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A proteção da gestante na lei 14.020/20

Umas das principais alterações legislativas implementadas através da medida provisória 936, foi a possibilidade de se realizar a suspensão do contrato de trabalho ou a redução proporcional da jornada (e salário) de todos os trabalhadores, inclusive da mulher gestante.

4/11/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Tema sempre fomentador de polemica, a estabilidade da gestante vem novamente sendo matéria para discussão. Em meio as diversas atualizações trabalhistas que ocorreram em face do novo coronavírus, não causa espanto que mais da metade tenha sido na área trabalhista devido às diversas repercussões sociais e econômicas.

Nesse sentido, umas das principais alterações legislativas implementadas através da medida provisória 936, com o objetivo de manter o emprego e a renda dos trabalhadores em geral, foi a possibilidade de se realizar a suspensão do contrato de trabalho ou a redução proporcional da jornada (e salário) de todos os trabalhadores, inclusive da mulher gestante.

Muito se debateu acerca deste assunto, uma vez que, por ser hipervulnerável, e a Constituição Federal ter concedido uma proteção especial, alguns doutrinadores consideraram inconstitucional a redução de salário da gestante. Além disso, há também posicionamentos no sentido de que o contrato de trabalho da gestante não pode sofrer nenhuma alteração, mesmo que por acordo individual, vez que ela já é detentora da referida estabilidade constitucionalmente garantida.

Assim, visando dirimir dúvidas, em 06/07/20, a MP 936 foi convertida na lei 14.020/20, estabelecendo em seu art. 10, a garantia provisória por período equivalente ao acordado para a redução da jornada de trabalho e do salário ou para a suspensão temporária do contrato de trabalho. In verbis:

Art. 10. Fica reconhecida a garantia provisória no emprego ao empregado que receber o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, previsto no art. 5º desta Lei, em decorrência da redução da jornada de trabalho e do salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho de que trata esta Lei, nos seguintes termos:

I - durante o período acordado de redução da jornada de trabalho e do salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho;

II - após o restabelecimento da jornada de trabalho e do salário ou do encerramento da suspensão temporária do contrato de trabalho, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão; e

III - no caso da empregada gestante, por período equivalente ao acordado para a redução da jornada de trabalho e do salário ou para a suspensão temporária do contrato de trabalho, contado a partir do término do período da garantia estabelecida na alínea “b” do inciso II do caput do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

O inciso III da referida lei estabeleceu uma proteção especial às gestantes, dispondo que, diferentemente dos outros empregados, a estabilidade deverá ser contada a partir do término do período da garantia estabelecida na alínea “b”, do inciso II, do “caput” do art. 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Referida norma estabelece que a estabilidade provisória da empregada gestante se inicia desde a confirmação e se estende até os 05 (cinco) meses após o parto, sendo este um dos principais direitos da trabalhadora na gravidez.

Além disso, a estabilidade provisória também foi abordada no art. 25 e no parágrafo único, da lei complementar 150 de 2015, a qual trata dos direitos dos empregados domésticos:

Art. 25. A empregada doméstica gestante tem direito a licença- maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário, nos termos da Seção V do Capítulo III do Título III da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto- Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Parágrafo único. A confirmação do estado de gravidez durante o curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea "b" do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Convém destacar o entendimento da emérita doutrinadora Vólia Bomfim Cassar, ao se referir ao artigo 10, II, b, da ADCT, o qual concedeu a estabilidade à gestante, visando evitar que as mulheres fossem demitidas por se encontrarem em estado gravídico, impedindo, desta forma, a sua discriminação, evitando assim o desemprego no momento em que a sua subsistência é extremamente necessária.

Dito isto, algumas polêmicas surgiram em torno desta questão. A primeira delas, senão a mais discutida, está relacionada a intertemporalidade da lei: a garantia vale apenas para as reduções e suspensões ocorridas após a vigência da lei 14.020/20, ou também para aqueles acordos firmados com base na medida provisória 936, de 1º de abril de 2020, que nada dizia sobre o tema?

Assim como ensina o professor José Afonso Dallegrave Neto, a garantia trazida pela lei 14.020/20 deve ser aplicável a todos os acordos que tiveram seu término da suspensão ou redução após a entrada em vigor da referida lei, sob o argumento de que a gravidez é um fenômeno de trato sucessivo, sendo, portanto, estendida à nova garantia (mais benéfica à trabalhadora), a todas as mulheres que encontram-se em estado gravídico e, portanto, em situação de hipervulnerabilidade.

Em contrapartida, Vólia Bomfim e Rafael Lara Martins defendem que a garantia em comento somente será aplicável aos acordos que foram celebrados entre empregadas e empregadores na vigência da lei 14.020/20. Isso porque a referida lei estabelece de forma expressa, em seu art. 24, o momento em que começam valer os seus efeitos. Senão vejamos:

Art. 24. Os acordos de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e de suspensão temporária do contrato de trabalho celebrados entre empregadores e empregados, em negociação coletiva ou individual, com base na Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, regem-se pelas disposições da referida Medida Provisória.

Parágrafo único. A norma interpretativa expressa no § 5º do art. 12 desta Lei aplica-se, inclusive, aos acordos firmados na vigência da Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020.

No que se referem às adotantes e àquelas que detêm a guarda judicial da criança, aplica-se no mesmo sentido a estabilidade prevista no art. 10 da lei 14.020/20, uma vez que a previsão contida no art. 1º, § 2º, da 11.779/08 (Licença maternidade), estende a licença maternidade também a este grupo de empregadas.

Em arremate, sem esgotar outros entendimentos sobre o tema, é certo que a Corte Superior Trabalhista ainda não enfrentou ainda o assunto, carecendo de posição jurisprudencial a elucidar a validade dos acordos individuais ou coletivos das gestantes celebrados na vigência da lei 14.020/20.

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CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho de acordo com a Reforma Trabalhista. 17ª edição. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método 2019.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais. 18ª Edição – São Paulo: LTR, 2019.

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*Lucianne Marchese Ardide é advogada graduada pela Universidade Paulista de Ensino – UNIP. Pós-graduanda em Direito do Trabalho pelo COGEAE.





*Thaina dos Santos de Souza é advogada graduada pela PUC/SP. Pós-graduanda em Direito do Trabalho pelo COGEAE.





*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.

 

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