Desde a divulgação, pelo MPT, da nota técnica 17/201 (NT 17), uma série de questionamentos vem surgindo, por parte do empresariado, no tocante à necessidade do controle da jornada de trabalho dos empregados que deixaram de trabalhar de forma presencial.
Isso pois a nota técnica cita, em diversos pontos, questões típicas do controle de jornada, tais como a garantia do gozo de intervalos e a especificação de horários para atendimento das demandas virtuais, o que iria de encontro às alterações legislativas trazidas pela lei 13.467/17 (reforma trabalhista), que incluiu o inciso III ao artigo 62 da CLT, excluindo do regime de controle de jornada os empregados em regime de teletrabalho.
De fato, mostram-se justificáveis as indagações por parte dos empregadores, considerando o aumento exponencial do trabalho não presencial - decorrente das restrições causadas pela pandemia da COVID-19, que, ao que tudo indica, ainda se estenderão por tempo indeterminado – e do impacto financeiro que a ausência do controle de jornada pode ensejar, tanto pelo não pagamento de horas extras, quanto por eventual fiscalização do MPT com aplicação de multa ou de ajuizamento de reclamatória trabalhista impugnando o enquadramento desta modalidade de trabalho no inciso III do artigo 622.
Diante de tais questões, o primeiro fato a ser considerado é que, embora a Nota Técnica sirva de base para eventual fiscalização do MPT, esta não tem natureza de Lei, de forma que as empresas não são obrigadas a seguir eventuais disposições que contrariem a legislação trabalhista em vigor, nos termos do inciso II do artigo 5º da CF.
Ademais, ainda que o preambulo da NT 17 informe tratar acerca de diretrizes sobre “trabalho remoto e home office”, uma simples leitura do conteúdo da norma demonstra que houve equiparação destas modalidades com o teletrabalho.
Ocorre que, embora sejam comumente tratados como sinônimos, home office e teletrabalho não o são, sendo o primeiro a espécie mais comum de um gênero mais amplo.
A esse respeito, da leitura do artigo 75-B3 da CLT extrai-se que o teletrabalho é considerado aquele realizado de forma preponderante fora do ambiente empresarial, com o uso de tecnologias de informação que não constituam trabalho externo.
Nota-se que, embora o legislador tenha possibilitado que o teletrabalhador compareça de forma pontual no ambiente empresarial, o parágrafo único do mesmo artigo é claro no sentido de que este comparecimento, além de esporádico, deve ser para a realização de atividades específicas que necessariamente exijam a presença do empregado.
Assim, eventual comparecimento para a realização de atividades rotineiras, que poderiam ser exercidas normalmente fora do estabelecimento do empregador, poderá ser utilizado como argumento para a descaracterização do regime legal de teletrabalho, o que demandaria o registro e controle da jornada de trabalho.
Por sua vez, o home office, também conhecido como “trabalho remoto”, sem previsão na CLT ou em qualquer outra legislação esparsa, é aquela modalidade em que o empregado realiza os serviços de forma pontual fora do ambiente empresarial, valendo-se da própria estrutura de sua residência para a prestação dos serviços.
Em virtude das necessidades impostas pela pandemia da COVID-19, foi implementado, via de regra, de forma abrupta e precária, o “home office”, pois atividades que eram realizadas presencialmente deixaram de ser. E tudo ocorreu sem que houvesse negociação com o empregado acerca da alteração da forma de trabalho, conforme previa a MP 927, cuja vigência teve fim em julho de 2020.
O problema é que, com o alongamento do período de pandemia, o que inicialmente era apenas home office passou a ganhar contornos de teletrabalho efetivo, na medida em que o trabalho não presencial passou a se encaixar no conceito do artigo 75-B da CLT.
Não à toa passou-se a recomendar que, passada a emergência inicial que converteu os postos de trabalho presencial em não presencial, os empregadores começassem a regulamentar esta alteração na forma da prestação do serviço com a assinatura de aditivos aos contratos de trabalho, nos termos do § 1º do artigo 75-C4 da CLT.
Todavia, o mero fato de ter havido assinatura de aditivo não necessariamente caracteriza o home office inicial como teletrabalho, autorizando a exclusão do controle de jornada de trabalho.
O que há de ser avaliado é se, efetivamente, existem meios para, mesmo à distância, o empregador poder efetuar o controle da hora de trabalho de seus empregados que deixaram de trabalhar de forma presencial.
E aqui surgem questões a respeito do que seriam meios efetivos de controle, uma vez que, por exemplo, a mera exigência de que sejam feitos log in e log off em algum sistema disponibilizado pelo empregador não é garantia de que durante o tempo transcorrido entre os registros tenha havido efetivo trabalho, da mesma forma como não há como garantir que, após o log off, não tenha havido mais trabalho.
Portanto, se, no caso concreto, o empregado que estiver realizando trabalho não presencial se caracterizar como teletrabalhador, ou seja, se cumprir todos os requisitos legais - sobretudo em relação à frequência e motivo de comparecimento na sede da empresa - isso permitiria o enquadramento na exceção do inciso III do artigo 62 da CLT, sem sujeição ao controle de jornada.
__________
1- Nota técnica 17/2020 do GT Nacional Covid-19 e do GT Nanotecnologia/2020
2- Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: III - os empregados em regime de teletrabalho.
3- Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
4- Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
§ 1o Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.