Migalhas de Peso

Um habeas corpus em favor do Congresso Nacional e do juiz de garantias

Há um número elevadíssimo de indivíduos que estão submetidos a constrangimento ilegal decorrente da não aplicação das garantias instituídas em favor dos investigados e réus pela lei 13.964/19.

17/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

 

A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos(Montesquieu)

Neste último dia 16 de dezembro, impetramos em nome do Instituto de Garantias Penais/IGP um habeas corpus coletivo perante o Supremo Tribunal Federal em favor de todas as pessoas que estão submetidas a investigações e a processos criminais, bem como de todos os presos em flagrante cuja audiência de custódia não foi realizada em 24h, que têm sido impedidas de exercer os direitos consagrados pela lei 13.964/19 (pacote anticrime), por força da decisão monocrática coatora proferida pelo eminente ministro LUIZ FUX, há quase um ano, nos autos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305.

A referida decisão, contra a qual nos insurgimos, suspendeu a eficácia da implantação do instituto chamado “Juiz de Garantias”, além da determinação legal de alteração do juiz sentenciante que conheceu de prova declarada inadmissível, da alteração do procedimento de arquivamento do inquérito policial e da liberalização da prisão pela não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas, importantes garantias que estão previstas no denominado pacote, aprovado pelo Congresso Nacional após intensa deliberação.

Após a apreciação da medida cautelar, a Advocacia-Geral da União prestou informações, nas quais se manifestou pelo não conhecimento das Ações, “tendo em vista o primado da separação de poderes” e, no mérito, pela improcedência dos argumentos lançados pela parte autora, não havendo qualquer vício de inconstitucionalidade nos artigos impugnados. No caso das ADIns 6.298 e 6.305, acrescentou ainda que não merecem conhecimento “tendo em vista a ilegitimidade ativa da parte autora (falta de pertinência temática)”.

De igual forma, o Congresso Nacional prestou informações se manifestando pela improcedência das Ações, não vislumbrando inconstitucionalidade nos dispositivos impugnados, além de destacar que “a interferência do Poder Judiciário nas funções típicas do Poder Legislativo só pode ser tolerada em casos excepcionalíssimos e constitucionalmente permitidos, o que não ocorre na ação em tela”.

Vale salientar que, em razão da decisão ora combatida, um número relevante de pessoas está submetido à persecução penal e à investigação criminal sem que sejam respeitadas as novas regras do juiz de garantias (artigos 3°-A a 3°-F do CPP), do novo procedimento para arquivamento de inquéritos (artigos 28, caput) e da impossibilidade de o juízo que conhecer da prova ilícita proferir sentença ou acórdão (artigo 157, §5°, do CPP).  Há igualmente pessoas que foram ou estão presas em flagrante e, muito embora as respectivas audiências de custódia não tenham sido realizadas em 24h, não tiveram sua prisão relaxada pela autoridade competente, a despeito da nova disposição legal (310, §4º, do CPP).

Há, portanto, um número elevadíssimo de indivíduos que estão submetidos a constrangimento ilegal decorrente da não aplicação das garantias instituídas em favor dos investigados e réus pela lei 13.964/19. Em síntese, a aprovação desse diploma legal por amplíssima maioria do Congresso Nacional teve por objetivo tornar o processo penal brasileiro mais compatível com o sistema acusatório, de matriz constitucional.

Além disso, os avanços levados a efeito pelo legislador no sentido da realização de um processo penal justo tiveram sua eficácia paralisada por decisão monocrática cuja não submissão a referendo pelo Plenário consubstancia grave constrangimento ilegal imposto a um número indeterminado – embora passível de determinação – de investigados e réus, que se encontram continuamente privados do exercício de importantes garantias processuais legitimamente criadas pelo legislador ordinário.

Em especial, a alteração legislativa referente ao “Juiz de Garantias” pode ser considerada como o principal avanço normativo em matéria de processo penal brasileiro das últimas décadas, que certamente haverá de impactar profundamente a sistemática da persecução penal, garantindo maior efetividade aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da imparcialidade do julgador.

Tal novel instituto, que passou a ser previsto nos artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3ª-E, 3º-F, do Código de Processo Penal, constitui possivelmente a mais significativa e expressiva inovação que foi objeto de suspensão. Progresso similar a essas disposições pode ser observado nos países latino-americanos que legislaram no sentido de substituir o sistema inquisitório pelo sistema acusatório, tal como a Argentina, o Uruguai, o Chile e a Colômbia. De forma análoga, com as peculiaridades de cada sistema jurídico, a previsão de separação da atividade jurisdicional no processo penal é também abarcada pela legislação de Portugal, da Itália e da Alemanha.

Como bem destacou o Desembargador Federal Ney Bello, “[A] modificação legal – em consonância com o que se faz no mundo ocidental – tem o condão de proteger a imparcialidade do magistrado que instrui e decide o processo, separando definitivamente quem acusa de quem julga, restabelecendo o equilíbrio entre defesa e acusação no processo criminal”.1

Os atos investigatórios, na fase de inquérito policial, dispõem acerca de direitos fundamentais do investigado e acabam por comprometer a imparcialidade do julgador, uma vez que ele terá antecipadamente contato e poder decisivo a respeito das provas a serem produzidas em face do investigado. Com a implementação do Juiz de Garantias, poder-se-á superar os riscos decorrentes da confusão entre os papeis de investigar, acusar e julgar.

Para se chegar ao texto final do Pacote Anticrime, foram realizadas mais de 30 (trinta) audiências públicas pelo Congresso Nacional, nas quais foram ouvidos diversos juristas e representantes da sociedade civil, que contribuíram para a conclusão, pelo Parlamento, acerca da imprescindibilidade da criação da referida figura para resguardar os direitos dos cidadãos submetidos a uma persecução penal.

Conforme bem recorda Rodrigo Mudrovitsch, Leon Festinger, professor da Universidade de Michigan e Pesquisador do MIT, formulou a Teoria da Dissonância Cognitiva, “a qual pontua, em suma, que é condição inata do ser humano a predisposição por validar hipóteses que já foram anteriormente por ele analisadas, superestimando elementos supervenientes que confirmem essa predisposição e subestimando aqueles que a invalide”.2

No mesmo sentido, Bernd Schünemann, professor catedrático da Universidade de Munique e ex-consultor do Parlamento Alemão, realizou estudo empírico com magistrados, no qual se concluiu que “as informações, previamente tomadas como corretas à ratificação da hipótese preconcebida, sejam sistematicamente superestimadas, enquanto que as informações dissonantes sejam sistematicamente subavaliadas”.3

A clara divisão da atividade jurisdicional, como prevista pelas disposições que implementam o Juiz de Garantias, pode evitar os efeitos constatados pelos citados pesquisadores, os quais, inobstante a boa-vontade dos juízes no tocante à preservação da imparcialidade, são inerentes à natureza humana.

A tarefa de supervisão que passará a ser realizada pelo Juiz de Garantias já se encontra incumbida ao Poder Judiciário, de forma que o que se exige pelo Pacote “Anticrime” – e que, antes mesmo de tal previsão, vinha sendo realizado em diversas varas da jurisdição brasileira – é tão somente uma reorganização dessa incumbência.

Assim sendo, o Juiz de Garantias se mostra como um verdadeiro progresso na garantia de direitos fundamentais do investigado, resguardando-se maior efetividade à exigência constitucional da imparcialidade do magistrado e do princípio da presunção de inocência. Nessa mesma linha, conclui-se igualmente pela manifesta importância da alteração do juiz sentenciante que conheceu de prova declarada inadmissível (Artigo 157, §5º, do Código de Processo Penal) para salvaguardar os mencionados direitos constitucionais.

Para além isso, é preciso registrar, ainda, que a decisão que suspendeu a eficácia dos dispositivos da lei 13.964/19 não se coaduna com os parâmetros doutrinária e jurisprudencialmente firmados a respeito dos limites da intervenção da jurisdição constitucional no controle de constitucionalidade das leis. Em primeiro lugar, porque, como bem lembrou o Ministro Luís Roberto Barroso, “a invalidação de leis ou atos normativos somente deve ocorrer nas hipóteses de cabal e inconteste ultraje à Constituição, de ordem que, nas situações de dúvida ou dissenso razoável acerca da (in)compatibilidade do conteúdo da norma adversada com a Lei Fundamental, a declaração de constitucionalidade é medida que se impõe. A inconstitucionalidade, portanto, para ser reconhecida, deve ser chapada”.

Definitivamente não é o caso em discussão. Os dispositivos legais que foram objeto de suspensão por meio de decisão monocrática não só estão dentro da moldura normativa da Constituição como realizam objetivos legítimos de progressiva adaptação da lei processual penal ao princípio acusatório.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 é produto de um processo constituinte aberto e participativo, criada em um contexto de transição democrática e em meio à reorganização das forças políticas no Brasil. Por essa razão, a Constituição aborda os mais diversos temas, positiva uma grande quantidade de direitos e provê as bases do funcionamento do Estado. Até em decorrência de sua origem pluralista, a Constituição brasileira é uma Carta aberta, que se encontra permanentemente permeável a novos conteúdos, novos direitos e novos valores4. As suas disposições não esgotam a regulação do âmbito material sobre o qual incidem: demandam discussão e decisão posteriores, cujo protagonismo cabe ao Poder Legislativo, que é livre para decidir dentro das possibilidades do texto constitucional5. Por isso mesmo, dentro desse plexo de possibilidades e obedecidos os procedimentos democráticos de legitimação, a decisão legislativa será legítima6.

Cabe ao Judiciário, no exercício da jurisdição constitucional, apenas verificar se a norma criada pelo legislador se situa dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos. Não lhe compete substituir a decisão legislativa legítima por outra que lhe pareça mais oportuna, conveniente ou adequada. Assim já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Ministro Luiz Fux, no julgamento da ADIn 1923, em 16/4/157.

O abandono dessa postura de prudência e autocontenção da jurisdição constitucional só deve ocorrer – segundo clássica lição da teoria constitucional acolhida pela jurisprudência do STF – nas hipóteses em que o legislador impõe restrições a direitos fundamentais de grupos minoritários ou quando determina qualquer obstrução aos canais participação política. É o que se colhe de feliz passagem de voto do ministro Luís Roberto Barroso no julgamento da ADIn 5487, em 25/8/168.

Nenhuma dessas hipóteses se faz presente relativamente à discussão sobre a constitucionalidade dos dispositivos da chamada “Lei Anticrime” que tiveram sua eficácia suspensa pela decisão monocrática de Ministro dessa e. Suprema Corte.

Com base nessas premissas – repita-se, acolhidas amplamente pela jurisprudência desse e. STF –, não cabe ao Poder Judiciário decidir sobre a conveniência deste ou daquele modelo de investigação criminal ou de sistema processual penal, mas apenas verificar se as opções legislativas feitas de maneira democrática pelo Congresso Nacional operaram dentro da margem de conformação aberta pela Constituição.

Apenas quando a opção legislativa seja claramente contrária às normas constitucionais será possível declará-las inconstitucionais. As críticas que podem eventualmente ser dirigidas à opção legislativa – tanto no que diz respeito à criação do juiz de garantia como das suas repercussões no âmbito da investigação criminal e do processo criminal – não podem ter o condão de torná-las nulas, sob pena de perigosa invasão judicial da esfera de atribuição do parlamento.

A manutenção de uma postura de deferência às opções legislativas, no caso em discussão, constitui decorrência inafastável do respeito ao princípio democrático.

Com efeito, a suspensão liminar de um importante conjunto de dispositivos legais aprovados por larga maioria parlamentar – adotando o instituto do juiz de garantia com base em ampla experiência comparada – produz grave abalo ao princípio de separação de poderes. Como se disse, a decisão sobre a criação ou não do juiz de garantia – bem como da sua repercussão no sistema processual penal – cabe exclusivamente ao Congresso Nacional.

Com o devido respeito, o inconformismo com a opção legislativa – por mais respeitável que seja – não chega sequer a fragilizar a evidente constitucionalidade da decisão parlamentar, que “se insere na liberdade de conformação do legislador, que tem legitimidade democrática para escolher os meios que reputar adequados para a consecução de determinados objetivos, desde que eles não lhe sejam vedados pela Constituição nem violem a proporcionalidade”.9

E há um outro problema, em especial, que merece ser aqui tratado.

Como visto, a decisão ora combatida foi proferida monocraticamente pelo eminente min. LUIZ FUX em 22 de janeiro de 2020, oportunidade em que Sua Excelência também reconheceu a necessidade de submetê-la ao Plenário dessa egrégia Suprema Corte para referendo.

Tal ponto que constou no próprio dispositivo do ato coator não se trata de mera formalidade ou de benesse da Autoridade Coatora. Ao revés, o referendo da decisão monocrática pelo Plenário em hipóteses deste jaez é imposição do próprio texto da Constituição da República, do Regimento Interno dessa colenda Corte e da legislação de regência10.

De todo modo, em ambos os casos – seja durante o recesso forense, seja por excepcional urgência da medida – a decisão monocrática que aprecia medida cautelar em sede de ADIn sujeita-se ao indispensável referendo pelo Tribunal Pleno, em fiel observância aos princípios da Reserva de Plenário e da Colegialidade, assim como pela inteligência legal expressa na lei 9.868/99. Aliás, também é esse o comando constante do próprio Regimento Interno dessa Corte Suprema em seu art. 21.

Ao tratar sobre o assunto, o professor Lenio Streck ressalta a limitação acima mencionada da lei 9.868/99 para decisões monocráticas nas medidas cautelares em sede de ADIn, bem como destaca a necessidade de que essa decisão seja levada rapidamente ao Plenário da Suprema Corte para referendo, sob pena de violação de normas legais e constitucionais11.

In casu, o ato coator não ignora tal exigência. Ao revés, expressamente consigna em seu dispositivo a necessidade de submissão do feito ao plenário para posterior referendo.

Ocorre que, transcorrido quase um ano de sua prolação, a medida cautelar ainda não foi levada para referendo pelo órgão colegiado máximo dessa Suprema Corte. O longo lapso temporal não se coaduna com a suposta urgência autorizativa da concessão monocrática e com a própria sistemática legal e constitucional da ação direta de inconstitucionalidade.

Ora, se o feito era tão urgente a fim de se excepcionar a reserva de plenário e o princípio da colegialidade, por qual razão ainda não se procedeu ao indispensável referendo, que possui envergadura constitucional, legal e regimental, do Plenário?

A demora na submissão da decisão monocrática ao referendo pelo colegiado esvazia o conteúdo normativo de todos os dispositivos mencionados neste tópico e materializa inequívoca negativa de vigência. Caso se admitida a possibilidade de que perdure indefinidamente a medida cautelar monocrática em ADIn, sem a sua remessa, dentro de um prazo razoável, para referendo do Plenário, invariavelmente a medida desfigurará todo o sistema constitucional, legal e regimental criado, bem como usurpará a própria competência do Plenário, afigurando-se a decisão ilegal e inconstitucional.

Para além disso, vale rememorar que o Pacote Anticrime foi amplamente discutido pelo Congresso Nacional por quase um ano, com 88 alterações propostas, debatidas e votadas. A respeito do Juiz de Garantias, sua importância legislativa fica manifesta ao se considerar que o Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, por 256 votos a 147, o destaque do Novo ao projeto de lei do Pacote Anticrime (PL 10372/18), que pedia a retirada do texto da figura em questão.

Logo, por maioria expressiva, o instituto foi aprovado pelo Congresso Nacional e não mereceu veto pelo Poder Executivo, em exercício democrático pleno e legítimo, que bem satisfaz aos princípios consagrados na Carta Magna.

Por essas questões, tendo em vista a imprescindibilidade do respeito às garantias penais previstas na Constituição Federal, bem como à consagração da separação e equilíbrio harmonioso entre os Poderes, é fundamental a impetração do referido habeas corpus contra a mencionada decisão proferida pelo exmo. ministro Luiz Fux, para fazer prevalecer a vontade popular e celebrar o pleno exercício democrático da atividade legislativa, flagrantemente atacado por decisão liminar que, já prestes a completar 1 (um) ano sem submissão para apreciação colegiada pelo órgão máximo do Supremo Tribunal Federal, o Plenário, subverte o ideal de colegialidade da Corte, a própria sistemática processual do controle de constitucionalidade e, no que é mais grave, as balizas do Estado Democrático de Direito.

____________

1 BELLO, Ney. Juiz das garantias: avanço necessário! Consultor Jurídico. Publicado em 3 jan 2020. Acesso em 9 dez 2020. .

2 MUDROVITSCH, Rodrigo. A importância institucional do juiz de garantias. Época. . Publicado em 8 jan 2020. Acesso em 9 dez 2020.

3 Idem.

4 Cf., sobre o pluralismo que marcou a Assembleia Nacional Constituinte: SARMENTO, Daniel. 21 Anos da Constituição de 1988: a Assembleia Constituinte de 1987/1988 e a Experiência Constitucional Brasileira sob a Carta de 1988. Disponível em clique aqui.

5 Ao criticar a panconstitucionalização do direito levada a cabo por certas correntes neoconstitucionalistas, Daniel Sarmento sintetiza com clareza a relação entre a liberdade de conformação do legislador e o princípio democrático: “Com efeito, quem defende que tudo ou quase tudo já está decidido pela Constituição, e que o legislador e' um mero executor das medidas já impostas pelo constituinte, nega, por conseqüe^ncia, a autonomia política ao povo para, em cada momento da sua história, realizar as suas próprias escolhas. O excesso de constitucionalização do Direito reveste- se, portanto, de um vie's antidemocrático. Esta ordem de preocupações levou Ersnt Forsthof, na Alemanha, a criticar as teorias que viam a Constituição como uma espe'cie de “genoma jurídico (…) do qual tudo deriva, do Código Penal ate' a lei sobre a fabricação de termo^metros” (…)Nenhuma destas duas questões e' insuperável. E' possível aceitar e aplaudir a constitucionalização do Direito – feno^meno em geral positivo, por aproximar a racionalidade emancipatória da Constituição do dia-a-dia das pessoas -, mas defender que ela seja temperada por outras preocupações igualmente essenciais no Estado Democrático de Direito, com a autonomia pública e privada dos cidadãos. Pode-se reconhecer a legitimidade da constitucionalização do Direito, mas numa medida em que não sacrifique em excesso à liberdade de conformação que, numa democracia, deve caber ao legislador para realizar opções políticas em nome do povo.” (SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: SARMENTO, Daniel. Filosofia e Teoria Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009. ______. “Ubiqüidade constitucional: os dois lados da moeda.” In: SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006.

6 O tema foi examinado pelo  ministro Dias Toffoli, em julgado de sua relatoria: “(…) 3. A lei 12.234/10 se insere na liberdade de conformação do legislador, que tem legitimidade democrática para escolher os meios que reputar adequados para a consecução de determinados objetivos, desde que eles não lhe sejam vedados pela Constituição nem violem a proporcionalidade. (…)” (HC 122694, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 10/12/2014, DJe-032 19-02-2015).

7 1. A atuação da Corte Constitucional não pode traduzir forma de engessamento e de cristalização de um determinado modelo pré-concebido de Estado, impedindo que, nos limites constitucionalmente assegurados, as maiorias políticas prevalecentes no jogo democrático pluralista possam pôr em prática seus projetos de governo, moldando o perfil e o instrumental do poder público conforme a vontade coletiva. […] (ADIn 1923, Rel. Ayres Britto, Rel. p/ Acórdão: Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 16/04/2015)

8 Um terceiro standard de atuação mais particularista da Corte consiste na salvaguarda as condições de funcionamento da democracia (i.e., defesa dos pressupostos democráticos). Em tais cenários, diagnosticado o inadequado funcionamento das instituições, é dever da Corte Constitucional otimizar e aperfeiçoar o processo democrático, de sorte (i) a corrigir as patologias que desvirtuem o sistema representativo, máxime quando obstruam as vias de expressão e os canais de participação política, e (ii) a proteger os interesses e direitos dos grupos políticos minoritários, cujas demandas dificilmente encontram eco nas deliberações majoritárias.

[…]

O quarto parâmetro de intervenção judicial legítimo, segundo penso, sobressai para tutelar direitos das minorias, cujas demandas não sejam tratadas com o respeito devido e consideração no processo políticomajoritário. Isso porque, não raro, diversas pautas ou reivindicações de interesse de grupos vulneráveis ou estigmatizados pode não encontrar eco ou mesmo serem desprezadas no Parlamento, tramitando durante décadas, sem qualquer definição, em especial aquelas que se revelarem impopulares para determinados setores da sociedade. De fato, existem grupos que, apesar de expressiva quantidade de sujeitos que os compõe, são sub-representados na esfera política tradicional, não possuindo uma representatividade política, social ou econômica que permitam que suas demandas sejam levadas a efeito no Congresso Nacional.

(STF. ADI 5487, Rel. Rosa Weber, Rel. p/ acórdão Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. em 25/08/2016)

9 STF, HC 122694, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. em 10.12.2014.

10 Art. 10, da lei 9.868/99 e art. 97, da CF.

11 “Minha crítica é, pois, sistêmica. Objetiva a preservação dos direitos constitucionais dos que são atingidos e pelos que são beneficiados por uma decisão em sede cautelar. Há um direito fundamental dos cidadãos no sentido de que sejam cumpridos os artigos 10 da lei 9.868 e 97 da CF. Parece-me que o legislador foi sábio no sentido de permitir que, no recesso, a cautelar possa ser emitida monocraticamente. Mas me parece, também, que foi mais sábio ainda ao exigir que, imediatamente, essa mesma decisão seja submetida aos demais membros do STF”. 

Antônio Carlos de Almeida Castro
Bacharel em Direito pela UnB. Advogado criminalista, sócio do escritório Almeida Castro Advogados.

Marcelo Turbay Freiria
Presidente da Comissão de Direito de Defesa da OAB/DF. Mestre em Direito. Professor de Direito Penal. Especialista em Direito Penal Econômico Europeu e em Direito Penal e Compliance. Sócio do escritório Almeida Castro Advogados.

Álvaro Guilherme de Oliveira Chaves
Coordenador-adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Mestrando em Direito, Estado e Constituição. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Advogado do escritório Almeida Castro Advogados.

Ananda França de Almeida
Graduada pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Sistemas Penais Econômicos do Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP. Membro da Comissão de Direito de Defesa da OAB/DF.

Ademar Borges
Ademar Borges é advogado.

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