A pandemia da Covid-19 forçou a transferência de muitas atividades laborais para a residência dos empregados, ante a impossibilidade de interrupção da produção e dos serviços.
Naquele cenário inicial de urgências e de incertezas, é possível que os conceitos de trabalho à distância tenham sido aplicados indistintamente, confundindo operadores do direito, profissionais de gente e gestão, empregadores, dentre outros.
Afirma-se, inicialmente, que trabalho à distância é gênero do qual trabalho em domicílio, teletrabalho e home-office são espécies. Embora todos se assemelhem, por permitirem a prestação da atividade laboral fora das dependências da organização empresarial, longe do vistas do empregador, cada um possui peculiaridades que requerem atenção.
O trabalho em domicílio envolve atividades que demandam esforço físico ou que sejam repetitivas, as quais podem ser desempenhadas na casa do colaborador, por meio da utilização de ferramentas essenciais à cada profissão.
Ele se insere no universo da produção industrial ou comercial clássica. Um exemplo que ajuda na compreensão dessa variante é o trabalho das costureiras que, embora contratadas por empresas, produzem as peças em casa.
O teletrabalho, por sua vez, envolve atividades intelectuais e faz uso de meios telemáticos, isto é, computadores, redes de comunicação e afins. Aqui existe transmissão e compartilhamento de dados em tempo real e utilização constante de tecnologia.
Trata-se de modalidade de trabalho à distância, normatizada pelos artigos 75-A e 75-E da Consolidação das Leis do Trabalho, a ser ajustada por meio de contrato individual ou termo aditivo a contrato de trabalho preexistente.
O teletrabalho caracteriza-se por ser não eventual, pelo mútuo acordo entre as partes, admitindo a execução na residência do empregado ou qualquer outro lugar viável, desde que SEMPRE fora das dependências da empresa.
Finalmente, a forma de trabalho à distância que se popularizou com a pandemia da Covid-19, o home-office, que se coloca como uma flexibilização do trabalho presencial, sendo, pois, eventual.
As partes interessadas podem dispor dessa espécie de trabalho à distância sem grandes dificuldades, uma vez poder ser regulado por normas internas da empresa.
Insta frisar que essa hipótese nem sempre impõe uso de tecnologia, de modo que pode ou não ser o mesmo que teletrabalho. Assim, se o labor em home-office implica no exercício, fora das dependências da empresa, de atividades intelectuais e faz uso, necessariamente, de meios telemáticos, será considerado teletrabalho.
É possível, desse modo, que um empregado contratado para trabalho interno seja posteriormente colocado em home-office, em razão de alguma mudança operacional ou de um fato imprevisível. Essa hipótese foi amplamente efetivada em razão da chegada do novo corona vírus.
Ainda pode acontecer de empregados de determinado setor ou um grupo de empregados exercerem suas funções em um sistema híbrido, isto é, alguns dias na sede da organização e outros, longe das vistas do empregador, não desnaturando o home-office.
Importante destacar que os empregados em home-office gozam dos mesmos direitos trabalhistas que os presenciais, privilegiando-se o princípio da isonomia vigente no ordenamento jurídico brasileiro.
Estabelecidas as diferenças conceituais, apresenta-se tópico muito discutido pelos estudiosos do assunto, mormente nestes tempos pandêmicos: a possibilidade da configuração das horas extras no trabalho à distância.
Toda a celeuma se instaura na constatação da possibilidade ou não, na viabilidade ou não da mensuração das horas trabalhadas, dos módulos diário, semanal e mensal da jornada de trabalho.
Trata-se de um ponto bem delicado, passível de futuras demandas trabalhistas visando ao pagamento do trabalho em sobrejornada, as quais podem ser evitadas se a matéria for conduzida com razoabilidade.
Em se tratando do trabalho em domicílio, o empregador poderá aferir o labor por unidade de produção. Assim sendo, estabelece-se um sistema prático, numérico, de monitoramento da produtividade para efeitos de controle de jornada e de horas extras.
No que concerne ao teletrabalho e ao trabalho em home-office, a questão se aprofunda um pouco mais.
Inicialmente, faz-se mister verificar a existência de modos de controle da jornada de trabalho dos empregados. É bem possível que se consiga fazer a medição das horas trabalhadas por meios eletrônicos, supervisionando, então, o compasso de cada empregado.
Para as atividades que envolvam o trabalho intelectual, o mercado já disponibiliza diversos aplicativos e programas específicos que permitem a aferição das horas efetivamente trabalhadas.
Afirma-se, pois, com muito respeito a teses contrárias, que o teletrabalho e o home-office somente retiram o direito à remuneração do trabalho extraordinário, quando for incompatível com quaisquer meios de monitoramento de jornada.
A adoção dessa medida é algo extremamente simples, capaz de conferir maior segurança jurídica às relações entre empregado e empregador, as quais podem carregar algum grau de animosidade desde a origem.
Há outras questões polêmicas e discutidas no cenário do direito do trabalho de emergência, assim designada a legislação advinda como suporte à manutenção das atividades empresariais, bem como às relações de trabalho.
Imprescindível, nesse cenário, analisar os custos dos equipamentos e a manutenção dos insumos indispensáveis à realização do trabalho à distância, pondo um “grão de sal” nesta discussão.
Ainda nos bancos da faculdade, entende-se que os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo empregador, sendo dele também o ônus de prover as ferramentas necessárias ao desempenho da profissão, nos contratos de trabalho subordinado.
Aplicando essa premissa básica às situações de trabalho fora das dependências da organização empresarial, conclui-se, com tranquilidade, que a empresa empregadora se responsabiliza pelo fornecimento de computadores, impressoras, cabos, outros aparelhos eletrônicos e demais itens, para que o empregado trabalhe remotamente.
Essa parte parece gozar de entendimento pacífico entre os estudiosos da área.
A cizânia, entretanto, ganha espaço, quando se verifica o ambiente em que o empregado desempenha seu labor. Acaso trabalhe em sua residência, é muito provável que haja um aumento no consumo doméstico dos serviços de internet, de energia, dentre outros.
Há entendimento doutrinário no sentido de que a empresa precisa arcar com o acréscimo pecuniário, em decorrência das atividades trazidas para a casa do empregado.
Assim, analisa-se a média de gasto mensal das despesas fixas dessa residência, antes do início do teletrabalho. Desse modo, é possível se fazer uma estimativa do acréscimo decorrente da execução do trabalho em casa, estabelecendo-se uma espécie de ajuda de custo.
Frise-se a necessidade de se reduzir o ajuste a termo, lançando-se por escrito os parâmetros dessa ajuda de custo tipicamente indenizatória.
Por outro lado, encontra-se a linha de entendimento que não vislumbra a possibilidade de qualquer acréscimo salarial pelo trabalho na residência do empregado que não viva sozinho.
Essa corrente afirma que não se poder aferir, com precisão, o aumento das contas domésticas em razão das atividades de seu empregado, porquanto toda a família faz uso do pacote de internet, da energia elétrica etc. Portanto, não seria justo o empregador arcar com aumento dos gastos da entidade familiar que não integra seu quadro de funcionários.
Esse tema parece ser mais um daqueles “baterão” às portas da Justiça Especializada em um futuro não muito distante.
Também no contexto abordado por este trabalho, é preciso colocar os holofotes sobre as discussões que circundam a concessão de benefícios aos empregados que trabalham à distância.
A regra geral posta pela legislação de emergência determinou a mantença de todos os benefícios pagos pelo empregador aos empregados, durante as suspensões dos contratos de trabalho.
Para esses casos, propôs-se que se interpretasse tal regra à luz do §2º do art. 458 da CLT, de modo que se assegurassem aos empregadores com contratos suspensos a manutenção dos planos de saúde, bem como odontológico, utilidades como computadores, celulares e carros, seguro de vida e os demais constantes no aludido dispositivo legal.
Ocorre que a lei advinda com a pandemia não abordou as hipóteses em que os empregados precisaram ser transferidos para o trabalho em suas residências. Entendimentos divergentes têm sido registrados pela literatura jurídica até o presente momento.
A princípio, é preciso verificar se o benefício em discussão é incondicionado, isto é, fornecido mensalmente, independentemente de qualquer pré-requisito, ou se é condicionado, ou seja, que depende de um pressuposto para a concessão, ainda que corriqueiros e incorporados aos contratos de trabalho.
Observe-se o vale-transporte, benefício para cujo fornecimento faz-se necessário o deslocamento do empregado, além de outros pressupostos legais. Obviamente, os empregados transferidos para o trabalho em casa deixaram de se deslocar até as empresas, deixando de cumprir a condição, de modo que não fazem mais jus à percepção do vale-transporte.
No que concerne à alimentação, a abordagem se torna um tanto mais complexa.
Analisa-se, em um primeiro momento o caso das empregadoras que aderiram ao Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, um programa que subsidia as refeições dos trabalhadores fora de suas residências.
Trata-se do oferecimento de refeições in natura ou o de vale-refeição, aquele geralmente recebido por restaurantes e lanchonetes.
Esse benefício estaria condicionado, portanto, ao efetivo deslocamento dos trabalhadores, à necessidade de se alimentarem fora de casa, inexistente no contexto do trabalho em domicílio, do teletrabalho e do home-office, razão pela qual deveria ser suspenso, conforme defende uma primeira linha doutrinária.
Uma segunda corrente afirma que se trata de benefício de natureza continuada, principalmente se constar de acordo coletivo de trabalho ou oferecido por mera liberalidade da empresa. Assim sendo, ainda que os empregados laborem em suas residências, de acordo com essa linha de entendimento, devem permanecer recebendo o vale-refeição.
Insta destacar também o vale-alimentação, aquele com sentido de cesta básica, usado para pagamento das compras de supermercado.
Há uma certa tranquilidade na interpretação no sentido de manter-se esse benefício aos empregados que trabalham em casa, uma vez não depender de qualquer evento condicionado.
Trata-se, na verdade, de um atrativo ao contrato de trabalho, de uma forma de complementação da remuneração do empregado, justificando-se a continuidade do pagamento por parte do empregador, a qual independe do local da prestação dos serviços, isto é, em sua residência ou nas dependências da empresa.
O contexto da pandemia do corona vírus trouxe consigo a premente necessidade de adaptação veloz. O fato é que nenhuma empresa é concebida nem se encontrava minimamente estruturada, para enfrentar os abalos decorrentes de uma pandemia.
As rotinas empresariais foram severamente atingidas, e os empregados também precisaram se ajustar. Toda a adequação se deu muito rapidamente, muitas vezes de forma intuitiva, sem orientação jurídica.
No cenário pandêmico, tornou-se imprescindível garantir a produtividade, visando à continuidade da atividade empresarial e a manutenção de emprego e renda.
Apesar dessa necessidade, não se pode conceber que empresas assumam ônus excessivos com os quais não possam arcar, principalmente, considerando-se aqueles negócios ferozmente atingidos pela pandemia da Covid-19. De outra feita, não se vislumbra a possibilidade de se transferir para o empregado o “risco do negócio”, ao levar para sua residência toda a estrutura imprescindível ao labor à distância.
Assim, nada mais justo que usar o leque de opções amparadas na legislação de emergência, mas também no bom senso, mormente quando se faz necessária a diminuição ou o aumento de benefícios.
Essencial agora é que sobrevivam todos: empresas e postos de trabalho, empregadores e empregados. É momento de concessões recíprocas, de modo que se salvem todos, vivos e saudáveis.