Eu defendo a tese de que a palavra julgar deve ser aplicada e/ou usada apenas para qualificar a decisão dos jurados em um processo de júri. Nas demais atividades do poder judiciário a palavra julgar deveria ser abolida.
Isto por que, se admitirmos que em um estado democrático de direito é possível o julgamento do próximo (exceto no tribunal do júri, como dito), a lei, ao que me parece, ficaria em segundo plano.
O estado através do poder judiciário não pode julgar ninguém, tanto é que quando o faz, não faz por si e sim entrega esta missão aos pares de quem está sendo julgado.
O júri sim julgou! Por que não precisa observar e nem entender de leis. Faz apenas com base naquilo que vê, sente, que acredita, ou seja, faz por convicção, não é imparcial.
Já o estado/poder judiciário não pode julgar. O poder judiciário não pode dançar conforme a música. Nem se fale na interpretação da lei ou em livre convencimento. Estas expressões ainda presentes na atividade jurídica brasileira são comuns em estados ditadores onde a lei é aplicada conforme a interpretação ou livre convencimento pessoal, naquele momento, de quem tem que dar a palavra final.
Nos estados onde há o império da lei não há margem para interpretá-la de acordo com a vontade pessoal de quem a lê.
Aliás, o fato de ser admissível na atividade jurisdicional convencimentos e interpretações diversas sobre o mesmo tema é o que contribui cada vez mais para descrença da sociedade com o poder judiciário.
Isto também é a causa principal para haver uma sensação na sociedade de que aqui o que impera é a injustiça e a corrupção.
Em verdade, quando se fala em termos jurídicos em interpretação e convencimento do juiz, é no que diz respeito à aplicação da lei aos fatos e não o contrário. É a atividade em que se convence o juiz que àquele fato deve ser aplicada a lei da forma já consolidada e interpretada.
Acontece que hoje o que vemos é o fato determinado como a lei deve ser interpretado e aplicado sob a justificativa do livre convencimento do juiz. Consequência: dependendo do fato (quem, como, onde, por que?), a lei é aplicada de forma diversa.
É fácil constatar esta mudança de posição no poder judiciário. Basta analisar algumas declarações dos representantes deste poder que se pautam sempre em afirmações como “interpretei desta forma”, “este foi meu entendimento”, para justificar cada vez mais, decisões questionadas pela sociedade e juristas em geral.
As raízes da divisão dos poderes pelo estado são cristalinas: executar (executivo), legislar (legislativo), aplicar e guardar a lei (poder judiciário).
Porém, cada vez mais, nota-se uma confusão entre esta divisão de poderes, notadamente quando falamos da atividade do poder judiciário.
É cada vez mais comum ver decisões do judiciário que se imiscuem nas esferas do executivo e legislativo, obrigando tais poderes a tomar decisões ou a deixar de tomá-las, mesmo quando tais deliberações seriam de competência exclusiva deles.
Tal fenômeno fere o princípio da separação dos poderes e dá ao judiciário, justamente o menos democrático de todos os poderes, o poder de dar a palavra final sobre todos os assuntos, mesmo aqueles que não são de sua competência.
Por mais que determinadas decisões tenham, em sua aparência, um aspecto positivo para o conjunto da sociedade, se elas não estiverem amparadas no ordenamento jurídico, mesmo a mais elogiável decisão, pode ser perniciosa, justamente por corroer e fazer erodir o ordenamento jurídico como um todo, ao assentar a ideia de que é o juiz que decide livremente.
Afinal, é sempre tênue a linha de onde termina a legítima interpretação hermenêutica e onde começa uma desaconselhável atividade legislativa por parte dos magistrados e magistradas.
Nenhum estado pode tolerar viver fora da legalidade ou transitando entre a legalidade e inovações judiciais alienígenas, quando comparadas ao ordenamento jurídico como um todo.
Quando observamos decisões muito amparadas em princípios ou valores morais, podemos estar diante de uma decisão pouco amparada no direito em si, que é o que está positivado e pactuado em nossa sociedade.
Caminhar diferente, é ir por uma trilha onde não há a segurança jurídica, e viver numa sociedade em que o direito é aplicado ao sabor dos ventos e das pressões, na mais perfeita anomia.
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*João Roberto Ferreira Franco é sócio-diretor do Escritório Lodovico Advogados.