Atualmente um novo termo tem ganhado força e se tornado conhecido no meio do direito LGBTI+, esse termo é a inseminação caseira.
A inseminação caseira, mais conhecida como “IC”, apesar de ser uma prática que ocorre há anos, ganhou notoriedade apenas recentemente em razão do ajuizamento de diversas ações de reconhecimento de dupla maternidade/maternidade socioafetiva.
A IC é um procedimento de “fertilização” realizado de forma 100% caseira e sem a interferência médica ou com proteção jurídica. Para a realização da IC, casais de mulheres procuram por homens que sejam doadores voluntários de esperma, em grupos formados nas mais diversas redes sociais.
Nesses grupos, após um contato superficial, o doador apresenta seus exames de sangue, que são a única comprovação de que ele é um doador “saudável” e está apto a realizar a doação do esperma sem que isso traga maiores complicações para a mulher que vai receber o material, quanto para o possível bebê que será gerado.
Para concluir o procedimento, esse casal de mulheres se encontra com o doador num local neutro, que, na maioria das vezes, é um hotel, esse doador é alocado num quarto diferente do casal de mulheres para que possa ejacular num recipiente, e imediatamente o esperma é injetado através de uma seringa na mulher que deseja gerar o bebê.
As implicações jurídicas e médicas da IC são diversas, desde a falta de segurança jurídica para as mães, uma vez que esse doador voluntário pode futuramente vir a requerer seus direitos de pai, quanto a falta de proteção médica e a saúde dessa mulher que será fertilizada.
Até o momento a maior implicação dos casos de IC, é o registro do bebê gerado a partir deste procedimento.
O Provimento nº 63/2017, do CNJ garante a inclusão do nome de ambas as mães no assento de nascimento do bebê, entretanto, isso só é possível quando o bebê é gerado a partir de técnicas de reprodução assistida realizadas em clinicas de reprodução humana. O que garante o registro e a emissão da certidão de nascimento em nome das duas mães é a declaração de nascido vivo emitida pelo hospital em nome das duas mães, uma declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico responsável pela clinica onde ocorreu a reprodução assistida, indicando que o bebê foi gerado por reprodução assistida, constando o nome das duas mães, e ainda a certidão de casamento ou união estável do casal.
Nos casos de IC, não é possível o incluir diretamente no cartório o nome da mãe não gestante na certidão de nascimento, a uma, porque a declaração de nascido vivo será emitida somente no nome da mãe gestante; a duas, porque a IC não é realizada em clinicas de reprodução assistida, de forma que essas mães não terão qualquer documento que comprove o seu desejo em gerar um bebê em conjunto.
Assim surgem as ações de dupla maternidade/maternidade socioafetiva, que tem cada vez mais colocado em voga a inseminação caseira. Uma vez que não resta a essas mães outra alternativa senão buscar o judiciário para terem reconhecido o seu direito de serem mães e constituir família.
Apesar de nos últimos 10 anos a justiça ter avançado a passos largos no que diz respeito aos direitos da população LGBTI+, ainda encontramos diversos entraves, pois, infelizmente, o legislativo não acompanhou essa evolução. Atualmente contamos apenas com a jurisprudência e os provimentos e resoluções do CNJ para garantirmos os direitos da população LGBTI+.
Nas ações de reconhecimento de dupla maternidade/maternidade socioafetiva um requisito muito importante que deve ser observado é o ato de planejamento para a geração de um bebê. O vinculo de parentesco deve ser atribuído àqueles que tiveram a iniciativa da sua realização, pouco importando se a inseminação foi realizada numa clínica ou de forma caseira. Nesses casos, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade juridicamente qualificada.
Os elementos afetivo e social devem prevalecer num projeto parental pretérito, pautado na maternidade responsável, contando com o envolvimento emocional do casal que recorreu a técnica de reprodução, seja numa clinica ou a caseira. Esse casal de fato desejou o nascimento desse bebê, um bebê gerado por reprodução assistida nunca é um “acaso” ou “acidente”.
Importante ressaltar que esses casais de mulheres somente recorrem a inseminação caseira na ânsia de realizarem o sonho de constituir uma família e em razão dos altos valores cobrados pelas clinicas de reprodução assistida, que variam entre 20 e 40 mil reais por tentativa, bem como pelas longas filas de espera no SUS.
Diante disso, os juízes tem decidido em favor das mães não gestantes, dando-lhes o direito de acrescentar o seu nome na certidão de nascimento dos seu filho, bem como o seu sobrenome ao nome do bebê.
Em decisão recente da 3ª Vara de Família de Brasília concedeu a mãe não gestante a maternidade socioafetiva com a inclusão do seu nome no assento de nascimento do bebê. Importante ressaltar que a decisão foi antecipada, em primeira instancia e com parecer favorável do MP. Vejamos:
“O caso em apreço demonstra que as autoras, casal homoafetivo, decidiram ampliar o núcleo familiar por meio de técnica de reprodução assistida, conforme prontuário do Hospital Materno Infantil de Brasília – HMIB (ID 66547371 - Pág. 3). Contudo, a gestação foi interrompida após 12 semanas.
Assim, após a frustração do casal, optaram pela fertilização caseira. Tal decisão ocorreu, nos termos da inicial, pois não possuíam condições financeiras de custear nova inseminação artificial.
Dessa forma, a mãe biológica, F.C.G.B., utilizou-se de material genético de um doador anônimo introduzindo no canal vaginal, por meio de seringa, para gerar o requerido. Depreende-se do relatório técnico n° 385-20, ID 78164680 e das demais provas anexas aos autos, que a maternidade socioafetiva desempenhada pela autora M.C.C.B é incontroversa.
Do outro lado, verifica-se a atuação conjunta da mãe biológica na criação e desenvolvimento do requerido, que possui quase um ano de vida.
A relação entre a requerente, Sra. M.C.C.B, e o requerido vem sendo desenvolvida sob afeição, apreço e afinidade, com o propósito de estabelecimento de relação de filiação.
Nesse sentido foi o parecer do Ministério Público (ID 79977881 ):
Assim, verifica-se que há de se resguardar prioritariamente os direitos de personalidade das partes e ser declarado o vínculo filial incontroverso, de acordo com a realidade fática trazida nos autos.
No caso, existem os requisitos necessários para reconhecer a maternidade afetiva.
Ante o exposto, à luz do melhor interesse da criança, bem como amparado na sugestão do parecer técnico, JULGO PROCEDENTE, nos termos do artigo 487, incisos I e III, “b”, do Código de Processo Civil, os pedidos para declarar que M.C.C.B é a mãe socioafetiva de L.C.B., que continuará a usar o mesmo nome e sobrenome, tendo como avós maternos socioafetivos: J.R.B e M.C.B.” Processo nº: 0724641-93.2020.8.07.0016
Sendo assim, o que se verifica é que, mais uma vez, o judiciário se antecipa ao legislativo, reconhecendo as novas formas de formação de famílias homoafetivas e garantindo a elas os direitos que até hoje a legislação brasileira não garantiu, pois infelizmente o Brasil não conta com nenhuma lei que garanta os direitos da população LGBTI+.