Questionamento em voga, com o caso da Ford no Brasil, diz respeito ao risco de condenação e à necessidade de reintegração de empregados alvo de dispensa em massa, se não for acordada com o sindicato representante da categoria. Este breve artigo visa refletir acerca, de acordo com o entendimento jurisprudencial.
Em abril de 2018, o Pleno do TST concluiu pela inadequação do dissídio coletivo para tratar das dispensas em massa (precedente vinculante). O tribunal admitiu, nessa decisão, proferida no processo 10782-38.2015.5.03.000, que, antes da Reforma Trabalhista (lei 13.467/17), “não havia qualquer regra jurídica específica sobre a necessidade de negociação coletiva prévia à dispensa coletiva. Assim, na avaliação da relatora, o tema era controvertido, especialmente, em razão da ausência de norma específica vigente anteriormente à reforma.
Após a Reforma Trabalhista, o tema resta disciplinado no art. 477-A, abaixo transcrito:
Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação. (Incluído pela lei 13.467/17)
Em que pese haver entendimentos jurisprudenciais, acerca da dispensa em massa, que indiquem a necessidade de negociação coletiva, deve ser ponderado que essa construção jurisprudencial se formou primordialmente quando o tema não tinha disciplina legal específica, isto é, antes da entrada em vigor da lei 13.467/17.
Com a entrada em vigor da reforma trabalhista e a inserção do art. 477-A da CLT, deixou de haver lacuna legislativa sobre a matéria. Nesse contexto, ante a expressa disposição legal de que a dispensa coletiva prescinde de autorização ou negociação coletiva, não cabe exigir do empregador que assim proceda, pelo princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF).
Assim sendo, atualmente, pode-se chegar ao entendimento de que a ausência de negociação coletiva não afasta a validade da dispensa em massa. Contudo, mesmo com a atual disciplina legal expressa na CLT e com a existência do citado precedente vinculante no TST, é comum vermos decisões que ainda entendem pela necessidade de negociação coletiva prévia, mesmo após a vigência da lei 13.467/17. O entendimento nesse viés de pensamento considera uma visão macro, à luz das Convenções e Tratados da OIT, a exemplo dos de nº 11, 87, 98, 135, 141, 151 e 154.
Quem assim considera, pauta-se no ideário de que a dispensa em massa de empregados não se trata de mero exercício de direito potestativo assegurado ao empregador, sendo uma temática bastante relevante dentro do Direito Coletivo do Trabalho, razão pela qual deverá estar submetida a seus princípios e institutos, inclusive no que concerne à necessidade de intervenção sindical nas soluções das questões coletivas trabalhistas.
Tal disciplina decorre das disposições constitucionais (art. 8º, III, CF/88) e infralegais que regulam a matéria. Nessa linha de intelecção, convém mencionar algumas ementas de decisões regionais posteriores à Reforma Trabalhista, que ainda consideram a necessidade da negociação coletiva:
TRT 10
DISPENSA EM MASSA. NECESSIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA PRÉVIA. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. A dispensa em massa ocorre em um mesmo momento, com base em uma única causa ou decisão, e não possui vinculação com as condições pessoais dos trabalhadores dispensados coletivamente. Porém, a jurisprudência tem visto com cautela a dispensa em massa, considerando-se os efeitos danosos causados aos trabalhadores e à própria comunidade. Neste sentido o TST tem firmado entendimento acerca da necessidade de negociação prévia com o sindicato dos empregados, sob pena de reversão dos desligamentos. Tal entendimento tem sido pautado na integração dos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF/88) e da valorização do trabalho (art. 1º, inciso IV, e 170 da CR/88), que são fundamentos da República Federativa do Brasil, bem como das Convenção da OIT ratificadas pelo Brasil (Convenções OIT nºs 11, 87, 98, 135, 141 e 151), que não autorizam a demissão em massa de forma unilateral e potestativa. RO 0001236-15.2017.5.10.0801 DF. Partes SECETO - SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMÉRCIO DO ESTADO DE TOCANTINS. Publicação 08/08/2018.
TRT 3
DISPENSA EM MASSA. AUSÊNCIA PRÉVIA DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. NULIDADE DA DISPENSA. Nos termos da jurisprudência da Corte Superior, é obrigatória a intervenção do ente sindical da categoria profissional na negociação da dispensa coletiva ("em massa"). No caso dos autos, sendo incontroversa a dispensa em massa perpetrada pela ré, sem prévia negociação coletiva, a declaração de nulidade da dispensa é medida que se impõe. TRT-3 - RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA RO 00111841920165030022 MG 0011184-19.2016.5.03.0022 (TRT-3). Data de publicação: 22/02/2018.
TRT 1
DISPENSA EM MASSA. IMPRESCINDIBILIDADE DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. CONFIGURAÇÃO DO DANO À INTEGRIDADE MORAL DE CADA TRABALHADOR. A questão social das dispensas em massa se agrava quando a empresa, olvidando-se de sua função social, utiliza-se do subterfúgio de não avisar, de não negociar, de não encontrar alternativas por meio da negociação coletiva junto ao sindicato representante da categoria para evitar as rupturas de tantos vínculos ou minorar os custos sociais destas, o que, em verdade, não é uma opção da empresa, mas uma obrigação no contexto de um Estado Democrático de Direito comprometido com os ditames constitucionais e com os compromissos internacionais dos quais é signatário o Estado Brasileiro, a exemplo das Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151. A dispensa em massa dos empregados implicou dano à integridade moral de cada trabalhador envolvido que se viu privado de regras objetivas e negociadas para a dispensa, caracterizando-se ato ilícito do empregador que deixa de observar premissa já fixada, para casos futuros, pelo TST no sentido de que "a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores". TRT-1 - RECURSO ORDINÁRIO RO 01018305720165010046 RJ (TRT-1). Data de publicação: 15/05/2019
TRT 4DISPENSA EM MASSA. AUSÊNCIA DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. REINTEGRAÇÃO DEVIDA. Demonstrada a dispensa de cerca de 150 trabalhadores em um único mês (maio de 2107), sem negociação coletiva, reputam-se nulas as dispensas ocorridas naquele mês (dispensa em massa). Decisão de Origem que reintegra apenas parte dos trabalhadores despedidos e, que, portanto, viola direito líquido e certo dos substituídos. Conduta da litisconsorte que agride o fundamento da República estampado no art. 1º, IV, da Constituição, quanto aos valores sociais do trabalho, como também a ordem econômica, quanto à função social da propriedade e a busca do pleno emprego (art. 170, III e VIII, da CF), cujo primado básico é a valorização do trabalho humano. Segurança concedida para determinar a reintegração dos trabalha. TRT-4 - Mandado De Segurança Cível MSCIV 00212428620175040000 (TRT-4). Data de publicação: 27/04/18
É importante registrar que as questões relativas à autorização prévia e à falta de negociação com o Sindicato, para demissão em massa, são distintas. Isto porque o art. 477-A da CLT, ao não condicionar a eficácia das demissões individuais ou plúrimas à autorização do ente sindical ou celebração de acordo ou convenção coletiva, não impede, afasta ou proíbe as tratativas entre empresa e sindicatos. Apenas não exige, para a efetivação das demissões, plena concordância do sindicato.
A propósito, esse requisito não se encontra na Constituição ou nas referidas convenções da OIT, as quais acertadamente fomentam a negociação coletiva, porém não impõem a concordância do sindicato da categoria profissional para a perfectibilização das dispensas.
Logo, restaria plenamente válida a norma do art. 477-A da CLT, uma vez que a exigência de "autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho" para efetivação da demissão do trabalhador não é requisito previsto na Constituição ou nas convenções citadas.
Nesse talante, há decisões regionais ratificando o art. 477-A da CLT e entendendo pela desnecessidade da negociação coletiva. A teor, veja-se, abaixo, ementa elucidativa de julgado do TRT 17:
TRT17
DISPENSA COLETIVA/EM MASSA. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DAS DISPENSAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. PODER PROTESTATIVO DO EMPREGADOR. A demissão em massa guarda interpretação subjetiva para a sua caracterização, sendo necessário analisar questões específicas do caso concreto que, in casu, guardam consonância com o direito potestativo do empregador, não se configurando a dispensa praticada pela ré em coletiva ou em massa, mas sim mero ajuste no quadro de docentes, de dispensa e contratação de novos professores, para suprir as demandas de seus alunos e as necessidades acadêmicas da Instituição, tudo dentro dos critérios de sua reorganização institucional. (TRT 17ª R., ROT 0001839-50.2017.5.17.0007, Divisão da 1ª Turma, DEJT 19/11/19).
Contudo, se mesmo não obrigada, a empresa optar por efetuar a negociação coletiva, não poderá desobedecê-la, vinculando-se a ela por ação volitiva. Observe-se a seguinte ementa, também do regional capixaba, nessa linha de raciocínio:
REINTEGRAÇÃO. NORMA COLETIVA. DISPENSA POR NECESSIDADE DE REDUÇÃO DE FORÇA DE TRABALHO. PREVISÃO DE REGRAS A SEREM OBSERVADAS. Ante a comprovação de não observância das regras previstas em norma coletiva para a hipótese de dispensa de trabalhadores em razão da necessidade de redução da força de trabalho, o ato de dispensa é nulo, assegurando-se ao trabalhador sua reintegração ao emprego.
(TRT-17 - RO: 00000578920185170001, Relator: DANIELE CORRÊA SANTA CATARINA, Data de Julgamento: 24/06/2019, Data de Publicação: 04/07/2019)
Ao revés, contudo, como já supra mencionado, as convenções internacionais, mormente a de nº 98 da OIT, parece chocar com o teor da nova redação do art. 477-A da CLT, de modo que, no controle de convencionalidade, é possível encontrar decisões que sigam no sentido de inconstitucionalidade do aludido artigo.
Para melhor compreensão, digno de nota é o entendimento do ilustre Desembargador Edilton Meireles, proferido em recentíssima decisão, em Mandado de Segurança Cível impetrado pela Ford1, que segue, abaixo, transcrito:
“Logo, esses dispositivos internacionais traçam caminhos para interpretação do art. 477-A da CLT. E aqui caberia dar uma interpretação literal ao art. 477-A, pois mais compatível com a Convenção nº 98 da OIT.
Vejam que esse dispositivo consolidado estabelece que as dispensas coletivas não necessitam da “autorização prévia de entidade sindical” (por óbvio!) ou “de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”. Observem que a lei apenas dispensa a “celebração” de convenção ou acordo coletivo. Ela, porém, não dispensa a negociação coletiva. E uma coisa é a negociação coletiva, outra é a celebração da convenção coletiva ou do acordo coletivo. E nem de toda negociação
resulta na celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo. Logo, não viola o art. 477-A da CLT a decisão que impõe a negociação coletiva antes da dispensa coletiva se efetivar.”
Ante todo o exposto, o que se vê é que não há uniformidade de entendimentos quanto à necessidade ou desnecessidade da realização de negociação coletiva, prévia à efetivação das dispensas em massa. Contudo, sem tergiversar, pode-se concluir que o privilégio à negociação coletiva, ainda que não vinculante e que dela não se obtenha um consenso, possui plena compatibilidade com o ordenamento jurídico pátrio e internacional acerca da matéria. E é esse o direcionamento que nos ensinará a retirar as pedras tortuosas do caminho em busca de uma solução para a complexa realidade das dispensas em massa.
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1- Mandado de Segurança Cível nº 000199-27.2021.5.05.0000