Migalhas de Peso

Governança corporativa: Do privado ao público

Cuidar da governança como um bem de todos.

4/2/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

A governança corporativa progride a cada dia no mundo, há pelo menos cinquenta anos. O “equilíbrio de poderes” entre a diretoria executiva, o conselho de administração e os acionistas já estava bem delineado nas normas que tratam do tema nas principais jurisdições do capitalismo central e periférico. Todavia, os checks & balances necessários ao pleno e adequado funcionamento da governança empresarial dependem, de facto, de normas ainda mais específicas e de “melhores práticas”. Estas últimas são muito menos relevantes em função da sua positivação em contratos e estatutos sociais e, eventualmente, acordos de acionistas, e muito mais críticos em função da atuação do corpo gerencial (gerentes, diretores executivos) e conselhos com os comitês assessores. Com efeito, a prática é muito mais determinante do sucesso empresarial do que aquilo que está estabelecido formalmente.

Diversos fatores fundamentais determinam a efetividade da governança corporativa do ponto de vista do exercício direto das ações diretivas e consultivas das empresas, tais quais, a gestão do capital, a estratégia empresarial de longo prazo, a inovação tecnológica e gestão das pessoas (que também são profissionais) e a administração dos negócios voltada para a sustentabilidade ambiental e social, dentre tantos temas.

Dentre esses fatores, o exercício efetivo (e não apenas aparente) da boa governança depende da estrutura acionária vigente na empresa. Vejamos.

Empresas familiares dificilmente permitem uma governança a partir da qual o desenvolvimento dos temas da modernidade da gestão empresarial possa ser feito sem que os líderes da família tenham engajamento explícito e sólido em relação ao desenvolvimento dos negócios. De fato, o sucesso ou não deste tipo de governança depende de fatores pessoais e profissionais dos empreendedores. Os defeitos e qualidades dos membros das famílias engajadas na governança se misturam com as suas capacidades de exercer a boa gestão e governança empresarial, mesmo que as empresas sejam profissionalizadas.

No outro extremo, temos as empresas sem controle definido (corporations), nas quais os aspectos formais e o sistema de pesos e contrapesos da governança corporativa são muito mais importantes. O equilíbrio de poder entre a gestão e a supervisão dos gestores tem de ser muito mais refinado, efetivo e sólido para que exista o sucesso dos negócios para todos os stakeholders. O grande risco, neste caso, é a “tomada de poder” dos gestores que se encastelam na defesa de seus interesses mais diretos e de curto prazo os quais usualmente colidem com os objetivos mais orgânicos do crescimento e desenvolvimento das empresas. Aqui, não é incomum que se enfraqueça o sistema de controles atraindo conselheiros e membros de comitês que se aliam com os gestores para, assim, desviar os objetivos sociais na direção dos interesses dos principais executivos das empresas. Os excessos em relação à remuneração e bonificação dos gestores são sinais deste processo. Ademais, neste contexto, a gestão de risco se deteriora e a possibilidade de colapsos operacionais e financeiros aumenta. O desenvolvimento do capitalismo norte-americano, por exemplo, transitou das empresas familiares para esse modelo de corporations, sobretudo a partir dos anos 1960.

Esses modelos de estrutura acionária têm seus riscos, como os que sumariamente citamos. Todavia, o desenvolvimento do capitalismo global demonstra que o tema já transpassa o campo microeconômico e avança sobre camadas econômicas e sociais cada vez mais extensas. Grande parte das participações acionárias serve à aposentadoria e às pensões de pessoas. Logo, a governança corporativa, de natureza tipicamente privada, ganha contornos que a elevam ao nível de “interesse público”. Afinal, o fracasso de empresas pode significar perdas substanciais para os indivíduos. O capitalismo da economia social de mercado é composto por “capitalistas” que são em sua grande maioria “trabalhadores” do chão das fábricas até os profissionais mais liberais.
Ao destacar estas questões vê-se que os direitos difusos e sociais, já tão relevantes para o campo do direito consumerista ou ambiental, estão cada vez mais relacionados com a governança corporativa.

Em tempos de pandemia e em meio a tragédia humana mais relevante desde a segunda grande guerra, o comportamento dos diretores e conselheiros das empresas, sobretudo as de grande porte, bem como, dos investidores no mercado financeiro e de capital, têm de ser engajado na tarefa de cuidar da governança como um bem de todos e não somente daqueles que diretamente atuam na consecução dos objetivos empresariais. A Terra não é plana, mas mundo empresarial está cada vez mais plano.

 

Francisco Petros
Advogado, sócio responsável pela área societária, compliance e de governança corporativa do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

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