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Justa causa por descumprimento das medidas preventivas à Covid-19 no ambiente de trabalho

Máscaras, álcool em gel, medidas de distanciamento e vacinação são itens que geram direitos e obrigações recíprocos no ambiente de trabalho, portanto, podem gerar a rescisão do contrato de trabalho por descumprimento tanto pelo empregado quanto pelo empregador.

16/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

A discussão sobre a possibilidade de o empregador punir o trabalhador que não respeita as medidas de prevenção à Covid-19 existe desde o início da pandemia, principalmente tratando da questão de utilização das máscaras no ambiente de trabalho. Com o início da vacinação e a manifestação pública de alguns indivíduos no sentido de que não vão se vacinar, as empresas passaram a questionar a possibilidade ou não de impor aos empregados a vacinação como item obrigatório para a continuidade do contrato de trabalho, bem como a possibilidade da dispensa por justa causa caso haja recusa pelo trabalhador.

Recentemente, o MPT se manifestou indicando que entende que pode ser aplicada a dispensa por justa causa do empregado que se recusar a tomar a vacina e esse entendimento tem sido fortalecido pelo recente julgamento do STF, no sentido de que o Estado pode impor sanções a quem não se vacinar, como multa, impedimento de frequentar determinados lugares, impedimento de viagens ou de fazer matrícula em escolas.

O principal desafio é que tanto as empresas quanto os empregados entendam que o cenário de pandemia e a continuidade das atividades empresariais e do trabalho geram direitos e obrigações recíprocos, logo, a cobrança é uma via de mão dupla e as possíveis punições também podem ser aplicadas a ambos.

O empregador tem a obrigação de zelar pelo ambiente de trabalho seguro e saudável, por isso o dever de fornecer os itens necessários, instituir as políticas e procedimentos de forma clara, educar os empregados e fiscalizar o cumprimento das medidas preventivas. Por outro lado, uma vez cumprida a sua parte ele também tem o poder de aplicar punições aos empregados que descumprirem as medidas impostas.

No entanto, é preciso que seja muito bem analisada a proporcionalidade entre o desvio que vai ser punido e a medida aplicada, pois a justa causa é a penalidade máxima aplicável, logo, o desvio que gera sua aplicação deve ser tão grave quanto a consequência gerada para o empregado. Acompanhamos casos recentes de aplicação de justa causa para empregados por não utilização de máscara no ambiente de trabalho, que foram anuladas pela Justiça do Trabalho com a interpretação de que a medida é demasiada para esse tipo de ação do empregado, principalmente quando não é algo contínuo e quando não foram aplicadas anteriormente outras medidas como advertência e suspensão.

Os empregados, por sua vez, também têm direito de exigir do empregador a garantia do ambiente de trabalho seguro e saudável, o fornecimento dos itens necessários e a manutenção das medidas preventivas eficientes para proteger sua saúde. O descumprimento pelo empregador das suas obrigações também pode gerar a rescisão do contrato por justa causa do empregado contra o empregador, denominada rescisão indireta, pela qual rompe-se o vínculo de emprego com obrigação do empregador de pagar todas as verbas rescisórias como se tivesse sido sua a iniciativa da rescisão.

Obviamente, questões individuais relevantes, como a existência de restrições ou contraindicações médicas para determinadas atividades, exposição ou vacinação sempre devem ser consideradas e respeitadas. Porém, é muito importante o entendimento de que, especialmente no que diz respeito à pandemia - questão de saúde pública que atinge toda a sociedade -, convicções imotivadas individuais ou pessoais, tanto de empregadores quanto de empregados em detrimento da coletividade de empregados ou da sociedade dificilmente serão aceitas como justificativa para não aderir às medidas de prevenção à Covid-19, como uso de máscaras, distanciamento, proibição de aglomeração e inclusive a vacinação, quando disponível.

Assim, é importante que tanto empregadores quanto empregados façam uma reflexão sobre sua postura, levando em consideração que os direitos, obrigações e possíveis penalidades são uma via de mão dupla, além do que, no fim do dia, o melhor resultado será a possibilidade de retornarmos com saúde ao equilíbrio entre trabalho, capital e renda.

Érika Mello
Advogada do escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados, liderando a prática de Governança, Riscos e Compliance Trabalhista.

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