Aprovada em 31 de outubro de 2003 pela Assembleia-Geral das Nações Unidas e ratificada pelo Brasil em 31 de dezembro de 2006 por intermédio do decreto 5.687/06, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção ou Convenção de Mérida foi instituída a partir da preocupação dos Estados ante a gravidade e as ameaças decorrentes da corrupção, para a estabilidade e a segurança das relações sociais, bem como ao enfraquecer as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça1.
Entre suas finalidades, a Convenção propôs-se a promover e fortalecer as medidas para prevenção e repressão eficazes frente à corrupção e a estimular a integridade, a obrigação de prestar contas e a devida gestão dos recursos públicos, compreendidos como assuntos e bens públicos. O dia 09 de dezembro, reconhecido mundialmente como Dia Internacional de Combate à Corrupção, nos relembra deste enorme desafio.
Diante dos dados coletados pela Transparência Internacional e avaliados pelo Índice de Percepção da Corrupção (IPC), no ano de 2019, o Brasil ocupou a 106ª posição, em um rol de 180 países analisados, no ranking sobre o monitoramento e a percepção da corrupção2. No referido ano, a nota atribuída ao Estado Brasileiro foi 35, a mesma de 2018, em uma escala de 0 (muito corrupto) a 100 (muito íntegro), evidenciando o 5º ano consecutivo de queda do país, cujos marcadores assemelham-se ao Egito, Albânia e Costa do Marfim3.
De acordo com o relatório, com especial destaque à realidade brasileira, “a corrupção ainda é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento econômico e social no Brasil. Com 35 pontos, o país segue estagnado, com sua menor pontuação no IPC desde 2012”. Além disso, ressalta-se que os avanços da agenda anticorrupção estão sob risco e a impunidade decorrente de atos de corrupção e improbidade administrativa tendem a enfraquecer a democracia e a desestabilizar o país.
Neste sentido, torna-se essencial destacar a relação entre a corrupção e o subdesenvolvimento. Há quem sustente um vínculo indissociável, como se a primeira fosse causa e ao mesmo tempo consequência do segundo. O fundamento para tal associação possui guarida, inclusive, no Relatório IPC 2019, que demonstra, proporcionalmente, que quanto maior o índice de corrupção de determinada nação, menores são seus indicadores sociais, ou seja, pior é a qualidade de vida da população4.
Isto ocorreria porque os atos de corrupção favoreceriam o crescimento dos problemas sociais preexistentes nos países subdesenvolvidos, à medida que os recursos destinados às políticas públicas e aos serviços públicos de educação, saúde e assistência social seriam vilipendiados pelos gestores.
Contudo, doutrinadores como Renato Janine Ribeiro advogam tese contrária, por entenderem que a corrupção não é fenômeno exclusivo dos países mais pobres, a exemplo dos inúmeros escândalos de corrupção historicamente deflagrados em países desenvolvidos, como a Itália de Berlusconi, a França de Chirac e os contratos públicos originados quando da invasão norte-americana ao Iraque5.
De todo modo, é indiscutível que a corrupção tem assolado o Brasil, fato que nos impõe, não só no dia 9 de dezembro, mas diariamente, refletir institucionalmente e coletivamente acerca da necessária mudança de mentalidade sobre a preservação dos recursos públicos e seus fins, bem como sobre a atuação preventiva e repressiva do Estado neste processo de conscientização.
Em virtude de sua natureza constitucional de instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 127 da Constituição Federal6 e do art. 1º da lei 8.625/937, cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais disponíveis, sendo uma de suas funções institucionais zelar pelo efetivo respeito aos Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública resguardados pela Constituição, promovendo judicial e administrativamente as medidas cabíveis contra atos de corrupção e improbidade administrativa.
Além disso, salienta-se que em 2013, quando Conselheiro do CNJ, propus no contexto do VI Encontro Nacional do Poder Judiciário, a meta nº 18, cujo objetivo era promover, até o fim do referido ano, o julgamento dos processos judiciais contra a Administração Pública e de improbidade administrativa ajuizados até dezembro de 2011.
Com o intuito de fornecer transparência para o monitoramento da Meta 18, criou-se o “Processômetro da Meta 18 do Judiciário”8, ferramenta que permitia aos cidadãos acessarem em tempo real informações sobre o julgamento de ações de improbidade administrativa e de crimes contra a Administração Pública em todos os Tribunais do país, incidindo forte controle social sobre a produtividade do Poder Judiciário.
Tanta é a relevância desta medida que, posteriormente, a mesma foi renumerada para Meta 4 e transformada em meta permanente das Cortes brasileiras. Durante o XIII Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado em 2019, foram aprovadas as 12 metas institucionais que nortearão a atuação dos 90 tribunais do país em 2020 e, entre as prioridades estabelecidas, encontra-se o julgamento dos processos relativos aos crimes contra a Administração Pública, à improbidade administrativa e aos ilícitos eleitorais9.
No âmbito do Ministério Público do Estado do Pará, muitas ações contra atos de corrupção perpetrados por organizações criminosas são praticadas. Por meio do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado – GAECO, atividades de identificação, repressão, combate e prevenção às ameaças de organizações criminosas à democracia brasileira têm sido desenvolvidas, constituindo canal permanente entre as instituições públicas e a sociedade civil.
Entre tentativas de avanço, cumpre ressaltar a recente instituição do GAECO no Ministério Público Federal no Pará, com a finalidade de combater o crime organizado, sobretudo à corrupção, evidenciando a urgência de atuação estatal face estes delitos que flagelam a sociedade e impedem o gozo dos direitos pelos cidadãos10.
Portanto, em alusão ao Dia Internacional de Combate a Corrupção, reforça-se que a luta contra a corrupção constitui mister institucional frente ao qual o Ministério Público do Estado do Pará não se omitirá, considerando os inúmeros esforços institucionais realizados no enfrentamento deste crime, bem como diante de uma sociedade farta da impunidade, que não inibe gestores ímprobos.
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1 BRASIL. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003.. Decreto Nº 5.687, de 31 de Janeiro de 2006. Brasília, 31 jan. 2006. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 08 dez. 2020.
2 Transparência Internacional. ÍNDICE DE PERCEPÇÃO DA CORRUPÇÃO 2019. 2020. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 08 dez. 2020.
3 SHALDERS, André. Brasil cai pelo 5º ano seguido no 'Ranking da Corrupção' e está empatado com Albânia e Egito. 2020. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 08 dez. 2020.
4 MUNDO EDUCAÇÃO. A estreita relação entre o subdesenvolvimento e a corrupção. 2020. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 08 dez. 2020.
5 RIBEIRO, Renato Janine. A corrupção e o desenvolvimento. 2011. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 08 dez. 2020.
6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Disponível em: clique aqui. Acesso em: 08 dez. 2020.
7 BRASIL. Lei Nº 8.625, de 12 de Fevereiro de 1993.. Brasília, Disponível em: clique aqui. Acesso em: 08 dez. 2020.
8 CNJ permite acompanhamento em tempo real da Meta 18.
9 CNJ. Judiciário aprova 12 metas nacionais para 2020. 2019. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 08 dez. 2020.
10 MPF. Atuação conjunta: PGR prorroga designações de procuradores para atuar no Rio de Janeiro e no Paraná. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 08 dez. 2020.