Migalhas de Peso

Possibilidade de pagamento das taxas vinculadas ao imóvel antes da entrega das chaves pela incorporadora

Decisão Tribunal de Justiça de São Paulo (Mar/21)

23/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Sabe-se que, a posição majoritária da jurisprudência brasileira é a de que a responsabilidade pelo pagamento das taxas vinculadas ao imóvel (condominiais e IPTU, por exemplo) é da Incorporadora até a efetiva entrega das chaves e imissão da posse pelo Comprador.

O Superior Tribunal de Justiça encampa tal posicionamento, no sentido de que parte legítima para responder pelo pagamento de verbas condominiais é aquela que detém a posse do imóvel, pois é ela que exercita as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa.

Desse modo, a efetiva posse no imóvel, que se dá com a entrega das chaves, determina o momento a partir do qual surge para o condômino a obrigação de arcar com o pagamento das despesas condominiais.

Nessa linha, pode-se valer da aplicação hermenêutica do repetitivo 886, do STJ, o qual afirma que: “O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do Condomínio acerca da transação”.

Nota-se, sequer, a possibilidade de se imputar a responsabilidade pelo pagamento das taxas ao comprador antes da imissão da posse.

Também, no mesmo sentido, é o tema 06, do IRDR (TJDFT), o qual afirma: “Expedida a carta de habite-se, a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais geradas por imóvel objeto de promessa de compra e venda é da promitente vendedora até a entrega e imissão do adquirente na posse direta da unidade imobiliária, mesmo que haja demora na transmissão da posse provocada por atraso na obtenção de financiamento imobiliário pelo comprador.”

Acontece que, as Incorporadoras tendem a remodelar tal posicionamento, especificamente, naqueles casos em que a imissão da posse não ocorre por exclusiva responsabilidade do adquirente.

Recentemente, o Colégio Recursal do Tribunal de Justiça de São Paulo, acolheu essa tese e afastou a responsabilidade da Incorporadora pelo pagamento das taxas condominiais, posto que a imissão de posse não restou efetivada exclusivamente por culpa do adquirente.

E assim, firmou o seguinte posicionamento:

Consumidor. Imóvel na planta. Despesas Condominiais. Entrega da chave. Os precedentes do C. STJ acerca da exigibilidade da taxa de condomínio surgir com a entrega das chaves pressupõe a quitação por parte do comprador. Inadimplente o comprador, e estando disponível o imóvel à imissão, a mora é exclusiva daquele, respondendo pelos ônus decorrentes, inclusive as despesas condominiais. Recurso provido. (Recurso Inominado 1012811-63.2019.8.26.0016. 7ª turma Cível do Colégio Recursal Central da Capital. Juiz Relator Daniel Ovalle da Silva Souza. DJe 12/3/21).

Decisões na mesma linha desta acima citada, como dito, ainda não prevalecem nos tribunais brasileiros, no entanto, com a interpretação caso a caso pelos julgadores estão (timidamente) ganhando espaço, como se vê de outros acórdãos abaixo colacionados:

APELAÇÃO. Compra e venda de bem imóvel. Pedido dos adquirentes do bem pela condenação dos vendedores em multa contratual, danos materiais e morais. Sentença de improcedência. Inconformismo da parte autora. Atraso na entrega das chaves. Utilização do período de tolerância sem justificativa. Aplicação de multa contratual de 10% (dez por cento) do valor do contrato, ainda que inexista tal disposição em favor dos compradores, com fundamento no equilíbrio contratual. Taxas condominiais pagas antes da imissão na posse que devem ser restituídas. Danos morais. Não provimento. Validade da cláusula de tolerância. Súmula nº. 164 desta C. Corte. Compradores que não adimpliram com sua obrigação contratual, obtendo o financiamento imobiliário de forma tardia para além do prazo de entrega do bem. Retenção das chaves justificável ante o não pagamento do preço. Encargos condominiais que recaem sobre os compradores, tendo em vista que a não imissão na posse é de sua responsabilidade exclusiva. Ausência de dano moral indenizável ante a inexistência de conduta ilícita. Sentença mantida. Recurso não provido. (Apelação n. 1031723-76.2017.8.26.0405, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rogério Murillo Pereira Cimino, j. 03 de agosto de 2020).

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. Pedido de imissão na posse prejudicado após a efetiva entrega das chaves. Mérito. Suposta nulidade da cláusula que assegurada à vendedora o direito de retenção até o adimplemento integral das obrigações contratuais assumidas pelos compradores. Afastamento. Licitude. Inteligência do art. 52 da Lei 4.591/64. Precedentes deste E. Tribunal de Justiça. Pleito de indenização por lucros cessantes. Improcedência. Autores que não tinham direito de receber as chaves porque estavam inadimplentes quanto aos valores declarados em instrumento de confissão de dívida, que constituíram fundamento para a procedência da execução posteriormente ajuizada. Pedido de devolução em dobro das taxas condominiais exigidas antes da entrega das chaves. Inviabilidade. Mora exclusiva dos apelantes, que devem arcar com suas consequências legais (art. 395, CC). Pagamento imputado aos compradores inadimplentes, e não à construtora. Sentença mantida. Honorários advocatícios sucumbenciais majorados para 15% do valor da causa (art. 85, §11, CPC), com base no trabalho adicional realizado em grau recursal, observada a gratuidade concedida. RECURSO DESPROVIDO, majorados os honorários fixados Primeiro Grau.” (Apelação 1015275-03.2016.8.26.0554, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Beretta da Silveira, j. 7/3/19).

Ao final, penso que não deve o julgador se afastar da regra instituída no artigo 395, do Código Civil, a qual afirma que “responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários do advogado”. Realiza-se, portanto, a análise individual acerca da responsabilização pelo não recebimento das chaves e, por conseguinte, a quem caberá (ou não) o pagamento das taxas vinculadas ao imóvel.

Marcelo Araújo Carvalho Júnior
Sócio e especialista em Direito Imobiliário do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.

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