Há algum tempo, vive-se uma época em que muito se clama pela colocação em prática do princípio da função social da empresa.
Por referido princípio, tem-se que a empresa é criada para cumprir um papel de produzir ou prestar serviços, gerando empregos e, em decorrência dessa atividade, gerar lucros. A ordem dos fatores não deverá ser alterada, sob pena de referido princípio ser subvertido.
Por sua função social, é certo que a empresa possui responsabilidades pela coletividade que está no entorno da instituição, tendo deveres sociais que extrapolam o regramento jurídico.
No mundo moderno, o ente coletivo empresarial deve caminhar para além dos lucros que sua atividade gera, fazendo que o seu negócio traga, ainda, um retorno para a sociedade, preocupando-se, assim, diretamente com a responsabilidade social.
Sem dúvida que, na relação de trabalho, deverá a empregadora ter como primordial diretriz a observância da dignidade da pessoa humana de seus empregados. Esse é o princípio basilar que norteia – ou que deveria nortear - a vida em sociedade.
Por tal princípio, tem-se que todo cidadão deve ter um tratamento digno, respeitoso, não podendo se ter a visão do empregado como simples meio, objeto de valor, já que não é coisa apta a ser valorada. Assim, o ser humano deve ter sua dignidade preservada inclusive no seu ambiente de trabalho.
Por isso mesmo, é dever da empresa manter um ambiente seguro e saudável, prevendo o inciso XXII do artigo 7º, da Constituição que o empregador deverá zelar pela “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
Para tanto, vislumbra-se no ordenamento jurídico pátrio uma série de dispositivos que visam a proteger os empregados no ambiente de trabalho, podendo citar, como exemplo, os que tratam dos deveres de instalação de proteções coletivas e individuais, mapeamento de riscos no intuito de afastar ou minimizar condições insalubres e perigosas no ambiente laboral.
Cumpre destacar que esse dever é uma via de mão dupla e caberá também aos empregados seguirem as orientações e cuidados do empregador, levando-se especialmente em consideração o seu colega de trabalho.
No entanto, atualmente, a sociedade clama por mais: por ações afirmativas que impeçam – ou reduzam ao máximo possível – práticas repudiáveis no ambiente de trabalho que violem a dignidade da pessoa humana, dentre outras afrontas, como a prática de preconceitos de quaisquer naturezas ou de assédios.
As consequências da permissividade dessas práticas interferem diretamente na vida dos empregados a elas submetidos, podendo comprometer a sua integridade e dignidade, além de poder gerar danos à saúde física e mental – o que pode evoluir até para uma incapacidade para o trabalho ou para o desemprego.
De plano, portanto, é certo que o empregador deve envidar todos os esforços para coibir a prática de atos hostis, como os de cunho preconceituosos no ambiente laboral e os que envolvam algum tipo de assédio – e reprimi-los, caso ocorram – estabelecendo séria política sobre o tema, adotando medidas preventivas em todo o âmbito empresarial.
Para tanto, pode a empresa, enquanto empregador, investir em ações educativas, criar canais de comunicação para que eventuais denúncias sejam efetivadas (preservando-se a privacidade), elaborar código de ética que expresse claramente a visão da empresa em relação a práticas não permitidas no ambiente laboral, de preconceito ou assédio e as respectivas consequências.
A realização de palestras e eventos que valorizem a importância do respeito à diversidade e à inclusão no ambiente de trabalho também pode ajudar na melhoria e busca por um ambiente saudável no trabalho, sendo imprescindível o papel dos gestores, que devem implantar esses valores no dia a dia de trabalho, bem como garantir o engajamento dos empregados, de uma forma geral.
Tais boas práticas, atualmente, são minimamente o que se espera deste ente coletivo que é a empresa, a fim de que cumpra sua constitucional função social.
De outro lado, a sociedade moderna requer, ainda, que os indivíduos, também no ambiente de trabalho, tenham atitudes baseadas nos princípios da empatia e da solidariedade, complementando a busca da construção de uma organização empresarial e de uma sociedade mais justa.
Pequenas boas atitudes, no dia a dia das relações de emprego, se praticadas pelos empregados, podem representar um ambiente melhor e mais justo, como, por exemplo, a de oferecer ajuda quando perceber que algo não vai bem, ser agradável, não tentar culpar os outros pelos seus erros, etc.
É importante se ter em mente que uma sociedade melhor e mais justa dependerá de uma gama de esforços – dos mais diversos entes da sociedade – convergindo para esse mesmo fim.
A inclusão social é outro mandamento que deve ser parte das diretrizes das empresas no mundo atual.
O que se pretende aqui sublinhar é que se espera hoje também dos empregadores uma conduta proativa em relação às ações afirmativas e inclusivas, independentemente de norma legal1. Trata-se de um dever social de garantir um ambiente de trabalho que agregue também a diversidade.
E as boas práticas a serem adotadas pelas empresas não devem se ater ao que dispõe o ordenamento jurídico, reitere-se.
Recentemente, uma gigante rede varejista gerou grande polêmica ao direcionar seu programa de trainees apenas a candidatos negros.
Em um primeiro momento, as opiniões ficaram divididas: houve quem reputasse que a prática constituía racismo às avessas, ante a discriminação expressa acerca da oferta de vagas direcionada apenas a pessoas com cor da pele negra.
Outra parte da opinião pública entendeu tratar-se de uma ação afirmativa, justamente para tentar diminuir a desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho existente e historicamente conhecida, ou seja, como uma medida de enfrentamento ao racismo.
O MPT de São Paulo, ao analisar as denúncias sobre o programa de trainee em debate, não apenas acabou por indeferi-las, mas concluiu que tratou de “elemento de reparação histórica da exclusão da população negra do mercado de trabalho digno”.
E nem poderia ser diferente, considerando que o próprio MPT promove eventos com o intuito de ofertar vagas de trabalho para negros, como o evento Afro Presença, evento on line ocorrido entre setembro e outubro de 2020.
Nesse evento, a expectativa era de que grandes empresas ofertassem até 400 vagas de emprego para jovens negros.
Sem dúvida, a adoção de boas práticas que intencionem proteger grupos minoritários e mais vulneráveis, além de louvável, representa a real e efetiva aplicação do princípio constitucional da igualdade, por meio do qual se tem que os desiguais devem ser tratados de forma desigual. E mais. Trata-se da aplicação direta do princípio da solidariedade social, no sentido de se buscar uma sociedade mais integrada, justa e solidária.
Outra frente de preocupação do Ministério Público do Trabalho é com a inserção de mulheres no ambiente laboral, além de buscar que elas, no mercado de trabalho, consigam igualdade de condições com relação aos homens.
Em recente estudo do IBGE, foi constatado que as trabalhadoras brasileiras recebem, em média, 20,5% menos que os homens. Além disso, sabe-se que, culturalmente, os altos cargos são ocupados por homens, em sua maioria.
No intuito de promover a inclusão das mulheres no mercado de trabalho, está em curso PLS 261/16 que prevê alteração na CLT, a fim de impor um regime de cota para mulheres, ou seja, obrigar empresas que tenham certo número de empregados a destinar um percentual mínimo para a contratação de mulheres.
O que o presente estudo objetiva trazer ao debate é que boas práticas podem – e devem – ser adotadas pelas empresas, sem que haja lei sancionada a impor tal ou qual obrigação.
Nesse contexto, cumpre destacar que hoje existem plataformas e sites desenvolvidos com a finalidade de auxiliar a mulher a colocar-se no mercado de trabalho. Neles, os empregadores podem buscar a profissional que melhor se enquadraria em vagas disponíveis nas empresas.
Além de fomentar a contratação de mulheres, é importante que o empregador fique atento e pronto a coibir eventuais problemas de discriminação salarial ou, ainda, os assédios sexuais e morais, especialmente os percalços que podem surgir com as empregadas mães.
Com relação aos assédios, é louvável a boa prática de investimentos pelo empregador – como estudos e treinamentos – para disseminar a ideia de ser absolutamente repudiável e intolerável o assédio no ambiente de trabalho, independentemente da sua modalidade.
No que tange ao problema de empregadas mães conseguirem compatibilizar trabalho e assistência em períodos mais delicados, como o atual, decorrente da pandemia de COVID-19, recomenda-se a instituição de uma política que permita a flexibilização da jornada de trabalho ou a implantação do regime de teletrabalho.
Tais iniciativas podem alinhar a função social da empresa com o princípio da solidariedade social, ambos constitucionalmente previstos, de modo que seja dada uma contribuição para a inserção de grupos mais vulneráveis e minoritários.
A responsabilidade social, sem dúvidas, é o caminho para a construção futura de uma sociedade melhor e, sensível a isso, a nova geração tem apresentado preocupação e soluções criativas, que permitem um maior engajamento empresarial e social. Recentemente criada, a Lemonade, insurtech americana, oferece além de um contrato de seguro rápido, a possibilidade de reversão de parte do prêmio não utilizado para instituições ligadas ao terceiro setor, em áreas de interesse do segurado. Para tanto, o segurado, ao contratar o seguro, escolhe uma causa social que lhe interesse, a exemplo de proteção dos animais, projetos para limpeza das águas, educação das crianças, inovações tecnológicas, enfim opções ligadas ao meio ambiente, stores carentes e outros em desenvolvimento.
A sociedade atual, ciente das desigualdades existentes, clama por atitudes de retorno social, a fim de que todas as instituições convirjam para engajar esforços para uma vida mais igualitária, digna e respeitosa. Esse engajamento poderá ocorrer no ambiente interno empresarial, com acolhimento e olhar atento à diversidade e no ambiente externo, com ações sociais junto a instituições terceiras. O empregador, enquanto ente social, não precisa esperar que lei o obrigue a praticar uma ou outra ação. As boas práticas estão aí para, hoje mesmo, serem aplicadas no ambiente de trabalho, como exemplo de sociedade justa, ética e solidária que tanto se sonha. Trata-se de dar o primeiro passo para a construção do grande sonho de um mundo melhor.
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1- Cite-se como exemplo de previsão legal de inclusão o art. 93 da lei 8.213/91 que prevê cotas proporcionais ao número de empregados que devem ser preenchidas por deficientes.