentos na referida Lei, e sim aos seus regulamentos próprios devidamente publicados;

(TCU. Decisão 907/97 – Plenário. Rel.: Min. Lincoln Magalhães da Rocha). Destaques nossos;

Desse modo, em relação aos Serviços Sociais Autônomos, as questões relacionadas à licitação e aos contratos devem ser regidas à luz do Regulamento de Licitações e Contratos de cada entidade. Não obstante, em sendo este insuficiente, deve-se buscar a solução nos princípios aplicáveis à matéria e, em último caso, é facultado à entidade o uso da lei 8.666/93.

Assim, considerando o peculiar regime jurídico das entidades do Sistema “S”, deve o Tribunal de Contas da União preocupar-se mais em verificar a concretização das finalidades e dos objetivos desses Serviços Sociais do que a observância dos estritos procedimentos previstos na lei 8.666/93, aos quais não estão vinculados, conforme já asseverado.

Nesse contexto, apesar de a regra geral ser a obrigação de licitar, é licito esclarecer que, em casos bem específicos, existe a possibilidade de se realizar contratações dispensando-se o processo licitatório, quando sua aplicabilidade não se mostra vantajosa para a consecução do interesse público, conforme ressalta o art. 37, inciso XXI, da CF/88, o qual diz que ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública.

Os casos aqui aludidos estão especificados, para as entidades integrantes do Sistema “S”, em especial ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, no art. 9º e 10 do Regulamento de Licitação e Contratos - RLC, os quais contemplam as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, respectivamente. Vejamos a seguir:

CAPÍTULO IV • DOS CASOS DE DISPENSA EINEXIGIBILIDADE

(...)

Art. 9º A licitação poderá ser dispensada:

(...)

IX - na contratação, com serviços sociais autônomos e com órgãos e entidades integrantes da Administração Pública, quando o objeto do contrato for compatível com as atividades finalísticas do contratado;

(...)

XII - na contratação de pessoas físicas ou jurídicas para ministrar cursos ou prestar serviços de instrutoria vinculados às atividades finalísticas do SEBRAE; Grifos nossos;

(...)

Art. 10. A licitação será inexigível quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - na aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros diretamente de produtor ou fornecedor exclusivo;

II - na contratação de serviços com empresa ou profissional de notória especialização, assim entendido aqueles cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com sua atividade, permita inferir que o seu trabalho é o mais adequado à plena satisfação do objeto a ser contratado;

III - na contratação de profissional de qualquer setor artístico;

IV - na permuta ou dação em pagamento de bens, observada a avaliação atualizada;

V - na doação de bens.

(...)

Aplicando-se os ditames dos princípios da impessoalidade e da moralidade, bem como o inciso IX, do art. 9º do RLC do SEBRAE (hipótese de dispensa de licitação), importa analisar a possibilidade de o SEBRAE realizar a contratação de órgãos e entidades integrantes da Administração Pública, também pertencentes ao Conselho Deliberativo da entidade, quando o objeto do contrato for compatível com as atividades finalísticas do contratado.

Vale salientar que o art. 39, do Regulamento de Licitações e Contratos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (RLC/SEBRAE), com as alterações recentes da resolução CDN 361/21, de 11 de fevereiro de 2021, no que concerne aos impedimentos em licitar e contratar com o SEBRAE, determina quem não poderá participar das licitações nem contratar com o SEBRAE. Vejamos a seguir, in verbis:

Art. 39 Não poderão participar de licitações nem contratar com o Sistema SEBRAE:

I - Empregado, dirigente ou membro dos Conselhos Deliberativos e Fiscais de suas respectivas unidades federativas;

II - Pessoas jurídicas que tenham em seus quadros societários ou sejam constituídos por empregado, dirigente ou membro dos Conselhos Deliberativos e Fiscais de suas respectivas unidades federativas;

III - Pessoas jurídicas que tenham assento nos Conselhos Deliberativos e Fiscais de suas respectivas unidades federativas;

§ 1º A pessoa jurídica que tenha como sócio ou titular ex-empregado, não poderá prestar serviços para o respectivo SEBRAE contratante do ex-empregado, antes do decurso do prazo de 18 (dezoito) meses, contados a partir da respectiva demissão ou desligamento, exceto se os referidos sócios ou titulares foram aposentados;

§ 2º A pessoa jurídica que tenha como sócio ou titular ex-dirigente ou ex-membro dos Conselhos Deliberativos e Fiscais, não poderá prestar serviços para o SEBRAE de sua respectiva unidade federativa, antes do decurso do prazo mínimo de quarentena de 60 (sessenta) dias, contados a partir do respectivo desligamento.

§ 3º As vedações previstas no inciso III não se aplicam ao Instituto Euvaldo Lodi (IEL) e aos Serviços Sociais Autônomos, nem às pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública, Direta ou Indireta, federal, estadual ou municipal; Destacou-se;

Art. 2º O Regulamento de Licitações e de Contratos do Sistema SEBRAE em face das mudanças constantes da presente Resolução, passa a vigorar nesta data na forma do Anexo Único, parte integrante desta Resolução, independentemente da transcrição, revogadas as disposições em contrário, em especial a resolução CDN 330/19 (...)

Pode-se observar, então, que as vedações do art. 39 da RLC buscam promover a ampla efetividade dos princípios norteadores das licitações públicas, evitando o tratamento privilegiado às pessoas que ocupam cargos de direção e/ou tenham qualquer vínculo empregatício com a entidade, pois estes claramente teriam vantagens sobre os demais participantes da licitação, por estarem de posse de informações e direcionamentos internos que inevitavelmente os beneficiariam em detrimento dos demais.

Entretanto, importa consignar que o entendimento contido no art. 39, § 3º, da RLC/SEBRAE, o qual dispõe que as vedações do inciso III não se aplicam ao Instituto Euvaldo Lodi (IEL) e aos Serviços Sociais Autônomos, nem às pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública, Direta ou Indireta, federal, estadual ou municipal, encontra guarida nas recentes decisões jurisprudenciais do Tribunal de Contas da União, que claramente acolhem e ratificam seus ditames, conforme se observa da leitura do seguinte julgado:

ACÓRDÃO 1.809/20 – TCU – PRIMEIRA CÂMARA

(...)

“9.2. determinar ao SEBRAE Nacional, com fulcro no art. 18 da Lei 8.443/92 c/c o § 2º do art. 208 do Regimento Interno do TCU, que adote as medidas necessárias para impossibilitar a participação, em licitações e contratações com o Sistema SEBRAE, de empregado ou dirigente de quaisquer das entidades ao mesmo operacionalmente vinculado, dos membros dos respectivos Conselho Deliberativo e Fiscal, bem como das pessoas jurídicas que tenham em seus quadros as pessoas físicas já qualificadas, e, ainda, quando elas próprias, pessoas jurídicas, tenham assento nos conselhos deliberativos ou fiscal das entidades que compõem o Sistema Sebrae, ressalvados, neste último caso, os demais serviços sociais autônomos ou outras pessoas jurídicas integrantes da administração pública;” Grifos nossos;

Conclui-se, assim, que, ao Sistema SEBRAE, amparado pelo entendimento normativo e doutrinário, bem como de acordo com as recentes decisões da Colenda Corte de Contas – TCU e com o Regulamento de Licitações e de Contratos – RLC/SEBRAE, é possível a contratação de entidades da Administração Pública integrantes do seu Conselho Deliberativo, consoante os ditames expressos no art. 39, § 3º do RLC/SEBRAE, com redação alterada pela resolução CDN 361/21, e em respeito à parte final do item 9.2 do acórdão 1.809/20 - TCU – 1ª câmara, bem ainda, fundamentado nos princípios constitucionais insculpidos no art. 37, caput da CF/88, em especial o da legalidade, da moralidade e da impessoalidade.

Francisco Erasmo Ferreira da Costa Filho
Advogado do Setor Cível e de Direito Digital, do escritório Aguiar Advogados. Pós-graduado em Direito Tributário.

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