No Brasil e nos demais países que adotaram o sistema baseado no civil law, a lei escrita é a fonte primária do direito, cabendo ao Judiciário o papel de aplicador da lei. Já nos países que sofreram a influência inglesa, desenvolveu-se um sistema distinto, baseado na teoria do stare decisis e no qual os precedentes judiciais tem força vinculante (binding authority).
Ao longo do tempo e em razão da forte sensação de injustiça que diferentes decisões distintas para casos idênticos podem gerar para a sociedade, os poderes legislativo e judiciário têm dado especial relevância à teoria do precedente judicial, emprestando-lhe, a eficácia vinculante, tais como as súmulas vinculantes, sumulas impeditivas de recursos, dentre outros. O excesso de processos, a morosidade, e a conhecida crise vivenciada pelo Supremo Tribunal Federal e demais Tribunais foram fatores decisivos para a construção das Súmulas vinculantes cuja normatização veio por intermédio das Emendas Constitucionais 03/93 e 45/04 que deram nova redação ao artigo 102, Par 2° da Constituição.
O atual Código de Processo Civil (artigos 489, 926 e 927), incorporou ao sistema jurídico brasileiro o sistema de precedentes, com força vinculante. Faz parte do sistema ainda o artigo 1036 do mesmo diploma legal que contempla os recursos repetitivos, ou seja, a multiplicidade de recursos com identidade de teses ou de fundamentos jurídicos.
A força obrigatória dos precedentes tem por meta a previsibilidade do sistema jurídico. O que se busca é que em casos iguais haja decisões idênticas. Por meio da sistematização da aplicação dos precedentes, a previsibilidade passa a ser mera consequência, tornando a segurança jurídica o objetivo desse sistema, que passa a ser mais justo e claro para todos.
A formação de precedentes se dará pelo julgamento em Plenário ou formação de Corte Especial, daqueles casos escolhidos pelo Tribunal Superior como representativo de controvérsia nas matérias que envolvem repercussão geral, recursos repetitivos e incidentes de assunção de competência.
No Superior Tribunal de Justiça, o aprimoramento da aplicação do sistema de precedentes é realizado pelo NUGEP - Núcleo de Gerenciamento de Precedentes - entidade vinculada ao Gabinete da presidência do STJ, que assessora o Presidente, gerenciando e unificando os procedimentos administrativos decorrentes da aplicação da repercussão geral, julgamento de casos repetitivos e dos incidentes de assunção de competência.
Desde a vigência do novo código processualista, diversos precedentes foram firmados no Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, em se tratando de matérias relacionadas diretamente ao agronegócio isso ainda não aconteceu, principalmente pela sua complexidade e envolvimento de muitos ramos do direito (ambientais, cíveis, tributários e até mesmo trabalhistas).
Por exemplo, é natural que as decisões relativas a qualquer operação mercantil ou aquelas que definam a abertura de linhas de crédito a produtores rurais sejam tomadas levando-se em consideração não apenas informações financeiras, mas também o cenário econômico e jurídico da ocasião. A formação dos precedentes pode ajudar a dar maior clareza nas negociações, diminuindo riscos e exposições desnecessárias, atributos indispensáveis fomentar o crédito. Note-se que aqui o uso da expressão “precedente” é feito em caráter amplo, já que, a princípio, o precedente serve como informação, mas não tem força obrigatória.
É um longo caminho para a consolidação da jurisprudência, recursos repetitivos, construções de súmulas vinculantes. Exemplo disso são as decisões que deferem o processamento das recuperações judiciais aos produtores rurais, pessoas físicas, ou aqueles que tem registro com menos de 2 anos na junta comercial (artigos 1º e 48 da lei 11.101/05). Por duas vezes o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela possibilidade do produtor rural, com menos de 2 anos de registro como empresário, pedir a recuperação judicial, desde que comprove por outros meios a atividade. Tais decisões ainda carecem de confirmação e consolidação para que a questão seja dirimida definitivamente, mas a sua definição certamente traria mais segurança jurídicas às operações diárias das empresas nesse setor.
Certamente, haverá necessidade de formação de precedentes também sobre a interação entre o Estatuto da Terra e decreto 59.566/66 com a nova Lei da Liberdade Econômica – lei 13.874/19 sancionada recentemente. Os incisos I e III do artigo 2º preveem a liberdade como garantia das atividades econômicas e a intervenção excepcional do Estado sobre o exercício das atividades econômicas, contudo, o Estatuto da Terra e seu decreto regulamentador preveem o contrário.
Como se percebe, a falta de uma jurisprudência dominante contribui para que as empresas tenham uma posição mais cautelosa e conservadora, o que pode tornar muitas vezes as operações de financiamento mais onerosas, gerando produtos caros ou pouco competitivos no mercado. Os precedentes podem, nesse aspecto, tornarem-se mais um instrumento de orientação e apoio nas decisões a serem tomadas pelo setor definindo algumas incertezas e gerando um ambiente mais seguro. Prever e compreender com clareza as regras do jogo certamente tornará o agronegócio um mercado ainda mais rentável, seguro e lucrativo.
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