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Fechadas as portas, encontram-se sempre janelas – A recorribilidade das interlocutórias

Não parece razoável obrigar-se a parte a suportar longa espera, para, só então, interpor um insólito recurso de apelação e com o objetivo de reagir contra determinada interlocutória, abrangida pelo parágrafo único do art. 1015 do CPC.

8/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

No último dia 3/12/20 o STJ decidiu três recursos afetados como repetitivos, os três de Mato Grosso: REsp 1.707.066, REsp 1.712.231, REsp 1.717.213, todos de relatoria da ministra Nancy Andrighi. O Tribunal fixou, por unanimidade, a tese da recorribilidade de todas as decisões interlocutórias proferidas ao longo do procedimento baseado na Lei de Recuperação Judicial e Falências, nos termos do excelente voto da relatora.

A nosso ver, essa decisão se se revela acertadíssima, por várias razões. Primeiro, porque evidencia a imprescindível atuação conjunta do Legislador, da advocacia e do Judiciário na construção do direito. Depois porque, muito embora a literalidade dos textos normativos admita alguma flexibilização quando de sua interpretação, o grande desafio é encontrar (e não ultrapassar) esses limites na situação concreta. Ainda mais quando se trata do Tribunal cujo papel constitucional é o de dar a última palavra sobre o sentido do Direito Federal. Por isso, e também sob aspecto, andou muito bem o STJ na leitura que deu ao parágrafo único do art. 1.015 do CPC.

Embora o texto desse dispositivo não preveja expressamente o cabimento do agravo de instrumento nos procedimentos de recuperação judicial e falência, as hipóteses ali previstas se revelam, claramente, exemplificativas.

Muito mais do que limitar o cabimento do recurso a poucas alternativas, a ratio essendi do parágrafo único é, nitidamente, bem mais ampla: busca tornar agravável de instrumento todas as interlocutórias, sempre que os procedimentos nos quais são proferidas não terminam com sentenças apeláveis.

Basicamente, isso acontece em duas situações: (I) quando o procedimento termina por uma interlocutória ou (II) por uma sentença sui generis. Considerar que o agravo não seria cabível em tais casos, equivaleria a condenar à irrecorribilidade todas as interlocutórias proferidas nesses contextos.

Há situações em que o procedimento termina com decisão agravável. Nem por isso esse agravo poderia “carregar” a impugnação das interlocutórias proferidas no curso do feito. Do mesmo modo, há outros casos em que os procedimentos terminam com sentenças, mas contra as quais, normalmente, não se interpõe apelação. Então, nessas situações, o veículo para levar ao tribunal o inconformismo da parte ou não existe ou não é utilizado.

As hipóteses previstas no art. 1.015, parágrafo único, se encartam todas aí. Não são, porém, as únicas em nosso sistema. Por isso e diante de vedação em sentido contrário, o rol desse dispositivo pode ser considerado exemplificativo, permitindo (rectius, recomendando) interpretação analógica.

Interpretar analogicamente consiste em se aplicar a regra, descrita na lei, a caso semelhante àquele ali já expressamente regulado. Trata-se de perceber a razão que levou o Legislador a listar as hipóteses ali constantes e incluir, pela via interpretativa, outra na qual a mesma razão esteja presente.

A lei de Recuperação Judicial e Falências é anterior ao CPC. Por isso, nada diz sobre recorribilidade das interlocutórias. Não era necessário, pois sob a égide do CPC de 1973 todas as interlocutórias eram agraváveis, seja pela via do agravo retido ou do de instrumento. O regime dos agravos mudou e, certamente, o legislador de 2015 se esqueceu de incluir tais hipóteses na lei. Isso, todavia, não traz prejuízo algum, já que tais hipóteses podem (ou, de rigor, devem) ser incluídas pela via interpretativa.

A decisão que encerra o procedimento de recurso e falência é sentença sui generis, cujo conteúdo se limita a dizer, pura e simplesmente, que o procedimento está encerrado. A estrutura do procedimento da lei de recuperação e falências é equiparável, portanto, à da execução de título extrajudicial e à do cumprimento de sentença.

A sentença que existe nesses processos não decide o mérito: diz apenas que o processo acabou. Portanto, ordinariamente, delas não se apela. São sentenças, como dissemos antes, sui generis.

Também inegável que, nesses procedimentos, são proferidas decisões interlocutórias com sensível impacto na esfera jurídica das partes (como, p.ex., a venda de ativos). Retirar do interessado a recorribilidade imediata contra tais decisões, postergando sua impugnação para eventual apelação contra sentença que, de rigor, nem apelável é, viola, em última análise, o próprio devido processo legal. Na prática, acabaria certamente por reabilitar o mandado de segurança contra ato judicial.

Outro ponto importante merecedor de comentários elogiosos: a modulação. Nesse julgamento, o STJ modulou a os efeitos do novo precedente, dizendo que este alcançará todas as situações pendentes. Isto é, todos os agravos e seus desdobramentos, ainda não definitivamente julgados, quando da publicação do acórdão.

Nada disse, porém, sobre como ficam as decisões interlocutórias ou não impugnadas ou cujos agravos não foram admitidos, justamente por força da interpretação restritiva do art. 1.015 do CPC. Deve a parte continuar aguardando o recurso de apelação para impugná-las?

Como a preclusão não se operou (a possibilidade de sua impugnação foi apenas postergada para momento futuro), essa situação, em nosso sentir, mereceria tratamento diferenciado.

O espaço deste texto é limitado demais para tal análise. No entanto, realmente não parece razoável obrigar-se a parte a suportar longa espera, para, só então, interpor um insólito recurso de apelação e com o objetivo de reagir contra determinada interlocutória, abrangida pelo parágrafo único do art.1015 do CPC. Tudo porque teve o azar de a inadmissibilidade de seu agravo se tornar definitiva antes da decisão do recurso repetitivo.

Então, ao menos para aquelas situações em que a parte interpôs o agravo e este não foi admitido em razão da aplicação equivocada do art. 1.015, a oportunidade de se interpor o recurso talvez devesse ser reaberta, desde que o interesse e utilidade para tanto continuem presentes.

Não se trata de fazer retroagir os efeitos de precedente qualificado para situações já consolidadas. A oportunidade para recorrer, aí, não desapareceu. Apenas foi postergada. Portanto, antecipar o recurso e restabelecer os rumos do procedimento, equivale a não retirar da parte a proteção jurisdicional em prazo razoável.

Seja como for e a título conclusivo, reforçamos aqui o caráter emblemático desse julgamento. Não apenas pela tese em si (que, a nosso ver, parece corretíssima) mas, também, porque mostra em concreto a dinâmica da formação de precedentes (realmente) qualificados: a fixação de uma pauta de conduta para o jurisdicionado, que leva em conta os limites impostos pelo texto normativo e leva em conta a orientação dada pelo jurisprudência que a precedeu. Vê-se, aqui, a criação do direito, como fruto da atuação conjunta do Legislador, da advocacia e do Judiciário, no âmbito dos nossos tribunais Superiores.

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*Teresa Arruda Alvim é sócia do escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados. Livre-docente, doutora e mestre em Direito pela PUC/SP.





*Evaristo Aragão Santos é doutor pela PUC/SP. Professor em cursos de pós-graduação lato sensu. Conselheiro titular da OAB/PR. Sócio do escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados.

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