Em tempos de polarização política, importante iniciar destacando que este texto não tem objetivos políticos para nenhum lado. Ao criticar-se um fato que aconteça hoje, apressados concluem que se trata de algo contra os governantes atuais, mas não, trata-se de algo que provavelmente está presente há muito tempo e atravessando vários governos, de vários matizes.
Problemas estruturais não surgem de um dia para o outro. São fruto de uma cultura que permite seu surgimento e manutenção. E o problema torna-se aceitável e com o tempo até se doura a pílula para que o problema não seja mais visto, ou seja apaziguado.
No campo racial, convivemos com inverdades como "o Brasil não é um país racista" ou inverdades relativas como "existem países mais racistas que o Brasil". De fato, se comparado a um país que permita o apartheid, qualquer outro se torna mais tolerante, mas não parece ser essa a questão.
A questão é enfrentar realmente de frente a questão racial, preconceitos e desigualdades em razão da raça, cor ou demais diferenças.
O argumento dos que combatem as cotas raciais é lógico, porém, parte de uma premissa falsa. Fundamenta-se no fato de que se a sociedade adota políticas de inclusão, de respeito a diversidades culturais, étnicas, raciais, etc., deve privilegiar a igualdade e não faz sentido a existências de políticas específicas ou restritas a determinado grupo.
Mas a premissa não se sustenta, histórica, política e culturalmente. Não é necessário especificar números exatos sobre a presença de afro descendentes em cargos diretivos de empresas públicas e privadas, sobre a presença da mulher nesses mesmos cargos, para verificar que no preenchimento dessas vagas, ainda persistem critérios que levam em conta o sexo ou a descendência das pessoas.
Nesse sentido, políticas de cotas raciais ainda são um "mal necessário". Ainda deve-se buscar corrigir enormes desigualdades através destas medidas excepcionais. E por mais que se diga que possam ocorrer abusos, dribles em brechas legais e outras artimanhas, esses argumentos não servem para invalidar a política como um todo.
E a política de cotas por si só não é o bastante. Não basta bradar que nos entendemos como sustentáveis, destruindo o meio ambiente, assim como não basta nos valorizarmos como justos e inclusivos quando em nossas empresas, mulheres, negros, orientais, etc. sejam minoria ou simplesmente não existam.
Encontra-se em discussão a proposta para a implementação de cotas raciais na OAB – Ordem dos Advogados do Brasil. Tal proposta prevê a reserva de vagas para negros em cargos diretivos da OAB Nacional e indubitavelmente representam um avanço na busca pela diminuição de desigualdade de espaços.
Aponta-se como possível falha na proposta o fato de que ela não explicita que tal cota se refira a vagas de titularidade ou seja, as vagas poderão ser destinadas apenas a suplentes e assim não se teria participação efetiva na entidade, mas apenas formal. De fato, corrigir essa brecha parece ser o mais adequado para evitar-se desvios.
Por outro lado, criar uma política de cota racial pressupõe o mínimo de consciência em relação àqueles a ela submetidos. Seria muito triste observar que brechas são usadas para que a desigualdade seja mantida.
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*Francisco Gomes Júnior é advogado sócio da OGF Advogados. Graduado pela PUC/SP. Pós-graduado em Direito de Telecomunicações pela UNB e Processo Civil pela GV Law - Fundação Getúlio Vargas. Ex-presidente da Comissão de Ética Empresarial e da Comissão de Direito Empresarial na OAB.