No último dia 19.12.2020, o STF finalizou o julgamento trabalhista mais aguardado do ano, quando acolheu parcialmente os pedidos das ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade, para conferir interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 879, § 7º e ao art. 899, § 4º, da CLT, ambos pela redação dada pela reforma trabalhista (lei 13.467/2017), a fim de atribuir aos débitos trabalhistas decorrentes de condenação judicial – bem como à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho - os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam, a incidência do IPCA-E antes de sobrevir reclamação trabalhista e, a partir da citação em referidas ações, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil), até que sobrevenha entendimento em lei específica (STF, Pleno, ADI 5.867/DF, ADI 6.021/DF, ADC 58/DF, ADC 59/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18.12.2020).
Todos os operadores do Direito do Trabalho aguardavam com ansiedade essa decisão do STF, principalmente após os eventos ocorridos em 27.6.2020, quando o ministro Gilmar Mendes decidiu suspender o julgamento de todos os processos no âmbito da Justiça do Trabalho que envolvessem a aplicação dos artigos 879, §7º e 899, §4º, ambos da CLT, os quais estipulavam a TR (Taxa Referencial) como índice de correção monetária a ser adotado em débitos trabalhistas. E mesmo com a decisão posterior do ministro Gilmar Mendes em sede de ação cautelar em agravo regimental movida pela Procuradoria Geral da República a fim de obter esclarecimentos acerca da liminar editada, em vez de trazer soluções à questão, acabou a referida decisão por trazer ainda mais dúvidas, pois ficara mais obscura a possibilidade de regular andamento dos processos que envolvessem discussão de índice de correção monetária. A decisão final da Suprema Corte, neste passo, era fundamental a fim de se chegar à segurança jurídica pretendida.
As primeiras reações da comunidade jurídica, no entanto, ainda foram com ânimo contido, principalmente quanto à menção "até que sobrevenha solução legislativa". A princípio, tal solução legislativa já existe e é de entendimento incontroverso, qual seja, a própria literalidade do artigo 879, §7º da CLT, dispositivo este que prevê a aplicação da TR aos débitos trabalhistas.
Entretanto, a decisão do STF parece ter acomodado a antinomia existente entre o artigo 879, §7º da CLT e a MP 905/2019 (não obstante sua caducidade superveniente), a qual previa que os débitos trabalhistas seriam corrigidos pelo IPCA-E, acrescidos da taxa da poupança. Logo, a decisão final do Supremo optou por afastar ambos os índices (TR e IPCA-E), estabelecendo a SELIC.
Muitos comentários sobre a decisão dão conta da ausência de menção, pelo STF, sobre a questão dos juros de mora. Em nosso entendimento, entretanto, tal crítica não merece respaldo, pois a taxa SELIC já prevê juros de mora, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.025.298). Ainda, os juros de mora de 12% ao ano aplicados pela Justiça do Trabalho não eram objeto de discussão pelas ADI 5.867/DF, ADI 6.021/DF, ADC 58/DF, ADC 59/DF. Logo, caso o Supremo Tribunal Federal houvesse estabelecido a taxa SELIC + juros de mora de 1% ao mês, estaria ocorrendo em evidente anatocismo (juros sobre juros).
Neste novo contexto, a se vislumbrar, a partir de agora, os possíveis efeitos que esta decisão ensejará nos processos judiciais em trâmite perante o Poder Judiciário Trabalhista.
Em primeiro lugar, parece claro que as reclamações trabalhistas, com trânsito em julgado das sentenças/acórdãos, não poderão ser alcançadas pela decisão do E. STF, nos termos da modulação estabelecida pela relatoria:
Desse modo, para evitarem-se incertezas, o que ocasionaria grave insegurança jurídica, devemos fixar alguns marcos jurídicos. Em primeiro lugar, são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês.
Conforme modulação estabelecida, a referida decisão do STF repercutirá em todas as reclamações trabalhistas em fase de conhecimento, não gerando efeitos, contudo, nos processos em fase de execução definitiva de sentença. Eventuais valores depositados pelas empresas, portanto, só deverão ser complementados ou repetidos em casos de execução provisória nos quais esteja pendente a discussão de índice de correção monetária. Do contrário, nenhum valor depositado ou pago poderá ser restituído.
Além disso, para os casos nos quais houve trânsito em julgado da sentença de mérito, pouco importa o índice de correção monetária adotado pelo juiz de 1ª instância ou Tribunal (TR ou IPCA-E), este deverá ser cumprido de acordo com a decisão, em nome da segurança jurídica e da coisa julgada. Assim sendo, entendemos não ser possível a tentativa de desconfigurar a coisa julgada via ação rescisória, pois foi clara a intenção do STF em salvaguardar os comandos decisórios transitados em julgado, evitando-se enxurradas de cortes rescisórios.
Aquelas reclamações trabalhistas porventura sobrestadas por conta da retromencionada liminar do ministro Gilmar Mendes terão agora regular curso, superada a questão do índice de correção monetária a ser aplicado. Processos com recursos pendentes tratando única e especificamente de correção monetária poderão ser objeto de desistência pelas partes interessadas a fim de aumentar a celeridade do dissídio.
No caso de sentenças ou acórdãos que transitarem em julgado após a data de decisão do STF (a partir de 19/12/2020), que porventura abarcarem um dos índices de correção monetária superados pelo Supremo (TR/IPCA-E), entendemos que as empresas poderão suscitar a inexigibilidade destes títulos executivos, tendo em vista que sobrevieram à luz do novo entendimento, por força do artigo 884, §5º da CLT:
Art. 884 - Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado 5 (cinco) dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exequente para impugnação.
(...)
§ 5º Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.
Desta forma, caso as empresas sejam intimadas a pagamento em decorrência de sentenças cujo trânsito em julgado tenha se efetivado após 19.12.2020, é possível suscitar sua inexigibilidade em sede de embargos à execução. Caso a empresa opte em não dispender valores, entendemos pelo cabimento de exceção de pré-executividade, a fim de se afastar a previsibilidade dos índices TR/IPCA-E sem a necessidade de garantia do juízo. Tal circunstância é bastante relevante, tendo em vista que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobreveio apenas um dia antes do recesso judicial.
Durante a vigência da liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes em 27.6.2020, houve diversos casos em que os juízes ordenaram o depósito do quantum debeatur considerando-se o índice TR, por ser de menor valor e ser possível sua concepção como valor incontroverso. Para os casos em que tal situação ocorreu, entendemos que eventuais valores depositados em sede de execução provisória deverão ser prontamente convertidos à SELIC. Entretanto, para os casos em que houve autorização de liberação de valores incontroversos ao reclamante em grau de execução provisória, entendemos não ser cabível a repetição de tais valores, em se imbuindo o crédito trabalhista de natureza alimentar.
Por fim, há que se mencionar os casos com trânsito em julgado cujos comandos decisórios remeteram a questão do índice de correção monetária ao juízo da execução. Para os casos em questão, entendemos pela aplicação da decisão do STF de 19.12.2020, tendo em vista que os critérios de modulação são claros no sentido de que apenas o trânsito em julgado da decisão específica sobre índice de correção monetária estaria protegido pela coisa julgada. Uma vez que pendente a decisão sobre referido índice, deve-se aplicar o novo entendimento pela SELIC como índice de correção monetária aplicável
Em suma, tendo em vista a decisão editada pelo STF que, de maneira surpreendente, optou por não seguir nenhum dos índices comumente adotados na Justiça do Trabalho (TR X IPCA-E), os cenários práticos que se vislumbram são os seguintes:
1) O IPCA-E será adotado como índice de correção monetária tão-somente na fase pré-judicial. Após a citação, aplica-se o índice SELIC, o qual já contempla juros de mora de 1% ao mês, conforme entendimento do STJ;
2) Tal entendimento da Suprema Corte prevalecerá até que sobrevenha legislação específica sobre a questão;
3) Decisões transitadas em julgado seguem os índices contidos nos respectivos comandos decisórios. Por força do artigo 884, §5º, da CLT, os títulos executivos judiciais que transitarem em julgado após 19/12 poderão ter sua inexigibilidade suscitada, seja em grau de Embargos à Execução ou Exceção de Pré-Executividade (nesta hipótese sem a necessidade de garantia do juízo);
4) O Corte rescisório somente será cabível quando, após o dia 19/12, sobrevier a coisa julgada inconstitucional, de modo que a parte não se valeu das medidas judiciais então existentes na fase executória;
5) Sentenças transitadas em julgado que tenham remetido a decisão acerca do índice de correção monetária ao juízo da execução serão afetadas pela decisão do STF;
6) Processos eventualmente sobrestados ante a liminar do ministro Gilmar Mendes de 27.6.2020 poderão seguir seu curso já com a aplicação da SELIC. Nos casos em que houve depósito do valor correspondente à TR como incontroverso, os valores depositados deverão ser convertidos conforme decisão do STF. Por fim, se houver ocorrido liberação de valores ao reclamante, estes não poderão ser repetidos, ante à sua natureza alimentar.