A figura do limbo previdenciário pode ser compreendida como o momento em que o empregador e o INSS discordam quanto à aptidão do empregado para retorno às atividades após o período de afastamento em gozo do benefício previdenciário.
Tal situação ocorre quando o empregado, após perícia médica no INSS, é considerado apto ao trabalho, ou seja, tem alta médica do benefício por incapacidade, seja ele auxílio-doença comum (B61) ou acidentário (B91), e no momento do retorno ao trabalho é atestada, pelo médico da empresa, a sua inaptidão.
Certo é que quando um funcionário é afastado pelo INSS o empregador fica responsável pelo pagamento do salário referente aos 15 (quinze) primeiros dias (art. 75, decreto 3.048/99), sendo que o INSS paga o salário do empregado a partir do 16º dia e até a data da "aptidão", cessando o benefício após a alta médica pela autarquia.
A partir deste momento há a cessação da suspensão contratual, voltando o contrato de trabalho a surtir todos os seus efeitos jurídicos. Assim, a grande polêmica se estabelece justamente quando essa aptidão atestada pelo INSS não é confirmada pelo departamento médico da empresa, estabelecendo-se um impasse quanto à real condição de saúde do empregado.
A jurisprudência predominante segue no sentido de que o empregador é responsável pelo empregado após a aptidão constatada pelo INSS, devendo promover o seu retorno às atividades.1
A fundamentação utilizada pelos tribunais pauta-se na premissa de que, declarada a aptidão pelo INSS, automaticamente há o encerramento da suspensão contratual, passando o empregado a ficar à disposição do empregador, devendo este, por sua vez, reconduzi-lo ao seu posto de trabalho anterior ou, caso entenda que não há condições para este retorno, na mesma função, deve promover a alocação do empregado em outra função compatível com a sua limitação de saúde.
Caso a empresa entenda pela total impossibilidade de readaptação do empregado a qualquer função, o mais indicado é que se busque a revisão da alta previdenciária junto ao INSS e, até que o conflito seja solucionado, se conceda licença remunerada ao funcionário, evitando, com isso, a situação aqui explicitada de limbo previdenciário, quando o empregado fica sem receber salários e também o benefício previdenciário.
Isso porque, em que pese a injustiça da situação para as empresas, os tribunais do trabalho convergem no sentido de que deve prevalecer o princípio da proteção da parte hipossuficiente e o princípio da função social da empresa, que impõe a continuidade do pagamento dos salários mesmo sem a prestação dos serviços pelo empregado. Ainda, considera-se que os riscos do negócio pertencem ao empregador, prevalecendo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.2
Vale destacar que a alta previdenciária é ato administrativo com presunção de legitimidade e veracidade, sendo que o ônus, nestes casos, é do empregador, de demonstrar que, ao contrário do entendimento do INSS, o empregado ainda se encontra inapto para o exercício de suas atividades e deve continuar recebendo benefício previdenciário.
Neste sentido, o empregador deverá informar a sua conclusão à autarquia previdenciária, bem fundamentada e acompanhada de relatório médico, e o empregado deverá apresentar recurso administrativo com a finalidade de restabelecimento do benefício. Caso o recurso administrativo seja acolhido, resultando na reversão da alta previdenciária com o reconhecimento da manutenção da incapacidade laboral do empregado, o INSS restabelecerá o benefício pagando todos os valores retroativos desde a data da alta previdenciária, sendo possível ao empregador acordar com o empregado que eventuais valores pagos pela empresa, entre a alta previdenciária e o restabelecimento do benefício, serão restituídos por este. Se o recurso for rejeitado e o INSS mantiver a sua decisão quanto à alta previdenciária, é possível à empresa ingressar com ação judicial para desconstituir a alta médica indevida. Caso a decisão do INSS seja revertida na esfera judicial, a empresa pode se valer de ação regressiva contra o órgão para se ressarcir dos valores pagos ao empregado.
Por outro lado, optando a empresa por deixar o empregado no "limbo previdenciário", sem garantir-lhe o pagamento dos salários enquanto se aguarda a solução do impasse, ficará exposta ao risco de uma demanda judicial com possível decisão determinando-se o pagamento de todos os salários do período, acrescidos de juros e correção monetária, além de possível condenação no pagamento de danos morais.
Como se vê, trata-se de uma situação delicada e sensível tanto para o empregado quanto para o empregador, de modo que devem ser bem avaliados, caso a caso, todos os prós e os contras em relação às decisões a serem tomadas.
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1 IMPASSE ENTRE A PERÍCIA DO INSS E A AVALIAÇÃO MÉDICA DA EMPRESA. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. EMPREGADO QUE PERMANECE POR UM PERÍODO SEM RECEBER SALÁRIOS. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. O caso dos autos diz respeito à situação em que se configura um impasse entre a avaliação perpetrada pelo perito do INSS, que considera o trabalhador apto ao trabalho, e o perito médico do trabalho, que entende que o empregado não tem condições de voltar a trabalhar. Trata-se de situação que é denominada pela doutrina de “limbo-jurídico-previdenciário”, que se caracteriza por ser um período no qual o empregado deixa de receber o benefício previdenciário, e também não volta a receber os seus salários. A esse respeito, o entendimento predominante no âmbito desta Corte é no sentido de que a responsabilidade pelo pagamento dos salários é do empregador. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e não provido.” (TST, RR 2690-72.2015.5.12.0048, 4ª Turma, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, 10/03/2017).
2 PAGAMENTO DE SALÁRIO DO PERÍODO DE AFASTAMENTO. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. Instaurando-se divergência entre o INSS e o empregador sobre a aptidão do empregado para o trabalho, prevalece o ato da autarquia previdenciária, por gozar de presunção relativa de legitimidade e veracidade. Nesse contexto, recusando-se o empregador a fornecer trabalho ao empregado, deixando de readaptá-lo para o exercício de funções compatíveis com as limitações verificadas pelo médico da empresa, comete ato ilícito por abuso do poder diretivo, quebrando o equilíbrio decorrente do caráter sinalagmático do contrato de trabalho, incorrendo em ofensa ao art. 187 do Código Civil. Vale lembrar que a empresa não se esgota em sua função de produção e comercialização de bens e serviços, devendo exercer a sua função social, direcionando-se pelos princípios da boa-fé, solidariedade social e dignidade da pessoa humana, vértice do ordenamento jurídico. No caso em espécie, no período de novembro de 2012 a fevereiro de 2013, a empregada não recebeu o benefício previdenciário, tampouco o seu salário. A recusa do empregador em fornecer trabalho ao reclamante o deixou por um período de quatro meses sem qualquer tipo de sustento, o que justifica a condenação. Por fim, a jurisprudência desta Corte tem entendido que a responsabilidade pelo pagamento dos salários do período de limbo previdenciário é do empregador. (TST; RR 0020011-74.2012.5.04.0331; Terceira Turma; Rel. Min. Alexandre de Souza Agra; DEJT 25/05/2018; Pág. 3250)