Uma das mais preciosas definições de sorte é aquela que a caracteriza como o encontro da preparação com a oportunidade, assim, como “força invencível a que se atribuí o rumo dos diversos acontecimentos da vida”, agora na clássica definição dos dicionários, invariavelmente está a acompanhar os vencedores (grifo parabenizando o Prof.).
A conquista do Bicampeonato da Libertadores pelo Palmeiras na edição 2020 conjuga esses elementos, em trajetória que envolveu mais de uma narrativa, do desengano à certeza, do descrédito à confiança, do ceticismo à glória, conduzindo o Palmeiras novamente ao topo da América através de muito trabalho preparatório e busca por boas oportunidades.
O processo que reposicionou o clube conta com cerca de uma década e, entre erros e acertos, alegrias e percalços, teve um momento crítico no final da temporada 19 quando apresentou baixo rendimento esportivo, prejuízo econômico, abalo à imagem... mesmo creditando-se parte ao caráter fortuito próprio de qualquer competição, é certo que se experimentou descontrole, reconhecido pela Diretoria, o que exigiu uso do freio de arrumação na parte técnica e executiva com as trocas inerentes; na ocasião premida pelo comprometimento da capacidade financeira, a Diretoria diminuiu o investimento e foi obrigada a reduzir o seu fluxo mensal com ajustes no elenco, trilhando pela própria necessidade um novo caminho com a crescente utilização da sua base vencedora, assim conquistando o Paulistão, ainda que lá não com muita convicção.
A transição dos garotos foi forjada na oportunidade, ao final facilitada pelas circunstâncias da pandemia que trouxe a realidade da restrição do público, permitindo um desenvolvimento sem tanta pressão, dando liberdade aos jovens para arriscar à vontade e errar sem medo, limitando a resolução das suas dificuldades exclusivamente ao circuito treino - jogo. Esse caminho, por óbvio, só foi possível pela anterior preparação, derivada de um largo período nesses anos que vem consolidando a força da categoria de base do clube e que contou com a participação de nomes como os de Marcos Biasotto e Erasmo Damiani, até o trabalho exitoso destes últimos tempos capitaneado pelos competentes João Paulo Sampaio e Marcelo Dedeschi.
Após o título Paulista, com o Luxa não encontrando o time depois da saída do Dudu, a Diretoria forçosamente foi obrigada a se mexer e teve seu mérito na vinda do Abel, pois mesmo “tendo atirado para onde viu e acertado o que não viu”, entendeu que teria de preparar algo diferente e contemporâneo pinçando no fim da sua lista o nome do Português, que seduzido pelo custo de oportunidade se mudou literalmente de mala e cuia para o Palmeiras escolhendo-o até para ser sua casa, onde encontrou um ambiente propício e preparado, fruto de todo um processo evolutivo igualmente iniciado faz cerca de uma década, que envolveu o aprimoramento das instalações físicas, modernização de procedimentos, internação de setores estratégicos dentro do Departamento de Futebol, enfim, realidade que o abnegado Paulo Nobre cravou com a chave da irreversibilidade e atualmente opera enraizada na instituição, apta ao desenvolvimento e suporte da atividade futebolística e o alcance de conquistas como a de 30 de janeiro de 2021.
Diga-se que o Abel, notadamente preparado para a missão de treinador, encontrou no clube organizado e no elenco forte e rejuvenescido, a oportunidade de fazer diferença, e assim, com a sorte de um caminho menos espinhoso na competição, foi galgando suas fases (oitavas e quartas) quase como treino, curando para fortalecer individual e coletivamente a sua “equipa”, assim a credenciando com a confiança e preparação necessárias para aproveitar a oportunidade de fazer (e entrar para) a história da Sociedade Esportiva Palmeiras. Ponto para o gajo!
Em retrospectiva, assim se construiu a conquista da Libertadores, numa verdadeira campanha “de almanaque”: o time obteve a primeira colocação na fase de grupos para ter as vantagens dela decorrentes, continuou vencendo e se firmando, fez uma partida épica que entra para os anais das edições (IDA River), perdeu o famoso “jogo que podia perder”, e venceu a final com doses de requinte, sofrimento e fé, que caracterizam o espírito e a raiz do torcedor alviverde, alcançando no “fim do dia”, daí já com o título garantido, a Glória Eterna que é conferida e autorizada pelo próprio slogan da competição vencida!
O futuro sinaliza um período de mudanças, a discussão dos direitos de TV com o Deadline de contratos em 24 exige muita maturação e estratégia, a recorrente panaceia da criação da Liga que em tese agora tem data para início em 22 (previsão legislativa que deverá cair, mas não ser esquecida, há muito parlamentar oportunista de plantão), o desenvolvimento do novo mercado de apostas, as discussões em andamento no Congresso sobre novos regimes societários para os clubes, vale dizer, uma gama de situações que exigirão um novo modelo de negócio, debates que certamente voltarão à ordem do dia quando superada a pandemia; dentro deste contexto, a diretoria que fez muito recentemente em matéria de reversão do quadro, após o deleite a que tem direito, deverá estar ciente que ainda tem muita coisa a fazer, em especial na preparação da SEP para as futuras mesas de negociação, onde história e títulos não terão valor absoluto.
Lembremos que na temporada insólita cujo término se avizinha, o Palmeiras foi protagonista de outro evento emblemático (duelo contra o Flamengo no 1º turno, baixas de covid, etc.), onde mesmo tendo agido com correção de atitudes e procedimentos, deparou com adesismos de ocasião e muita engenharia de obra pronta por parte de clubes e instituições organizadoras, episódio revelador da infortunada “sorte” do nosso futebol à estagnação, posto que desnudou a completa ausência dos requisitos fundamentais para uma eventual guinada efetiva e gradual do futebol brasileiro, que de saída exigiria a coesão verdadeira das agremiações esportivas, planejamento estratégico conjunto, enfim, um mínimo entendimento entre os atores para o encaminhamento das soluções. (Esqueçam a sonhada Liga, o Fair Play financeiro, o mercado de apostas, a racionalização das transmissões, o Conselho Nacional de Clubes, tudo balela).
Com a glória alcançada, ciente da dificuldade de aglutinação e defesa do meio comum, cabe a SEP então seguir o seu próprio caminho de sucesso, beneficiada talvez pela possibilidade exclusiva que tem de se viabilizar com a concretização de negócio de mercado que lhe permita a assunção / rentabilização direta da operação de sua Arena, geradora potencial de receitas expressivas que podem remunerar e perenizar o clube, proprietário de suas instalações, e o futebol, seu maior ativo promocional; o futuro portanto está na busca do aperfeiçoamento dos fundamentos econômicos que objetive a sustentabilidade e sobretudo independência do clube, a administração estruturada (e complexa) que crie os freios e contrapesos necessários à inibição de conflitos na gestão, impedindo a utilização de diversos chapéus por quem quer se apresente, diretores, conselheiros, parceiros e patrocinadores, a quem se deve enaltecer e prestigiar, contudo, ficando claro que o caminho a ser trilhado, além da instituição, não pode ter dono(a).
Quanto ao futuro breve, por fim e antes de tudo, muitas emoções ainda são reservadas na busca do Bicampeonato Mundial e nas disputas da Recopa e da Copa do Brasil, além, é claro, da satisfação de curtir um momento de alegria e leveza admitindo que sim, é verdade que ainda não temos a copinha, porém temos uma base que é vencedora da Libertadores, e reforçando também nossa enorme despreocupação com tantos que desdenham a conquista de 51, seja porque o torcedor palmeirense, afinal, conhece mais do que ninguém a sua própria e rica história, como por ter suficientemente claro que na hora que a decisão é “pra valer” mesmo, de ordem planetária ou continental, AHA-UHU, o Maraca é nosso!