Recentemente, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, órgão máximo de harmonização da jurisprudência no âmbito interno do STJ, chegou a um consenso sobre a interpretação do parágrafo único do artigo 42 do CDC (Código de Defesa do Consumidor), que versa sobre o instituto da repetição de indébito nas relações de consumo (tema repetitivo 954). Trata-se da versão consumerista do artigo 940 do Código Civil, que dispõe sobre a repetição de indébito nas relações cíveis.
São dispositivos que ainda geram muitas dúvidas no meio jurídico, seja quanto à conceituação, aos requisitos ou à aplicabilidade. Este artigo tem o objetivo de esclarecer essas confusões, tanto de forma ampla, quanto à luz da principal mudança estabelecida pela Corte Especial em relação à interpretação da norma.
A Corte Especial discutiu a necessidade de comprovação ou não de má-fé para a condenação à devolução em dobro do valor pago indevidamente pelo consumidor, cuja orientação variava de acordo com a turma, entendendo-se pela repetição na forma simples, em diversas situações, em razão do disposto na parte final do art. 42, parágrafo único, do CDC, que exclui a hipótese de repetição em dobro, se houver “engano justificável”.
Na decisão, o STJ consolidou um entendimento intermediário: o de que a devolução em dobro é cabível se ficar configurado que a cobrança foi contrária à boa-fé objetiva, ou seja, aos princípios de honestidade, lealdade e informação exigidos das partes (artigo 4º, inciso III, do CDC; vide também artigo 422 do Código Civil).
A Corte Especial excluiu, portanto, a necessidade de comprovação de má-fé pelo consumidor, impondo ao fornecedor o dever de demonstrar que a cobrança indevida decorreu de um engano justificável. Vale lembrar que é indispensável a demonstração do efetivo pagamento para aplicação da norma, não sendo suficiente a simples cobrança indevida.
Importante pontuar-se que, diferentemente do que determina o CDC, o art. 940 do Código Civil estabelece que, nas relações cíveis em geral, inclusive consumeristas (STJ, REsp 1.645.589/MS), há sanção à simples “cobrança indevida” – desde que exercida por meio de ação judicial (STJ, REsp 872.666/AL) –, ou seja, basta o credor demandar judicialmente o pagamento de dívida já paga (caso em que deverá devolvê-la em dobro) ou a maior que o devido (quando será exigida a devolução simples).
Portanto, a Corte Especial do STJ, apesar de ter tomado uma decisão polêmica, não ultrapassou o que a lei diz, cumprindo o seu papel de uniformização da jurisprudência relacionada a legislação federal. Com a pacificação do entendimento do parágrafo único do artigo 42 do CDC, potencialmente prejudicial às empresas à primeira vista, o tribunal garante segurança jurídica às relações de consumo e deverá incentivar um gradual processo de aperfeiçoamento das cobranças por parte dos fornecedores.
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