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Aplicação da Lei Maria da Penha em caso de violência doméstica praticada pela filha contra a mãe

Diante da divergência instaurada, é preciso, pois, aferir se o crime praticado contra a mulher (mãe, filha, avó), se enquadra, ou não, no conceito jurídico-formal de violência doméstica (artigo 5º, íntegra) da LMP.

30/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Na última quarta-feira, dia 25 de novembro de 2020, foi celebrado o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Em tempos de pandemia e isolamento social, a data ganha ainda mais relevo, pois dados indicam que os casos de violência doméstica contra as mulheres dispararam no Brasil.

Em um país que contabiliza setecentos e trinta (730!) casos de lesão corporal em contexto de violência doméstica e familiar por dia, ou seja, uma agressão a cada dois minutos, num vertiginoso crescimento de cinco vírgula dois por cento (5,2%) em relação ao ano passado1, a importância da Lei Maria da Penha (“LMP”) se torna ainda mais latente. 

A lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, que completou quatorze (14) anos neste ano, é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) um dos principais marcos legais na conquista pelos direitos das mulheres e vem produzindo uma profunda transformação no atendimento integral das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Como bem sabemos, a realidade está em constante transformação e, mais dia, menos dia, vão surgindo situações fáticas aparentemente inusitadas e que não foram original e expressamente contempladas no ato da confecção de uma determinada norma jurídica. Ou até foram, mas que, agora, ao sabor dos novos fatos, buscam uma interpretação mais adequada e mais razoável para um determinado caso.

Uma das situações que estão em franco debate no âmbito jurídico é se a LMP poderia ou não ser aplicada em caso de violência doméstica praticada pela filha contra a mãe2, especialmente com o fim de se obter as benesses legais, por exemplo, uma das medidas protetivas de urgência previstas no capítulo II da lei.

Verifica-se, inicialmente, que o legislador infraconstitucional optou por orientar a interpretação a ser feita pelo Poder Judiciário no sentido de levar em consideração os fins sociais a que se destina a LMP, “especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar” (artigo 4º).

É considerada violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão corporal, sofrimento físico, sexual ou psicológico, bem como dano moral ou patrimonial (artigo 5º, caput), praticada no âmbito da unidade doméstica (artigo 5º, inciso I), da família (artigo 5º, inciso II) ou qualquer relação íntima de afeto na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a mulher ofendida, independentemente de coabitação (artigo 5º, inciso III).

Ainda que se trate de lei que visa a proteger a mulher vítima da violência doméstica e familiar, o agressor pode ser não apenas o homem, mas também a mulher, pois a única ressalva feita pelo legislador é a de que tais relações pessoais independem de qualquer orientação sexual (artigo 5º, parágrafo único). Logo, lésbicas, bissexuais, transexuais e transgêneros também podem receber a proteção específica da LMP.

Ademais, o nosso legislador optou, expressamente, por apontar  que a LMP, por ser lei especial, prevalece sobre os dispositivos dos Códigos de Processo Penal e Civil, e sobre as leis relativas à criança e ao adolescente, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e ao idoso, o Estatuto do Idoso, que só serão aplicadas subsidiariamente (artigo 13), isto é, só poderão ser aplicadas as disposições legais referentes às normas que protegem crianças, adolescentes e idosos naquilo que a LMP não puder ser aplicada.

Portanto, diante da divergência instaurada, é preciso, pois, aferir se o crime praticado contra a mulher (mãe, filha, avó), se enquadra, ou não, no conceito jurídico-formal de violência doméstica (artigo 5º, íntegra) da LMP, bem como nas formas possíveis de violência doméstica e familiar contra a mulher (artigo 7º, íntegra), sob pena de se despontar em mais uma nova teratologia jurídica.

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1- Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Acesso em 27.11.2020.

2- Especialistas divergem sobre aplicação da Maria da Penha a caso entre mãe e filha Acesso em 27.11.2020.

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*Felipe Chiavone Bueno é advogado.

 

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