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É cabível a rescisão indireta quando o empregado contraí o coronavírus nas dependências da empresa?

A rescisão indireta é perfeitamente cabível na hipótese em que o empregado contrai a doença Covid-19 nas dependências da empresa.

18/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Muitos empregadores adotaram o “home office”, o teletrabalho e/ou optaram por suspender o contrato de trabalho (Medida Provisória 936, convertida em lei 14.020/20) durante a Pandemia do Coronavírus (Covid-19), este que ainda está presente ativamente na vida dos brasileiros (segunda onda) e mundialmente.

Sem sombra de dúvida os modelos acima adotados por muitas empresas/escritórios estão sendo os mais seguros, pois os trabalhadores podem prestar serviços à distância, e também porque eximem os empregadores de quaisquer responsabilidades no tocante à Covid-19.

Entretanto, há empresas que continuaram ou continuam em pleno funcionamento (muitas, de forma clandestina), com as atividades nos seus estabelecimentos, que não são aquelas que possuem atividades consideradas essenciais (Decreto 10.282, de 20/3/20). Outras, por seu turno, aderiram à redução da jornada de trabalho com a redução do salário do empregado, com base na medida provisória preteritamente citada.

A questão é: poderá o empregado pleitear na Justiça do Trabalho a validação da “justa causa” ao seu patrão, considerando todas Medidas Provisórias, Portarias, Decretos, entre outros, editados e publicados pelo Governo Federal, Estadual e Municipal?

Com efeito, é importante destacar que sempre prevalecerá na relação de emprego o Princípio da Continuidade da Relação de Emprego, o qual valoriza a permanência do empregado no mesmo vínculo empregatício, dadas as vantagens que isso representa. Inclusive, há a Súmula 212 do C. TST, que assim dispõe:

Súmula 212 do TST DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.

Contudo, toda regra tem sua exceção, e nem sempre será possível a continuidade da relação empregatícia. E, mais, havendo falta por parte do empregador (causa), haverá a rescisão do contrato de trabalho (efeito), pela via oblíqua.

Assim, retornando à questão da possibilidade da rescisão indireta em que o empregado contrai o coronavírus nas dependências da empresa, vale verificar, antes, quais são as hipóteses de rescisão indireta, e que estão capituladas no artigo 483 consolidado, “in verbis:  

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.

§ 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.

§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.    

Dentre as faltas elencadas, é possível a rescisão indireta considerando as alíneas “c” e “d” do referido artigo legal. Especificamente em relação à alínea “c”, o empregador submete o empregado a perigo manifesto de mal considerável, que ocorre quando, pelas condições do ambiente laborativo ou pelo exercício de certa atividade ou tarefa, o empregado corre risco não previsto no contrato, ou que poderia ser evitado.

Além disso, não é possível impor ao empregado trabalho que traga risco à sua saúde e à sua vida, com exceção de algumas profissões que o risco é sempre existente, como, por exemplo, o bombeiro e o eletricista. 

Logo, as empresas têm a obrigação de cuidar se seus empregados e do ambiente de trabalho, tomando todas as medidas possíveis e cuidados na prevenção ao contágio por Covid-19, conforme artigo 157, I, da CLT e artigo 7º, XXII, da CR/1988.

Abaixo, corroborando com a informação do parágrafo acima, alguns julgados sobre a rescisão indireta considerando a alínea “c” do artigo 483 da CLT, em razão da exposição do empregado a ambiente de trabalho que poderia causar prejuízo a sua saúde:

RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. EMPREGADA GESTANTE. SONEGAÇÃO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. TRABALHO EM CONTATO PERMANENTE COM AGENTE BIOLÓGICO. A falta de entrega do EPI à empregada gestante que laborava em contato permanente com agente biológico colocou em sério risco a saúde da obreira e do nascituro, incorrendo o empregador, portanto, nas infrações previstas no art. 483, c e d, da CLT (correr perigo manifesto de mal considerável e não cumprir o empregador as obrigações do contrato). (TRT 7ª R.; RO 0001135-85.2014.5.07.0018; Terceira Turma; Rel. Des. Plauto Carneiro Porto; Julg. 19/10/2015; DEJTCE 09/11/2015; Pág. 239).

RECURSO ORDINÁRIO. FRENTISTA. RESCISÃO INDIRETA. PERIGO MANIFESTO DE MAL CONSIDERÁVEL. A prova oral evidencia que era frequente a ocorrência de assaltos no estabelecimento da reclamada, evidenciando o risco que envolvia a prestação de serviços do reclamante, bem como a omissão da reclamada em adotar alguma medida de proteção da integridade física de seus empregados. Esse contexto autoriza a rescisão do contrato de trabalho em razão de perigo manifesto de mal considerável (art. 483, alínea c, da CLT), pois é obrigação do empregador manter um ambiente de trabalho seguro (arts. 157, I, da CLT e 7º, XXII, da CF) FGTS (8%) DO PERÍODO. Exclui-se da condenação a obrigação de pagamento do FGTS do período (8%), porque o extrato analítico demonstra a regularidade dos recolhimentos mensais. MULTA DO ART. 477 DA CLT. INDEVIDA. Conforme Súmula nº 10 deste Tribunal é "inaplicável a multa prevista no art. 477, §8º, da CLT, quando reconhecida em juízo a rescisão indireta do contrato de trabalho". Recurso conhecido e parcialmente provido para excluir da condenação o FGTS (8%) do período e a multa do art. 477 da CLT. (TRT-11 - RO: 00004273520155110003, Relator: VALDENYRA FARIAS THOME, Data de Julgamento: 07/08/2018, 1ª Turma, Data de Publicação: 09/08/2018).

Claro está ser extremamente importante que as empresas criem mecanismos de prevenção e proteção dos seus trabalhadores, documentando todas as iniciativas realizadas, a fim de afastar pretensa responsabilização injustificada.

Nessa linha, é fundamental seguir as recomendações vinculadas ao reforço de higiene e medidas de saúde, tais como: disponibilização no local de trabalho de papéis toalhas, sabonetes líquidos ou detergentes, álcool em gel 70%. Igualmente importante o distanciamento entre os trabalhadores de, no mínimo, 2 (dois) metros.

Outrossim, indiscutível que os empregadores divulguem por e-mail, site oficial, redes sociais, informativos sobre a importância de utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), e, considerando a COVID-19, o uso obrigatório de máscaras de proteção facial1, estas sim que devem ser fornecidas aos empregados, para utilização no trajeto casa-trabalho e vice e versa, bem como no local de trabalho. Por fim, paras as atividades não essenciais, a adoção de “home office” para se evitar as aglomerações.

Tais cuidados revelam não apenas a preocupação com a saúde e vida dos seus empregados, como ainda refletem no ambiente laboral os princípios da cooperação e solidariedade, cada vez mais necessários atualmente na nossa sociedade. 

Do contrário, os empregados que contraíram o novo coronavírus, com a prova da obrigatoriedade da prestação de serviços in loco e sem o devido cuidado por parte dos empregadores, terão motivos para pleitearem a validação da rescisão indireta na Justiça do Trabalho com a reparação devida.

O que também merece destaque é que a denúncia do contrato de trabalho por parte do obreiro, que deve ser pronta e imediata.

Além disso, a rescisão do contrato de trabalho por via obliqua, por ser exceção à regra, é do empregado o ônus da prova, por ser fato constitutivo do seu direito (art. 818 c/c art. 373, I, do CPC).

Contudo, é possível que haja a inversão do ônus probatório pelo magistrado, consideração a distribuição dinâmica e melhor aptidão na constituição da prova (parágrafo 1º do art. 373 do CPC). Assim, o empregador deverá comprovar em juízo que todas as medidas de prevenção ao contágio foram tomadas, bem como deverá apresentar recibos de entrega de equipamentos individuais aos seus funcionários e fiscalização do uso correto.

Ainda em relação à prova, na ausência de laudos médicos que comprovem que atestem o empregado com o Covid-19, deverá ser realizada a perícia médica.

Outrossim, a análise fática é extremamente importante, com informações de quais lugares o empregado frequentou durante a Pandemia e, ainda, se outros colegas de trabalho foram contaminados (do mesmo estabelecimento). Isso poque, não tendo notícia de que outros empregados tenham contraído a doença, será descartada a hipótese de contaminação do empregado no estabelecimento empresarial.

Destaca-se, ainda, que além da rescisão indireta, poderá o empregado pleitear na reclamação trabalhista indenizações por dano moral e material pela alegação de doença ocupacional. Nesta hipótese, não poderá ser formulado o pedido de reintegração no emprego, apenas as indenizações, já que incompatível aquele com o pedido de validação da rescisão indireta. Entretanto, não é o tema do presente trabalho.

Por todo exposto, a rescisão indireta é perfeitamente cabível na hipótese em que o empregado contrai a doença Covid-19 nas dependências da empresa, e, com a prova robusta da falta de cuidados e de medidas necessárias e obrigatórias por parte do empregador, a validação do pedido será confirmada pela Justiça do Trabalho. Na ausência de elementos que comprovem a “justa causa do patrão”, a Justiça Especializada rescindirá o contrato de trabalho na modalidade “pedido de demissão”, com o pagamento devido das verbas rescisórias.

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1 Conforme NOTA TÉCNICA GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020, a máscara de tecido NÃO é um EPI, por isso ela NÃO deve ser usada por profissionais de saúde ou de apoio quando se deveria usar a máscara cirúrgica (durante a assistência ou contato direto, a menos de 1 metro de pacientes), ou quando se deveria usar a máscara N95/PFF2 ou equivalente (durante a realização de procedimentos potencialmente geradores de aerossóis), conforme especificado no Quadro.

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Ricardo Calcini
Mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

Elaine Maria de Jesus
Advogada trabalhista no escritório CGV. em Direito na PUC-RIO (2012). Pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho na FMU (2021).

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