Recentemente, o podcast do "Trabalho em Pauta" do TST destacou o crescimento do teletrabalho durante a pandemia do coronavírus no país.
Isso se deve em razão de o trabalho prestado fora do ambiente físico do empregador ter se tornado uma das alternativas para a continuidade das atividades laborais em tempos de isolamento social, além de um grande aliado na manutenção dos empregos, e tudo nos leva a crer que o trabalho remoto, que multiplicou durante o estado de calamidade pública da covid-19, permaneça durante o tão falado e esperado "novo normal".
De acordo com a redação do artigo 75-B da CLT, dada pela lei 13.467/17 (reforma trabalhista), o teletrabalho é "a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo", e a MP 927/2020 editada no mês de março, que dispôs sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública, flexibilizou algumas regras pertinentes ao trabalho remoto, confirmando ser o teletrabalho uma das principais medidas a serem adotadas durante a pandemia do coronavírus.
E esta nova realidade, consistente no grande aumento do trabalho remoto, nos mostra que o regime presencial de trabalho não está diretamente ligado à produtividade do empregado. Aliás, certamente alguns empregadores se depararam com empregados que se adaptaram ainda melhor a esta nova modalidade de trabalho realizado fora das dependências físicas da empregadora, com melhor desempenho e, consequentemente, melhores resultados, já que proporciona flexibilidade do tempo de trabalho, redução do tempo de deslocamento, dentre outros pontos positivos.
A verdade é que o mundo está em transformação, e este aumento do trabalho remoto é o reflexo de que a seara laboral veio se adaptando às mudanças. Ao mesmo tempo, esse grande aumento do regime de teletrabalho exige cautela e justifica o estabelecimento das suas regras entre empregado e empregador, através de aditivo contratual.
O primeiro aspecto que merece ser objeto de reflexão é a ausência de controle de jornada do empregado em regime de teletrabalho, o que pode afrontar diretamente o direito de desconexão do empregado. O inciso III do artigo 62 da CLT disciplina que os empregados que se ativam em regime de teletrabalho não se submeterão ao controle de jornada. Por sua vez, é incontroverso que é um direito fundamental do empregado se desconectar do trabalho fora do seu horário de expediente e durante o tempo destinado ao seu descanso.
Sabemos que uma das características do trabalho remoto é a utilização de "tecnologias de informação e comunicação", e o fácil manuseio dessas ferramentas certamente facilita o acionamento do empregado pelo empregador durante o seu período de folga, quer seja por um e-mail, por uma mensagem por algum aplicativo de conversa ou até mesmo por uma breve ligação. E o fato é que o trabalhador tem o direito de não trabalhar fora do seu horário de expediente, e esse direito do teletrabalhador pode ser tolhido exatamente em razão de ele, conforme vigente Legislação Celetista, não ter a sua jornada de trabalho controlada.
E ainda que o teletrabalhador se encontre elencado em uma das exceções dispostas no artigo 62 da CLT, é incontroverso que o empregador detém e pode utilizar mecanismos de controle, ainda que indiretamente, da jornada de trabalho de seus empregados remotos, e considerando que o Processo do Trabalho é regido pelo princípio da primazia da realidade, não é demais reconhecer que o empregador pode sim vir a ser condenado ao pagamento de horas extras e reflexos nas situações em que restar demonstrado que aquele, efetivamente, controlava a jornada de seus empregados e que havia habitual extrapolação da jornada diária de trabalho.
E nesse sentido, considerando que no Brasil não existe legislação específica quanto ao direito de desconexão do trabalhador, cabe ao empregador ter cautela e adotar medidas de preservação do direito de desconexão dos seus empregados, a fim de evitar que a sua saúde física, mental e sua qualidade de vida sejam afetadas pela ausência de desconexão do trabalho. Não é à toa que muito tem se falado da Síndrome de Burnout1 em tempos de pandemia nas redes sociais.
Outra preocupação diz respeito às condições do ambiente em que o serviço será prestado em regime de teletrabalho, já que existe, para o empregador, o risco do pagamento de indenizações por doenças ocupacionais decorrentes da ausência de orientações ergonômicas adequadas à realização do trabalho remoto e outros mecanismos de proteção a saúde física do empregado.
Ainda, as partes devem buscar suprir as lacunas da Legislação Celetista quanto ao teletrabalho, estabelecendo formalmente as regras acerca do fornecimento de todos os equipamentos necessários à regular execução do trabalho fora das dependências do empregador, do custeio e reembolso pelos gastos com telefone, energia elétrica e pacote de dados de internet relativos ao trabalho.
E por mais que o teletrabalho tenha aumentado desde março, e já delineadas algumas de suas grandes vantagens, esclarecemos que o teletrabalho também tem suas desvantagens, que são os riscos psicossociais de tal meio de prestação de serviço.
A OIT – Organização Internacional do Trabalho identificou que o regime de trabalho pode levar o empregado a altos níveis de estresse em razão do excesso de horas trabalhadas, da ausência do convívio do empregado com os demais colegas, além de ausência de "pertencimento à empresa".
Ao que tudo indica, o Direito do Trabalho ultrapassou uma importante barreira cultural, e tem se adaptado com sucesso à nova realidade, evidenciando que é possível sim um bom desempenho do trabalhador que atua fora das dependências físicas da empresa, fazendo o teletrabalho ter muito sentido no mundo pós-pandemia ou no “novo normal”. Para tanto, algumas arestas ainda precisam ser acertadas, para que os empregados e os empregadores absorvam o que o teletrabalho tem de bom.
1 Síndrome de Burnout é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, definido por Herbert J. Freudenberger como "um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional".
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