O instituto da denúncia espontânea, previsto no artigo 138 do Código Tributário Nacional – CTN, não é novidade em nosso ordenamento jurídico e remonta à antiga Consolidação das Leis do Imposto de Consumo, decreto 26.149 de 1949, em molde bastante semelhante à atual previsão.
Devidamente aperfeiçoado e incluído no CTN desde a origem, constituiu louvável medida legislativa, que incentiva os contribuintes a autorregularização, com a exclusão da multa, desde que o recolhimento a destempo seja realizado com o acréscimo dos juros e antes de iniciado qualquer ato fiscalizatório.
O instituto é importante não só para os contribuintes, que encontram incentivo para autoregularização, mas também para o próprio fisco, que recupera valores em aberto, sem a necessidade de instauração de procedimentos de cobrança ou fiscalização.
Todavia, importante debate se instaura com relação à possibilidade de fruição do benefício quando a regularização do débito (a destempo) ocorre por meio da compensação tributária.
A Receita Federal do Brasil e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional têm se posicionado pela impossibilidade de aplicação da denúncia espontânea nos casos em que a quitação acontece mediante compensação tributária. Segundo as autoridades, a expressão “pagamento” empregada pelo artigo 138 do CTN, compreenderia apenas o recolhimento em espécie, vedando a quitação mediante compensação, pois, diferentemente do pagamento, na compensação a extinção do crédito tributário não ocorre de forma automática, já que está sujeita à análise das autoridades fiscais.
Por outro lado, os contribuintes defendem a aplicação dessa autorregularização também aos casos de quitação por meio da compensação, valendo-se da interpretação sistemática do direito tributário, que permite a quitação de tributos não só por meio do pagamento em espécie, mas também por meio da compensação, quando a legislação assim permitir.
Vale lembrar que o artigo 156, II, do CTN, prevê tanto o pagamento quanto a compensação como modalidades de extinção do crédito tributário: afinal, a compensação é o pagamento com crédito.
Nas esferas administrativa e judiciária, a discussão caminhou por longo período, produzindo decisões favoráveis tanto para os contribuintes como para o fisco, todavia, em 2018, a Primeira Sessão do Superior Tribunal de Justiça – STJ proferiu decisão favorável às autoridades fiscais (AgInt nos EDcl nos EREsp 1657437).
Embora a decisão do STJ não tenha ocorrido na sistemática dos recursos repetitivos, os juizados têm replicado o entendimento do STJ. No âmbito administrativo, da mesma forma, a tese do fisco encontrava respaldo na Solução de consulta COSIT 233, de 16 de agosto de 2019.
Recentemente, uma nova luz se acendeu para os contribuintes. No início deste ano, a 3ª turma da Câmara Superior do CARF proferiu acórdão julgando procedente o recurso especial do contribuinte e reconheceu que a compensação de valores em aberto pode ser caracterizada como denúncia espontânea, equiparando a compensação ao pagamento em espécie, afastando, dessa forma, a incidência de multa.
A decisão certamente traz um novo paradigma e privilegia a vontade do legislador em estimular a autoregularização.
A sistemática tributária atual permite a utilização de diversos créditos por parte dos contribuintes para quitação de tributos, especialmente no âmbito federal, portanto, não faz sentido algum permitir a compensação (legalmente prevista) como forma de extinção do crédito tributário e, por outro lado, não estimular a autoregularização com esta forma de quitação.
A decisão proferida pelo Tribunal administrativo (CARF) conserta um equívoco do passado, agora, resta aguardar que o judiciário também revisite sua jurisprudência e volte a respeitar integralmente a intenção do legislador quando da criação do instituto da denúncia espontânea, estimulando, assim, a autoregularização dos contribuintes, por qualquer forma de extinção do crédito tributário prevista no artigo 156 do CTN.