Migalhas de Peso

A evolução da intimação eletrônica do advogado

“Intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo” – art. 269 do atual CPC.

12/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

Revisitando o início da transição do processo físico para o eletrônico, em que tive a oportunidade de atuar como advogado militante e também como presidente da Comissão de Direito Eletrônico e Informática Jurídica da OAB/Santos (2010-2013), uma das grandes preocupações minhas à época foi como se daria a intimação eletrônica do advogado para a prática dos atos processuais.

Os Juizados Especiais Federais1 e a Justiça do Trabalho foram pioneiros na adoção da prática de atos processuais por meio eletrônico, inicialmente privilegiando o ato de peticionar através de um sistema híbrido.

No âmbito dos tribunais, a lei que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal foi a primeira a autorizar a intimação eletrônica.

Até aquele momento, a regra processual, escudada no CPC/732, determinava que o advogado devesse ser intimado pelo Diário Oficial, periódico este publicado em papel e que demandava a contratação de serviços de recorte judiciário para o acompanhamento3.

Registre-se que a lei 8.245/91 foi precursora ao permitir a intimação por meio eletrônico, possibilitando que as partes do contrato de locação, desde que pessoas jurídicas ou firmas individuais, fossem intimadas por telex ou fac-símile nas ações locatícias, todavia, não contemplando o advogado, apesar de não haver qualquer impedimento para sua intimação, nos casos em que possuísse poderes especiais para tanto.

Com o advento da lei 11.419/06, que ficou conhecida como “lei do processo eletrônico”, muito embora não tenha disciplinado inteiramente o processo no meio eletrônico, as diretrizes para a revolução digital no processo judicial foram dadas.

Em atenção a essas diretrizes foi criado o Diário da Justiça Eletrônico (DJE) pelos Tribunais, para que passasse a substituir qualquer outro meio de publicação em papel. Gradativamente, os tribunais passaram a criar seus DJEs, vindo a ser definitivamente extinto o Diário da Justiça (DJ) em papel4.

Diferença fundamental entre o DJE e o DJ, além do meio, está no início da contagem dos prazos processuais. Enquanto na forma antiga, o prazo se iniciava no dia útil seguinte à publicação do teor do ato no jornal em papel5, na forma inaugurada pela lei do processo eletrônico, a informação passou a ser primeiramente disponibilizada no sítio do Tribunal na internet (DJE), considerando-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da sua disponibilização, portanto, acrescendo, em princípio, um dia útil ao sistema anterior de contagem6.

Ocorre que a publicação no órgão oficial não é a única forma existente de intimação. Os advogados podem ser intimados pessoalmente (Oficial de Justiça), por carta registrada ou até mesmo em Cartório (Serventia Judicial), pelo serventuário ou chefe de secretaria, ao compulsar os autos do processo físico e tomar conhecimento do ato.

É exatamente dentre essas outras formas de intimação adaptadas ao processo eletrônico que residia e ainda reside (em menor grau) minha preocupação. Note-se que a lei 11.419/06 introduziu um parágrafo único ao art. 237 do CPC revogado, que autorizou a realização de intimações na forma eletrônica, conforme regulado em lei própria7.

Referida lei disciplinou uma forma de intimação eletrônica por meio de acesso aos portais criados pelos Tribunais, mediante cadastramento prévio do advogado8. Em suma, dispensa-se a publicação no órgão oficial (DJE). Observe-se que a interpretação mais prudente do texto da lei, qual seja do caput do art. 5º da lei 11.419/06, é no sentido de que o advogado deve manifestar expressamente sua concordância em ser intimado eletronicamente, dispensando-se, assim, a publicação no DJE, e não, simplesmente, considerar sua aceitação tácita em decorrência do credenciamento obrigatório para a prática de atos processuais.

Essa forma de intimação funciona assim: considera-se realizada no dia em que o advogado efetiva a consulta eletrônica de seu teor no portal, podendo, para tanto, receber uma mensagem eletrônica prévia de alerta da existência da intimação, caso em que a consulta deverá ser realizada no prazo de 10 (dez) dias daquele recebimento, sob pena de considerar-se intimado automaticamente findo o prazo.

No princípio, ao menos no estado de São Paulo, isso demorou a ser levado a efeito. Inicialmente, foi implementado na Justiça do Trabalho com o PJe (TRT2). Posteriormente, na Justiça Federal (TRF3), igualmente com o PJe. O TJ/SP, que utiliza o sistema e-SAJ, não possui essa forma de intimação dos advogados por meio eletrônico, com exceção da Defensoria Pública e da Advocacia Pública.

Apesar de o TJ/SP ainda não possuir essa forma de intimação para os advogados, recordo que já era uma preocupação nos primórdios do processo eletrônico no tribunal paulista, como registra o texto de um periódico eletrônico de minha autoria publicado em 25/7/13:

Quando o advogado tem vista de um processo no balcão do Fórum, pode ser intimado de algum ato pendente de intimação, dispensando-se a publicação pelo órgão oficial. No processo eletrônico, quando se visualiza a íntegra dos autos pelo sítio do TJ/SP na internet, o acesso é automaticamente direcionado para o último ato do processo. Sabendo-se que o advogado é identificado por meio de sua certificação digital, de forma inequívoca, e que o sistema registra o seu acesso, a cautela é necessária independentemente de pronunciamento expresso do tribunal, posto que tanto a norma como a legislação especial prevê a intimação na forma eletrônica.”9

A Resolução 185 do CNJ de 18/12/13, que instituiu o PJe como sistema único de tramitação de processos judiciais, disciplinou em seu art. 19, §1º: “As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais, nos termos do § 1º do art. 9º da lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006”.

Neste ponto, considero importante consignar que sempre fui defensor da utilização do certificado digital da ICP-Brasil como meio inequívoco de identificação do advogado, nos termos da MP 2.200-2001, ou seja, como meio hábil a comprovar sua identidade quando requisitada pelos portais criados pelos tribunais. O mesmo se diga no que se refere à identidade do portal acessado.

A meu ver, a utilização tão somente de LOGIN e SENHA para fins de identificação e assinatura eletrônica do advogado, como se operava no Juizado Especial Federal de São Paulo, por exemplo, ainda que permitida para a finalidade aludida quando admitida pelas partes como válida, não se justifica mais dado o avanço da certificação digital em todo o país, neste caso (avanço) muito por conta dos esforços despendidos pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por suas seccionais e subseções, além da Associação dos Advogados de São Paulo, no que concerne ao âmbito da justiça no estado de São Paulo.

A intimação por meio eletrônico, apesar de elevada à regra geral pelo art. 270 do CPC/15, ainda está longe de seu auge, tendo em vista o avanço da tecnologia e a existência de diversas formas de comunicação eletrônica dos atos processuais, dentre as quais se encontra o popular aplicativo de mensagens instantâneas “WhatsApp”, cuja utilização, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais,  foi aprovada incidentalmente e por unanimidade pelo CNJ durante julgamento virtual de Procedimento de Controle Administrativo no ano de 2017.

Àquela altura, o TRF3 já havia instituído “o procedimento de intimação de partes via WhatsApp no âmbito dos Juizados Especiais Federais e Turmas Recursais da 3ª Região”, por meio da Resolução 10, de 06 de Dezembro de 2016, sendo sua utilização facultativa pelas partes, como também preconiza o referido acórdão do CNJ.

É importante salientar que a utilização do WhatsApp para a comunicação de atos ainda não é uma realidade no TJ/SP10, apesar de sua utilização ter sido autorizada para a intimação de vítimas, nos casos de deferimento ou indeferimento de medidas protetivas de urgência no âmbito da lei Maria da Penha (lei 11.430/06).

Recentemente, a Resolução n° 345 do CNJ autorizou os tribunais brasileiros a adotarem o “Juízo 100% Digital”, significando dizer que os tribunais que aderirem a essa possibilidade, a exemplo do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Provimento CJF3R, de 18 de Dezembro de 2020)11, passarão a ter TODOS OS ATOS PROCESSUAIS PRATICADOS EXCLUSIVAMENTE POR MEIO ELETRÔNICO E REMOTO, incluindo a intimação do advogado, que poderá ser feita por qualquer meio eletrônico, o que implica na utilização do e-mail e do celular fornecido pelo advogado para esse fim.

A utilização do “Juízo 100% Digital” é uma opção do autor da ação, portanto, não é obrigatória, podendo, inclusive, ser objeto de recusa pela parte demandada, que deverá opor-se até a contestação ou assim que for notificada, havendo, ainda, a possibilidade de retratação, pelas partes, da escolha pelo juízo integralmente digital, até a sentença.

As preocupações permanecerão num mundo em que a tecnologia avança em descompasso com o ordenamento jurídico e a realidade social, contudo, já é possível afirmar que a transição do processo físico para o eletrônico não fracassou, ainda que permaneça em curso, e que as formas de comunicação dos atos processuais por meio eletrônico, incluindo-se aí a intimação do advogado, tendem a ser ampliadas, mormente em razão da pandemia do COVID-19.

__________

1- §2 do art. 8º da Lei 10.259/2001: “Os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico”.

2- No que concerne à possibilidade de comunicação dos atos por meio eletrônico, a Lei n° 11.280/06 introduziu um parágrafo único ao art. 154 do CPC de 1973, que motivou controvérsias doutrinárias à época.

3- Com o advento do DJE, os advogados passaram a receber da OAB os recortes eletrônicos por e-mail e sem qualquer ônus.

4- No estado de São Paulo, o Diário Oficial em papel foi substituído pelo DJE em 01/10/2007.

5- § 2º do art. 184 do CPC revogado.

6- O atual Código de Processo Civil (Lei n° 13.105/2015) determina a contagem dos prazos processuais somente em dias úteis, descartando, portanto, sábado, domingo e feriados.

7- Correspondente ao art. 270 do atual CPC.

8- Em época incipiente do processo eletrônico o advogado precisava comparecer pessoalmente ao Tribunal competente para fazer seu cadastro (=validação presencial), exigência essa que restou superada a partir da adesão aos certificados digitais.

10- Vide Comunicado CG/SP n° 2265/2017.

11- Em caráter experimental a partir de 01/02/2021, na 2ª Vara Previdenciária de São Paulo, na 10ª Vara de Execuções Fiscais de São Paulo, na 3ª Vara Federal de Santo André/SP e na 2ª Vara Federal de Ponta Porã/MS (Fonte: Quadro de avisos do PJe da JF de SP).

Rodrigo Marcos Antonio Rodrigues
Advogado atuante no escritório da Lopes & Lopes - Advogados Associados.

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