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Estabilidade gravídica em contratos temporários de trabalho: Entendimento do Tribunal Superior do Trabalho

Tem direito à estabilidade a mulher que descobre uma gestação no curso de um contrato temporário de trabalho?

6/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

Embora o ano de 2020 esteja sendo absolutamente atípico em razão da pandemia decorrente da covid-19, uma coisa é certa: ainda que de uma forma diferente, as festas de final de ano não deixarão de ser comemoradas.

Com isto, o comércio se prepara para as tradicionais vendas de presentes para a temporada de natal e ano novo, e se organizam para se reestabelecer diante de um cenário no universo varejista bastante diferente dos anos anteriores.

Parte desta preparação é a contratação de trabalhadores sob a modalidade temporária.

Esta modalidade contratual, além das garantias e regramentos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, é regulada também pela lei 6.019 de 03 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas.

Ocorre que uma questão, em especial, chegou recentemente ao debate no Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre as contratações temporárias: é possível que a empregada contratada como temporária, e que descobre uma gestação, teria a mesma garantia de estabilidade no emprego que a empregada contratada sob a modalidade comum, conforme previsto no art. 391-A1, da CLT e art. 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias?2

Veremos a seguir, a interpretação dada pelo TST tanto à lei 6.019/74 quanto à CLT, em seu art. 391-A, e o reconhecimento de transcendência política da matéria, além da importância da reafirmação deste entendimento para a segurança jurídica quanto ao tema.

Estabilidade da mulher gestante: Regras gerais

A estabilidade de mulheres gestantes e parturientes até o 5º mês após o parto é garantida pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), nos termos da redação do art. 10, inciso II, alínea b, que determina que até a promulgação de lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição Federal, que assim determina: fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Em 16 de maio de 2013, foi acrescentado à CLT, o art. 391-A (na Seção V, que trata da proteção à maternidade) que dispõe que a confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante do prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista no referido art. 10, inciso II, alínea b da ADCT acima mencionada.

Ocorre que a redação dada pelo Legislado no art. 391-A da CLT menciona a estabilidade gravídica no caso de gravidez advinda no curso do contrato de trabalho, não estabelecendo, no entanto, se tal estabilidade seria aplicável à todos os contratos de trabalho, indistintamente, ou se poderia haver alguma exceção, como na hipótese de contatos de trabalho temporários.

Assim, diante das possíveis interpretações entre cabimento ou não de estabilidade gravídica em contratos de trabalho temporário, o Tribunal Superior do Trabalho reafirmou sua tese sobre esta matéria, conforme veremos a seguir.

Entendimento do Tribunal Superior do Trabalho acerca da estabilidade gravídica nos contratos de trabalho temporário

Diante do silêncio da lei 6.019/74 (com redação prevista antes da Constituição Federal de 1988, portanto, sem as garantidas por ela trazidas), e diante da redação do art. 391-A da CLT, acerca da estabilidade de gestantes em contratos temporários, coube ao TST firmar entendimento sobre o cabimento ou não da estabilidade gravídica em contratos de trabalho temporário.

Foi por ocasião do julgamento do Incidente de Assunção de Competência 5639-31.2013.5.12.0051 (tema 02), que a Corte máxima do direito do trabalho, pelo seu Tribunal Pleno, fixou a tese de que “é inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei nº 6.019/1974, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

Muito embora o tema tenha sido pacificado pelo TST, especialmente pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, SDI-1, em recente julgamento (18/11/19), a matéria voltou ao debate na Corte Superior, quando do julgamento do recurso de revista 1002078-94.2017.5.02.0511.

Conquanto já tenha havido um leading case, o tema continua em pauta, e recentemente a Sexta Turma do TST reafirmou o entendimento já proferido pela SDI-1, no sentido de que não é cabível a estabilidade gravídica a empregadas contratadas em regime de trabalho temporário.

Em síntese, no novo caso sub judice, as empresas reclamadas alegaram que não se aplicaria a estabilidade prevista no art. 10, II, b do ADCT, vez que o término do contrato de trabalho temporário não configuraria dispensa arbitrária ou sem justa causa. O Tribunal Regional do Trabalho, ao contrário, julgou pela concessão da garantia ao emprego da gestante em regime temporário, aplicando a tese da súmula 244, III, do TST3, razão pela qual o processo chegou ao TST.

As alegações das empresas reclamadas no recurso de revista 1002078-94.2017.5.02.0511 prevaleceram, sendo reconhecida a inaplicabilidade da súmula 244, III, à empregada gestante contratada sob regime de trabalho temporário, por dissentir da tese vinculante do Incidente de Assunção de Competência - IAC 5639-31.2013.5.12.0051 (tema 02), que é mais recente.

A tese de ausência de estabilidade das gestantes em contratos temporários de trabalho foi firmada no TST após pedido de instauração do Incidente de Assunção de Competência pelo Ministro Alexandre Agra Belmonte, que fundamentou ser “incontestável a relevância da matéria, notadamente por envolver a interpretação do cânone constitucional da isonomia quanto ao contrato temporário, no que se reporta à aplicação da garantia igualmente constitucional da estabilidade da gestante em sede de contratos por prazo determinado. Tal circunstância leva-me a persistir na afirmação da necessidade de abordagem da questão, para fins de elucidação e pacificação de entendimento"

Ainda segundo os termos da fundamentação do IAC, o item III, da súmula 244 do TST, o direito à estabilidade gravídica se estende aos contratos de trabalho por tempo determinado, diferentemente da estabilidade gravídica em contratos de trabalho temporário, que não tinha tese ainda sedimentada.

No voto proferido no IAC, a ministra redatora designada, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, explica que o termo “dispensa arbitrária ou sem justa causa” previsto no art. 10, II, b, do ADCT, pressupõe uma continuidade laboral, “decorrente da expectativa de convolação em contrato por prazo indeterminado. O direito da gestante à estabilidade, nessa hipótese, decorre de sua expectativa legítima à continuidade da relação empregatícia, protegida contra a extinção arbitrária do contrato pelo empregador”.

Por outro lado, nos casos de contratos temporários, o término contratual é em decorrência do fim do prazo máximo ali previsto, ou seja, o fim do contrato não depende de iniciativa do empregador, não havendo, segundo o voto proferido, “como se reconhecer arbitrariedade na dispensa, por se tratar de termos finais estritamente previstos em lei”.

Por outro lado, nos casos de contratos temporários, o término contratual é em decorrência do fim do prazo máximo ali previsto, ou seja, o fim do contrato não depende de iniciativa do empregador, não havendo, segundo o voto proferido, “como se reconhecer arbitrariedade na dispensa, por se tratar de termos finais estritamente previstos em lei”.

Abre-se aqui um parêntese, para se esclarecer a diferença entre os contratos por prazo determinado, e os contratos temporários. No caso dos contratos por prazo determinado, o § 1º do art. 443, da CLT, dispõe que são considerados contratos por prazo determinado aqueles cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.

Nestes casos, segundo Sérgio Pinto Martins, “A CLT estabelece quais são as hipóteses em que é possível a celebração do contrato de trabalho por prazo determinado. Não cumprido o prazo estabelecido, o contrato passa a ser por prazo indeterminado.”, ou seja, pode haver a expectativa de continuidade contratual.

São exemplos de contratos por prazo determinado os de safra, de atletas profissionais, de técnico engenheiro, de obra certa, de artistas, e de aprendizagem, apenas para citar alguns.

Por outro lado, os contratos temporários são aqueles prestados por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário, que coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços, nos termos do art. 2º da lei 6.019/74.

Nos casos de contratos temporários, em tese, não há a expectativa de continuidade, ou seja, é de fato uma contratação para que seja suprimida uma situação transitória. Caso não haja disposição em contrário, o contrato temporário finaliza no marco determinado para seu término, ao passo que o contrato por prazo determinado poderá ser considerado por prazo indeterminado se outra não for a deliberação das partes.

De mais a mais, a ideia relativa à estabilidade gravídica não é outra senão a proteção ao bem maior tutelado, que é a vida do nascituro, e a garantia de alimentos a este novo ser. Vale aqui lembrar que a proteção ao nascituro é direito fundamental, constitucionalmente garantido, conforme verificamos, mas que encontra a limitação quando a contratação é decorrente de contrato de trabalho temporário, de acordo com a interpretação do Tribunal Superior do Trabalho.

Portanto, podemos concluir que embora regra geral a proteção ao trabalhador, em especial às trabalhadoras gestantes, seja uma máxima, o Tribunal Superior do Trabalho vem mantendo o seu posicionamento, no sentido de entender que não há estabilidade à trabalhadora gestante contratada em regime de trabalho temporário, por ser esta uma modalidade específica, com legislação própria, e com finalidade diversa da proteção pretendida pelo Legislador, quando da interpretação do art. 10, II, b, do ADCT.

_________

1 Art. 391-A. A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 

2 Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

[...]

II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

[...]

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

3 Súmula nº 244 do TST

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14/9/12) - Res. 185/12, DEJT divulgado em 25, 26 e 27/9/12

I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).

II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

_________

Brasil. Tribunal Superior do Trabalho – TST. Processo nº 5639-31.2013.5.12.0051. Disponível clicando aqui . Acesso em 02 de nov. de 2020.

Brasil. Tribunal Superior do Trabalho – TST. Processo nº 1002078-94.2017.5.02.0511. Disponível clicando aqui . Acesso em 02 de nov. de 2020.

Martins, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 26ª ed. São Paulo, Atlas: 2010, pág. 111.

_________

*Dannúbia Santos Sousa Nascimento é advogada, graduada em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Especialista em Direito Processual Civil e em Educação e Docência do Ensino Profissional e Superior. Membro do Grupo de Estudos em Direito Civil e Direito do Trabalho do escritório Petrarca Advogados.

*Carla Louzada Marques é advogada graduada pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Pós-graduada em Direito Público pela Escola da Magistratura do Distrito Federal. Especialista em Direito do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia do Distrito Federal. Sócia do escritório Petrarca Advogados.

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