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SPAC – The Blank Check Company

As SPACs são sociedades com o propósito de adquirir participação ou controle de companhias já existentes e que não negociam suas ações na bolsa de valores.

23/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O ano de 2020 foi um ano de altos e baixos nos mercados globais, no qual vivenciamos grandes quedas relacionadas ao coronavírus, os lockdowns, mas, posteriormente, a retomada das economias por consequência dos estímulos fiscais e liquidez injetada pelos bancos centrais ao redor do mundo. Neste cenário de incertezas, uma modalidade de captação de recursos vivenciou um boom nas suas operações, de modo a obter grande destaque no mercado norte-americano. Estamos falando das SPACs (Special Purpose Acquisition Company), também chamadas de “Blank Check Company”.

As SPACs são sociedades com o propósito de adquirir participação ou controle de companhias já existentes e que não negociam suas ações na bolsa de valores (companhas de capital fechado, na definição da Lei das S.A.). Geralmente são criadas por fundos de private equity ou por executivos renomados com know-how profundo sobre algum setor do mercado, sobre a premissa de que tal sociedade, após lançar seu IPO, adquirirá participação de outra companhia, com potencial de grande valorização de suas ações, quando foram negociadas no mercado aberto. A operação consiste na captação de recursos, onde os valores levantados são depositados em uma conta bloqueada, podendo ser sacados somente para concretizar a futura aquisição, mediante aprovação da maioria dos investidores. A vantagem é que caso algum investidor não aprove a aquisição, ele tem o direito de retirar os recursos depositados acrescidos de juros, e permanecer com o bônus de subscrição. O bônus de subscrição é uma das features das SPACs que a tornam mais atrativas pois, para cada ação da companhia a ser adquirida que venha a ser subscrita, o investidor recebe ½ ação como bônus de subscrição, e essa ação geralmente (nos Estados Unidos) possui um preço 15% maior que a ação subscrita, marcada assim “out of the Money”, em português, fora do dinheiro.

Essas características fazem as SPACs serem consideradas um investimento sem risco, pois, caso o investidor execute o seu right to redeem, ele recebe o dinheiro investido de volta, acrescido de juros, e ainda segue como titular de um título que possui capacidade de se valorizar caso a operação de aquisição ocorra e as ações da companhia adquirida, ou target, se valorizem na bolsa de valores. É importante ressaltar que as SPACs possuem um prazo determinado (nos EUA, geralmente 2 anos) para efetuarem a aquisição de uma target, e, caso esse prazo se esgote e os recursos não forem movimentados para a transação objeto da sociedade, eles retornam aos seus investidores e a sociedade é extinta. Frisa-se que uma das regras das SPACs é não possuir uma empresa alvo pré-definida para que essa sociedade não perca a sua natureza.

Já ao olharmos para as companhias alvo das SPACs, nota-se que existem características bem definidas para o enquadramento como uma típica target. Dentre elas, está a habilidade de preencher os requisitos de controle interno e saúde financeira para se tornar uma companhia aberta. Aliado a isso, a composição de seus ativos deve possuir tamanho relevante o suficiente para o mercado de capitais, com um controle respeitado e com boas práticas de governança corporativa. Atualmente o setor mais atrativo para as SPACs tem sido o das empresas focadas em tecnologia e sustentabilidade.

A modalidade de captação de recursos que caracteriza as SPACs é, como já vimos, bastante diferente de um IPO (Oferta Pública Primária) tradicional, porém, quais são as suas vantagens e desvantagens em comparação ao modo tradicional das empresas abrirem capital?

Inicialmente, cumpre destacar que o processo de abertura de capital via IPO é geralmente mais demorado (de 6 a 12 meses), enquanto o da SPAC dura em média de 3 a 6 meses. As SPACs são mais atrativas também para companhias que não são candidatas comuns ao IPO por conta do seu potencial de crescimento e da indústria em que está inserida. A aquisição de uma companhia fechada via SPAC também dá à target maior habilidade para monetizar uma porção dos ativos existentes, haja vista que a operação terá como forma de pagamento o dinheiro investido e não ações, como ocorre em diversas operações de aquisição. As exigências e regras de disclosure típicas de um IPO também não se aplicam às SPACs, tornando muito mais simples o processo de abertura de capital. Por fim, a possibilidade de se associar a um patrocinador com expertise no setor é um grande diferencial para companhias fechadas e para os investidores.

Por outro lado, não obstante todas essas qualidades, é necessário elencar as desvantagens das SPACs em relação ao IPO tradicional. Apesar de serem consideradas um investimento livre de risco, essa hipótese só é verdadeira no caso dos investidores que executam o seu direito de sair da sociedade antes da aquisição de uma companhia alvo, recebendo assim o valor investido, os juros e o bônus de subscrição. Essa prática ocorre bastante nos EUA e normalmente é exercida pelos chamados hedge funds, recebendo o apelido dentro do mercado financeiro de “SPACs Mafia”. Já para os investidores de longo prazo que acreditam na SPAC e pretendem ganhar rentabilidade com a valorização da companhia adquirida após a operação de compra de participação societária ou do controle, existe o risco na execução do propósito da sociedade, haja vista que caso a maioria dos investidores não aprovem a futura aquisição e o prazo dela se esgote, a sociedade é extinta. Outra desvantagem é o chamado período de lock-up, que é o prazo mínimo que um investidor tem que “carregar” a posição acionária na companhia após a sua abertura de capital, não podendo vende-la até o fim desse período. Os SPACs podem ter um lock-up superior aos 6 meses exigidos pelo IPO tradicional. Apesar da SPAC ser uma sociedade que tem como propósito a aquisição de outra companhia, como já vimos, a operação se assemelha mais a uma abertura de capital e combinado com financiamento do que um M&A tradicional.

Agora, por que estas Sociedades tiveram tamanho protagonismo em 2020? A resposta dessa pergunta está diretamente relacionada aos impactos do covid-19 no planeta. Por conta da sua estrutura e suas peculiaridades, as SPACs foram vistas como uma alternativa viável para companhias que passaram por períodos turbulentos, necessitando de reestruturação do seu endividamento e captação de recursos. Muitas companhias que tiveram problemas pontuais de liquidez também se beneficiaram desse tipo de investimento. Apesar de tudo isso, o principal motivo é o fato de serem uma alternativa mais barata, mais rápida e simples das empresas abrirem capital na bolsa, aliado ao fato de muitos as verem como um investimento livre de risco. Só no ano de 2020 foram levantados via SPAC 82,1 bilhões de dólares, mostrando para o mercado que é só o começo. A maior e mais famosa SPAC do mundo é a Pershing Square Tontine Holdings (NYSE: PSTH), administrada pelo ilustre Bill Ackman, que conseguiu levantar mais de 4 bilhões de dólares em seu IPO, e já mira “unicórnios maduros” para suas próximas aquisições. No Brasil, o SPAC mais conhecido é o da HPX, que levantou 220 milhões de dólares na bolsa de Nova York também em 2020.

Helder Fonseca
Head nas áreas de Direito Corporativo, societário e M&A do escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados.

Janilson Vaz
Colaborador do escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados.

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