Tema corriqueiro e frequentemente discutido no âmbito dos processos de recuperação judicial, é a sujeição e participação do Fisco em tal procedimento. Apesar da lei 11.101 de 2005 prever - em seu artigo 68 - que a União, os Estados, Municípios e o INSS podem propor parcelamentos diferenciados às empresas em recuperação judicial; e o Código Tributário Nacional, no artigo 155-A, parágrafo terceiro, também estabelecer que a lei especifica regulamentará parcelamento tributário em sede de recuperação judicial, as tentativas do Poder Legislativo não foram bem sucedidas.
Isso ocorre porque a lei 13.043 de 2014, ao instituir parcelamento especial às empresas em recuperação judicial, o fez com graves inconstitucionalidades, sem estabelecer redução de multas ou juros e sem prever a possibilidade de inclusão da totalidade dos passivos. Estes, por sua vez, limitam o parcelamento a prazo curto e a obrigação da desistência de qualquer discussão administrativa ou judicial acerca dos débitos, fazendo com que referida lei fosse rechaçada pelo Poder Judiciário e consequentemente obtendo baixa adesão por parte das empresas.
Diante disso, a obrigatoriedade da apresentação das certidões negativas previstas no artigo 57 da lei 11.101 de 2005, estava sendo dispensada nos processos de recuperação judicial, com a relativização do dispositivo legal, face a omissão legislativa acerca do tema. Entretanto, em junho de 2020, a MP do Contribuinte Legal foi convertida na lei 13.988 de 2020, a qual regulamentou a transação tributária, com regras para todos os contribuintes, inclusive para as empresas em recuperação judicial.
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional também editou a portaria 9917 de 2020, regulamentando a forma de adesão de parcelamentos tributários e, no último mês de setembro, por meio de uma medida liminar proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal - STF, doutor Luiz Fux, nos autos de reclamação proposta pela Fazenda Nacional, determinou a exigência da apresentação de certidões negativas tributárias, consoante previsão do artigo 57 da lei 11.101 de 2005.
A sequência destes fatos nos leva a questionar se chegou o momento do Fisco nos procedimentos de recuperação judicial, e nos parece que sim. Não pela decisão do eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal - STF, pois tal decisão não possui efeito erga omnes nem mesmo discute no mérito o questionamento, até porque não se trata de matéria constitucional. A decisão do ministro se pauta no questionamento da legalidade do Superior Tribunal de Justiça - STJ ter decidido sobre a matéria, infringindo a questão da "cláusula de reserva de plenário" - súmula vinculante 10, conforme artigo 97 da Constituição Federal, pela necessidade de se resolver o passivo fiscal nos processos de recuperação judicial.
Nesse sentido, destacamos que talvez a transação tributária não seja a legislação ideal para sanar a omissão legislativa sobre o tema, até porque esta nasceu também com diversos vícios, dentre eles a obrigação de desistência de recursos administrativos ou judiciais dos passivos transacionados; a obrigatoriedade de se transacionar a totalidade do passivo (nos termos da portaria da PGFN); a exigência de garantias para a realização do acordo; e ainda, diante das decisões recentes, a igualdade entre entidades sem fins lucrativos a verdadeiros agentes econômicos, podendo assim utilizarem os dispositivos da lei 11.101 de 2005 para sua recuperação econômica, infringindo o princípio basilar da transação tributária que é o da isonomia, de modo que não seria admissível o tratamento diferenciado às estes agentes econômicos, concedendo mais prazo e mais descontos a estas entidades, do que às empresas que visam lucro, fato trazido pela lei 13.988 de 2020.
Por outro lado, há vantagens para as empresas em recuperação judicial, visto que a capacidade de pagamento e o nível de risco destas empresas que buscam a transação tributária é ponto crucial para a definição de descontos e número de parcelas. Importante mencionar que as empresas em recuperação judicial são consideradas como contribuintes com passivos irrecuperáveis, o que em tese facilita a adesão em melhores condições. O desconto em multas e juros limitados a 50% e o parcelamento máximo de 84 parcelas, não é nem de longe a melhor alternativa, mas tem sido a melhor opção para equacionar o passivo fiscal federal de empresas em recuperação judicial, regularizando os débitos com o Fisco Federal. O negócio jurídico processual (NJP) por exemplo, previsto no artigo 190 do Código de Processo Civil e na portaria 742 de 2018 da PGFN, não prevê sequer descontos em juros e multas, apenas alongamento da dívida em 120 parcelas. Apesar do NJP incluir uma, algumas, ou todas as dívidas do contribuinte, sob esta ótica, a transação tributária será a melhor alternativa.
Os passivos de outros entes são um problema que ainda persiste, tais como Estados e Municípios, que em sua grande maioria não possuem legislação específica pertinente sobre o tema. Em tese, a lei 13.988 de 2020 e as portarias da PGFN não poderiam ser aplicadas, entretanto, seria possível aplicar o artigo 155-A, parágrafos quarto e quinto do Código Tributário Nacional, já que Estados e Municípios permanecem inertes sobre os parcelamentos de seus tributos para empresas em recuperação judicial, permitindo-se a utilização da lei Federal.
Diante deste cenário, a decisão emanada pela Presidência do Supremo Tribunal Federal – STF foi proferida em um momento que as empresas em recuperação judicial ao menos possuem alternativas para sanar seu passivo fiscal. Apesar de não prever as melhores condições e conter pontos que podem ser discutidos judicialmente, esta é a melhor fase legislativa desde 2005 para as empresas em recuperação judicial se equacionarem com o Fisco, pois não se pode admitir que as companhias desprezem seus passivos tributários sob a justificativa de que se tratam de dividas que não sofrem os efeitos da recuperação judicial. Porém, não se pode admitir a exigência feroz do Fisco em receber seus créditos das empresas em recuperação judicial, empresas estas que se encontram, geralmente, em piores condições financeiras.
Enquanto tramitam alterações para modernização da legislação falimentar, a melhor alternativa às empresas em recuperação judicial é analisar e optar pela transação tributária ou pelo negócio juridico processual até que, de uma vez por todas, o Legislativo, o Judiciário e o Empresariado entendam que essa situação apenas será solucionada com a participação efetiva do Fisco na recuperação judicial, sendo mais uma classe de credor que sofre seus efeitos encerrando todas as discussões intermináveis, que por vezes irão favorecer o Fisco e por vezes o empresário. Diante de todo o exposto, podemos assegurar que realmente chegou a hora do Fisco na recuperação judicial.
Amanhã, dia 14 de outubro, vamos debater o tema ao lado de profissionais renomados. O nosso encontro será no canal do Youtube do Migalhas, às 17h. Clique aqui e não perca!
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