Migalhas de Peso

Tempo de espera do motorista rodoviário

A nova legislação trouxe profundas alterações, na legislação anterior, principalmente quando falamos de tempo de espera.

8/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

O cômputo e pagamento do tempo de espera do empregado motorista é um tema sempre muito polêmico, e que gera dúvidas para maioria das empresas do ramo de transportes. A confusão se dá por conta a interpretação da lei que não é clara.

Para melhor contextualização, após a greve dos caminhoneiros em fevereiro de 2015, foi aprovada a lei 13.103/15, que sucedeu a lei 12.619/12. A nova legislação trouxe profundas alterações, na legislação anterior, principalmente quando falamos de tempo de espera.

Opiniões pessoais a parte, nossa missão é esclarecer o que diz a lei e auxiliar o empresário na aplicação correta, evitando futuros litígios.

A nova redação do artigo 235-C da CLT, em seu parágrafo 8º, esclarece o que é considerado tempo de espera, sendo as horas em que o motorista profissional empregado fica aguardando carga ou descarga do veículo, além do período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias. Importante apontar que o mesmo parágrafo informa que o tempo de espera não é computado como jornada de trabalho, e nem como hora extraordinária.

E aqui temos nosso primeiro conflito de interpretação: a lei estabelece que o tempo de espera não será computado como jornada de trabalho. Assim, mesmo durante a jornada de trabalho, se o motorista precisar realizar operações de carga ou descarga, o tempo gasto será considerado como tempo de espera, e não como tempo de trabalho, ou seja, não será contado na jornada de trabalho do motorista.

Ora, como interpretar tal dispositivo, já que há claramente um conflito com a Constituição Federal (artigo 7º VI, XXII) e a própria Consolidação das Leis Trabalhistas (artigo 4º).

Alves Miranda destaca que, “por estar à disposição do empregador, não deveria o tempo de espera ser excluído da jornada de trabalho do motorista”1. E não é só: se o motorista já ultrapassou sua jornada diária de 8 horas, mas permanece em carga ou descarga, ou qualquer outra situação considerada como tempo de espera, deverá receber por esse período de forma indenizada, na proporção de 30%, e não como hora extraordinária.

Estamos diante de uma inconstitucionalidade trazida pela Lei, já que no tempo de espera teria o motorista negado seu direito ao recebimento de salário contratual, recebendo tão-somente uma indenização, nos termos da lei 13.103/15. Aliás, o parágrafo 9º estabelece que o tempo de espera será indenizado na proporção de 30% do salário normal. Veja que exclui-se das normas aplicadas as horas extras, uma vez que se fala em horas indenizadas. Corolário lógico, são afastados reflexos em outras verbas, a exemplo de FGTS, 13º salário e férias.

Com o fim de dar vida útil as horas em tempo de espera, o parágrafo 11 normatiza que se o tempo de espera for superior a 2 (duas) horas ininterruptas, com exigência do motorista junto ao veículo, e claro, caso o local ofereça condições adequadas, o tempo será computado como de repouso.

Só para esclarecer: o tempo de repouso está contido nos parágrafos 2º e 3º do mesmo artigo, e se referem ao intervalo para refeição e descanso (1 hora), chamado intervalo intrajornada, e, mais, o intervalo de descanso entre o fim de uma jornada e início da jornada seguinte deve ser de 11 horas.

Aqui é importante esclarecer que, uma vez que o empregado é obrigado a permanecer junto ao veículo, não será o intervalo gozado em sua plenitude. Afinal, o motorista não tem a liberdade de locomoção, devendo inclusive realizar pequenas movimentações quando necessário.

Igualmente, a imposição de permanência junto ao veículo confronta a Convenção 153 da Organização Internacional do Trabalho, que trata da jornada dos motoristas. Ainda que não ratificada pelo Brasil, estabelece o artigo 8º.5 que “durante o descanso diário, o condutor não deve ser obrigado a permanecer no veículo nem na proximidade do veículo, desde que tenha tomado as precauções necessárias para garantir a segurança do veículo e a sua carga”.

A reflexão trazida a respeito das interpretações quanto ao tempo de espera serve ao propósito de auxiliar o empresário no momento de calcular a forma de pagamento das horas laboradas por seus empregados.

Devemos lembrar que, sempre que o motorista empregado estiver exercendo a atividade de direção, as horas que ultrapassem a jornada normal serão remuneradas como horas extras, com adicional mínimo de 50%.

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1 ALVES, Miriam Ramalho. Tempo de espera na nova lei dos motoristas. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3431, 22 nov. 2012. Disponível clicando aqui. Acesso em: 12 ago. 2015.

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CARVALHO, Almir Antônio Fabricio de. TEMPO DE ESPERA NA NOVA LEI DO MOTORISTA (LEI 13.103/15) – ANOMALIA JURÍDICA DO TEMPO DE TRABALHO QUE NÃO É CONSIDERADO COMO TEMPO DE TRABALHO. Disponível clicando aqui. Acesso em 19.nov.2020.

ALVES, Miriam Ramalho. Tempo de espera na nova lei dos motoristas. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3431, 22 nov. 2012. Disponível clicando aqui. Acesso em: 23. nov. 2020.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. C153 - Convenio sobre duración del trabajo y  períodos de descanso (transportes por carretera), 1979 (núm. 153). Disponível clicando aqui. Acesso em: 23. nov. 2020.

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*Renata Proximo é pós-graduada em Direito Empresarial e Direito Corporativo e Compliance (EPD). Especialista em Relações Trabalhistas e Sindicais, Compliance Trabalhista e Proteção de Dados. Advogada e consultora trabalhista. Membro da Comissão de Direito do Trabalho OAB Campinas.




*Ricardo Calcini
é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

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