Completa um ano a alteração do artigo 17 da lei 8.429/92, fruto da lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que, dentre outras alterações introduziu a possibilidade de celebração de acordo, verbis:
1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei.
Além dessa importante alteração do sistema – o anterior vedava o acordo - o parágrafo 10-A, do mesmo artigo 17 e, também, incluído pela lei 13.964/19, prevê a possibilidade de interrupção do prazo para contestar:
10-A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias.
Essas disposições indicam claramente a intenção do legislador em facilitar a celebração do acordo, com a possibilidade de encerramento de centenas de ações por ato de improbidade administrativa, que duram dezenas de anos para se encerrar, período durante o qual o réu fica, praticamente, sob morte civil.
Por outro lado, é evidente que a norma se aplica durante a tramitação do inquérito civil, ensejando azo para encerramento de milhares desses expedientes administrativos, que atulham as Promotorias de Defesa do Patrimônio Público.
Neste ponto surgem duas questões: (a) do acordo precisa participar o representante da Fazenda interessada? (b) o acordo feito em inquérito civil precisa ser homologado pelo Poder Judiciário?
Para respondermos essas questões, temos que ter por premissa que o Ministério Público não tem exclusividade (como ocorre com as ações penais públicas) para propor a ação por ato de improbidade administrativa, como se deduz, com facilidade, do § 4º do art. 17 (O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade), pois o ente interessado pode propô-la também e, caso não o tenha feito, será intimado para participar do processo (art. 17 caput e seu § 3º).
Portanto, fica evidenciada a necessidade de homologação judicial do acordo celebrado em inquérito civil, que dará publicidade ao ato – e essa homologação inibirá outras demandas idênticas, pois essa homologação se equivale à sentença de mérito, conforme dispõe o art. 487, inciso III, alínea “b”,
Porém, não entendemos necessária e imprescindível a aceitação do acordo pelo representante da Fazenda interessada, porque o Ministério Público já a representa, dado o disposto no art. no inciso III do art. 129 da Constituição Federal (“proteção do patrimônio público”), inciso esse que, no caso específico de propositura de ação por ato de improbidade administrativa, foi interpretado pela jurisprudência como exceção constitucional à sua própria regra geral inserta do inciso IX do mesmo art. 129, que proíbe, em geral, que o Ministério Público represente a Fazenda.
Outra questão importante é que, em relação às ações civis públicas por improbidade administrativa, a inovação havida na lei 8.249/92 deve ser interpretada à luz do quanto dispõem os artigos 75, § 4º e190 do Código de Processo Civil (CPC), que preveem a cláusulas de negociação processual, conhecido por “negócio jurídico processual”.
O artigo 75, § 4º do CPC dispõe que os Estados e o Distrito Federal poderão ajustar compromisso recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente federado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias.
Neste contexto normativo, conjugando o Código de Processo Civil com o as disposições do artigo 17 da lei 8.329/92, resulta tanto a feição de negócio jurídico processual típico, como se abre a oportunidade para a aplicação da cláusula geral de negociação a que se refere o art. 190 do CPC.
Logo, em matéria de improbidade administrativa as partes podem pactuar, por exemplo, sobre a desistência de recursos, ampliação ou redução de prazos, rediscussão e superação de preclusão, substituição de bem objeto de bloqueio, rateio de despesas processuais, afastamento da execução provisória, intervenção de terceiros e litisconsórcio.
Cabe ressaltar que os negócios processuais não versam sobre o objeto do litígio em si, mas sobre as regras que vão determinar os próximos passos na resolução do conflito.
A congruência da nova redação do art. 17 da lei 8.249/92 igualmente encontra eco no art. 16 da lei 12.846/13, pois a celebração de acordos de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos na lei de combate à corrupção enseja a celebração de negócios jurídicos processuais.
Ainda no quadrante do microssistema de proteção ao patrimônio público e improbidade administrativa, a lei 13.140/15 (Lei de Mediação), em seu artigo 36, §4°, admite expressamente a autocomposição em ação de improbidade administrativa.
A coerência no âmbito do microssistema de defesa do patrimônio público e da probidade administrativa, portanto, ampara tanto a autocomposição em relação à pretensão sancionadora (mérito da ação), vis a vis à redação do art. 17, § 1º da lei 8.429/92 e art. 36, § 4º da lei 13.140/15, quanto em relação ao aspecto processual, como instrumento viabilizador da autocomposição, vis a vis à redação do art.190 do CPC e art. 17, § 10-A da lei 8.429/92.