Migalhas de Peso

Aquisição de terras por estrangeiros no país pela lei 5.709/71, e a soberania brasileira aos investidores internacionais

Visando estimular os investimentos e por via de consequência, contribuir para o desenvolvimento socioeconômico, o projeto de lei 2.963/19, tem por escopo regulamentar a aquisição, posse e o cadastro de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira.

27/10/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

Resumo

A aquisição de imóvel rural e de terras no país por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, bem como o direito de propriedade e a soberania brasileira foram tuteladas pela lei 5.709/711. Todavia, visando estimular os investimentos e por via de consequência, contribuir para o desenvolvimento socioeconômico, o projeto de lei 2.963/192, tem por escopo regulamentar a aquisição, posse e o cadastro de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira, ao passo que terá por objetivo ampliar a dimensão das áreas que poderão ser objeto de aquisição.

Introdução

A aquisição de terras por estrangeiros no Brasil é regulada, desde a década de 1970, pela lei 5.7093, que impede a compra ou o arrendamento de terras com mais que 50 módulos4 fiscais por estrangeiros. O limite, por município, equivale a 25% de seu território sob controle de cidadãos ou empresas de outras nacionalidades. Uma mesma nacionalidade estrangeira não pode deter mais do que 10% da área de um determinado município5.

Assim, a lei 5.709, de 7 de outubro de 19716, que “regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, e dá outras providências”, prevê diversas restrições à compra de terras nacionais, tanto públicas quanto privadas por estrangeiros, sejam estes, pessoas físicas ou jurídicas7.

Trata-se, portanto, a referida disposição legal, de um regramento bastante restritivo, uma vez que, em seus 21 artigos8, estabelece rígidos limites quanto à extensão de área e à localização de imóveis que possam ser adquiridos por estrangeiros. Não há dúvida acerca de serem justos os cuidados e preocupações referentes à garantia da incolumidade da soberania nacional, da defesa do território brasileiro e da segurança nacional.9 É o que se vê, por exemplo, na restrição estabelecida para a celebração de contratos de arrendamento por estrangeiros, determinada pelo artigo 23 da lei 8.629/9310, que dispõe:

Art. 23, Nos instrumentos que conferem o título de domínio, concessão de uso ou CDRU, os beneficiários da reforma agrária assumirão, obrigatoriamente, o compromisso de cultivar o imóvel direta e pessoalmente, ou por meio de seu núcleo familiar, mesmo que por intermédio de cooperativas, e o de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos.

Entretanto, visando criar um novo ambiente de negócios com objetivo de atrair investidores estrangeiros, incentivar a geração de emprego e a industrialização do agronegócio no país, tramita no Congresso Nacional, o projeto de lei 2.963/1911, tendo por escopo tratar da aquisição, posse e arrendamento de terras no Brasil, por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras12. Para além disso, o projeto prevê que o Congresso Nacional poderá, mediante decreto legislativo, por manifestação prévia do Poder Executivo, autorizar a aquisição de imóvel por pessoas estrangeiras além dos limites fixados na lei, quando se tratar da implantação de projetos prioritários para o desenvolvimento do país13.

Algumas importantes constatações são importantes para o nosso estudo, no sentido de que, os imóveis que estejam em faixa de fronteira ou em área considerada de segurança nacional, necessitam de assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional14 (CDN). No caso de aquisição ou arrendamento de imóveis rurais com área superior15 a 20 MEI (Módulo de Exploração Indefinida), por pessoas naturais estrangeiras, se faz necessária a apresentação de projeto de exploração do imóvel. As pessoas jurídicas, estrangeiras ou brasileiras equiparadas, em qualquer que seja a dimensão do imóvel rural16 devem obrigatoriamente apresentar projeto de exploração da área17.

No que diz respeito ao parcelamento de terra rural, tem-se que depende de prévia autorização do INCRA18, a fim de que seja verificada a viabilidade do projeto, bem como se ele atende às exigências técnicas, legais e regulamentares19, nos termos do Estatuto da Terra, lei 4.50520, de 1964, art. 61, § 2º.

Muito embora as legislações supramencionadas, sejam extremamente relevantes para a proteção que se pretende estender à soberania brasileira, território e segurança nacional, não se pode desprezar que a emenda constitucional 1, de 17 de outubro de 196921, já fazia expressa menção à função social da propriedade, no seu Título III, ao tratar de ordem econômica e social, assim dispondo:

“Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios:

III - função social da propriedade;”

Na referida Constituição, igualmente eram assegurados aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”22, do que se permite depreender claramente a inexistência de qualquer distinção entre os direitos assegurados a brasileiros e a estrangeiros, especialmente no que tange a propriedade.

Não obstante, vale destacar ainda que, para efeito de direito de propriedade franqueado aos estrangeiros, estão contemplados, tanto imóveis urbanos, quanto rurais, sendo que no que concerne a esses últimos, tem-se que para Avvad, os efeitos do conceito legal do imóvel rural se caracterizam como de grande importância para diversos fins, especialmente quando se trata da aquisição ou arrendamento de imóveis por pessoas estrangeiras, bem como o loteamento e desmembramento de imóveis rurais.23

O imóvel rural está conceituado pela lei 8.62924, de 25 fevereiro de 1993, art. 4º, inciso I, da seguinte forma: “Imóvel rural: é o prédio rústico da área contínua, independentemente da sua localização, que se defina ou possa destinar-se à exploração agrícola, pecuária, que se destina ou possa destinar-se à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindústria25.”

A despeito da emenda constitucional e da lei 8.629/93, não restam dúvidas sobre a tutela da soberania, da segurança e do território nacional, não por acaso que a soberania nacional consiste em princípio constitucional, insculpido já no artigo 1º, inciso I da Carta Magna, sendo imperioso que, mormente na atualidade, haja o devido monitoramento da inserção estrangeira na economia. Além disso, deve-se ter cautela com os investimentos de fundos soberanos de países com forte interesse na importação de produtos primários brasileiros. Todavia, por obviedade, não há como desprezar o fato de que o Estado pode regular o mercado, mesmo com uma legislação mais flexível ao investimento externo estrangeiro26.

Neste aspecto, suscita-se a necessidade de ponderação jurídica, eis que de um lado, havia um entendimento mais rigoroso da lei 5.709/71, que impedia a compra e o arrendamento de terras além dos limites nela contemplados. E de outro, com o transcurso do tempo, a tentativa de maior flexibilização das regras de aquisição por estrangeiros, com vistas a promoção do crescimento do investimento externo na economia27, inclusive no setor do agronegócio no País, bem como os negócios imobiliários intimamente relacionados aos contratos.

Além do PL 2.963/19, que trazia em seu bojo a intenção de majorar os limites da aquisição de terras por estrangeiros, tem-se no mesmo sentido o objetivo de estimular financiamentos pelo uso de terras, como garantias a estrangeiros. Na mesma toada, recentemente o presidente da República sancionou a medida provisória (MP) 897/1928, convertida na lei 13.98629, de 07 de abril de 2020, prevendo a possibilidade de utilização de imóveis rurais como garantia real, na tomada de crédito com investidores estrangeiros, que tende a estimular o financiamento externo no agronegócio, segundo especialistas30.

A despeito do estímulo à economia e do possível incremento na geração de empregos, não restam dúvidas de que a lei 13.986/20, bem como que o PL 2.963/1931, tratando da aquisição, posse e do cadastro de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira, poderão colocar em risco e fragilizar sobremaneira a soberania nacional, o que se caracteriza como afronta direta a um dos princípios constitucionais mais basilares da Carta Magna, facilitando ainda mais a exploração das terras brasileiras, assim como já vem ocorrendo no denominado cinturão MATOPIBA32.

O referido cinturão abrange os Estados do Nordeste e Norte, além de terras do Centro-Oeste, cuja propriedade já está sendo exercida por americanos, chineses e russos, que veem o Brasil como celeiro indispensável para seu consumo interno futuro, com a produção voltada totalmente para exportação33.

Assim, considerando todo esse arcabouço normativo, tem-se que muito embora o crescimento deva ocorrer, não se pode perder de vista os fundamentos que animaram a lei 5.709/71 que se encontram até hoje em consonância com a própria Constituição Federal, no sentido de resguardar o território, a soberania e a segurança nacionais.

Quer-se dizer com isso que, a abertura para novos negócios e para o desenvolvimento devem se dar tomando por base a cautela necessária, a fim de que alterações legislativas não nos deixem ao desabrigo da proteção almejada, em especial, pelo legislador constituinte, mesmo porque, de acordo com o projeto 2.963/19 poderá ser autorizada a aquisição de imóvel por pessoas estrangeiras além dos limites fixados na lei, quando se tratar da implantação de projetos prioritários para o desenvolvimento do país, o que conforme consta no PL, ocorrerá através de simples decreto legislativo, dependente apenas da manifestação do Poder Executivo.

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1 Disponível clicando aqui acessado em 18 de outubro de 2020.

2 Disponível clicando aqui acessado em 24 de outubro de 2020.

3 Disponível em: clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

4 Módulo Rural - Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

5 Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

6 Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

7 Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

8 Disponível clicando aqui acesso em 22 de outubro de 2020.

9 Aquisição de terras por estrangeiros é questão não resolvida. Acessado em 22 de outubro de 2020.

10 Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

11 Projeto de Lei – Disponível clicando aqui acessado em 20 de outubro de 2020.

12 Disponível em: clicando aqui acessado em 18 de outubro de 2020.

13 Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

14 Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

15 Instrução Normativa que dispões de total de áreas de imóvel rural por pessoa estrangeira. Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

16 Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

17 Disponível clicando aqui acesso em 22 de outubro de 2020.

18 Disponível clicando aqui acessado em 21 de outubro de 2020.

19 ALVIM, CAMBLER. José Manoel de Arruda, Everaldo Augusto. Estatuto da Cidade. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2014, p. 322.

20 Disponível clicando aqui acessado em 19 de setembro de 2020.

21 Disponível clicando aqui acessado em 20 de outubro de 2020.

22 ALVIM, CAMBLER. José Manoel de Arruda, Everaldo Augusto. Estatuto da Cidade. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2014.

23 AVVAD, Pedro Elias. Direito Imobiliário, Teoria Geral e Negócios Imobiliários. 4ª Ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2014, p. 548.

24 Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

25 ALVIM, CAMBLER. José Manoel de Arruda, Everaldo Augusto. Estatuto da Cidade. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2014.

26 Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

27 Disponível clicando aqui acessado em 22 de outubro de 2020.

28 Disponível clicando aqui acessado em 24 de outubro de 2020.

29 Disponível clicando aqui sancionada em outubro de 2020.

30 Disponível clicando aqui acessado em 24 de outubro de 2020.

31 Disponível clicando aqui acessado em 24 de outubro de 2020.

32 Disponível clicando aqui acessado em 24 de outubro de 2020.

33 Disponível clicando aqui acessado em 24 de outubro de 2020.

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*Debora Cristina de Castro da Rocha é advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso.




*Claudinei Gomes Daniel é acadêmico de Direito pela Faculdade Anchieta de Ensino Superior do Paraná - FAESP (Centro Universitário UNIFAESP). Colaborador do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Secretário de Presidência do Sindicato dos Advogados do Estado do Paraná.

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