A mediação tem se demonstrado como a maior aliada dos processos de recuperação judicial. Nota-se um constante processo de discussão e amadurecimento acerca da temática, a qual vem demonstrando resultados surpreendentes dentro dos processos de insolvência.
Acerca da matéria, verifica-se que “a mediação é a via ideal para aproximar credores e o devedor, no caso a empresa recuperanda, por meio de um terceiro imparcial, isto é, que não envolva conflito de interesses com qualquer das partes, nem mesmo o Administrador Judicial”1.
Nesse horizonte, percebe-se uma recente escalada normativa acerca do tema, considerando que, em outubro de 2019, o CNJ lançou a recomendação 58, que ditou os novos rumos da mediação nos processos de recuperação judicial. No mesmo anseio, o PL 6.229/05, atualmente em trâmite no Senado Federal, busca atualizar a lei 11.101/05 (legislação recuperacional vigente), dedicando uma seção exclusiva para tratar da mediação e conciliação em demandas dessa natureza.
Com o intenso processo de incentivo à conjugação dos métodos adequados de resolução de conflitos nos processos de recuperação judicial, torna-se pertinente discorrer acerca da função desse novo facilitador das negociações do processo em conjunto com a função do administrador judicial, uma das figuras mais importantes dentro das recuperações empresariais.
De breve modo, no que expressa a LFRE, o administrador judicial (AJ) é um profissional (pessoa física ou jurídica) de confiança nomeado pelo magistrado no momento de deferimento do processamento da recuperação judicial. Ele auxiliará a condução do processo, fiscalizará as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação, trará relatórios mensais da empresa devedora ao processo, dentre outros encargos. Trata-se de um ofício de alto grau de complexidade, necessitando muitas vezes de uma equipe multidisciplinar jurídico-financeira para exercer o cargo de forma eficaz, sendo essencial ao processo. Registre-se que esse profissional não defende nenhuma das partes, sendo um longa manus do magistrado, que o nomeia e estipula sua remuneração de acordo com o grau de complexidade da demanda em que atuará.
Nessa toada, oportunamente esclarecida a função do AJ, um pressuposto a ser considerado na mediação aplicada ao processo de recuperação judicial é o teor do art. 6º da recomendação 58 do CNJ2, que veda ao administrador judicial a atuação como mediador no mesmo processo.
Muito se debate acerca de tal vedação, questionando se esse profissional, como auxiliar do juiz, não poderia se aventurar mediando negociações entre credores e devedor. No entanto, é mister enfatizar que a resposta do embate é encontrada na base principiológica que sustenta o instituto da mediação, consolidada na lei 13.140/15, sobretudo em se tratando de processos de insolvência de alta complexidade.
É válido salientar que o processo de mediação deve ser guiado por princípios. Como dita o art. 2º da Lei de Mediação, deve ser seguida a: I) imparcialidade do mediador; II) isonomia das partes; III) oralidade; IV) informalidade; V) autonomia das partes; VI) busca do consenso; VII) confidencialidade e VIII) boa-fé. Dessa forma, ressalta-se que o mediador, com sua devida capacitação técnica, deve atuar como um facilitador da comunicação entre as partes.
Em casos em que a mediação é utilizada dentro de processos de recuperação judicial, seja ela na fase de negociação do plano de recuperação ou em se tratando de algum episódio incidental entre credor e devedor, a confidencialidade é o grande fator que vai distanciar a função do mediador e do administrador judicial. Explica-se: a efetividade da mediação muito se explica pelo simples fato de as partes poderem se abrir e expor ao mediador seus reais limites e interesses com a total garantia de sigilo, o que possibilita a construção de opções criativas pelas partes com o auxílio da refinada técnica empregada no procedimento.
Tal cenário não se confunde com o dever de total transparência dos atos e fiscalização do processo demandadas ao administrador judicial, considerando que cada vez mais se exige uma postura ativa em relação a sua atividade (vide o PL 6.229/05, que determina o novo encargo de “atestar a veracidade das informações prestadas pelo devedor”3). Dessa forma, fica evidente que o mediador, diferentemente do administrador judicial, não é um auxiliar do processo, e sim um auxiliar das negociações que deste sobrevém.
Outrossim, acrescenta-se que a legislação e as recomendações que orientam o instituto da mediação não chegam nem perto de guiar integralmente uma negociação oriunda de um processo complexo de insolvência. Nas palavras do mediador Diego Faleck, especialista em design de sistemas de disputa, o mediador atuante nessa área deve se modelar ao processo, visto não se tratar uma mediação clássica bilateral, sendo necessário desenhar qual seria caminho mais adequado a ser traçado para atingir resultados frutíferos tanto à empresa em dificuldades quanto aos credores em negociações coletivas. A estratégia sobrelevada não chega ao conhecimento do juiz, tendo este o conhecimento apenas do resultado da mediação, dinâmica que por si só impede a transparente atuação do administrador judicial como mediador no mesmo processo de insolvência.
De toda sorte, insta esclarecer o diálogo que pode ser notado entre o ofício realizado pelo mediador e pelo administrador judicial. Decisões judiciais vem sendo utilizadas cada vez mais para nomear conjuntamente o administrador judicial e um mediador, o que evidencia a confiança e a importância admitida pelo próprio Judiciário às funções que esses profissionais exercem.
Ainda, tanto o PL 6.229/05 quanto a recomendação 58 do CNJ, aferem o dever do administrador judicial em “estimular, sempre que possível, a conciliação, a mediação e outros métodos alternativos de solução de conflitos relacionados à recuperação judicial e à falência”. Dessa forma, o AJ vem sendo figura chave para a consolidação da mediação na esfera recuperacional, sendo esse incentivo demonstrado em grandes cases, como na recuperação judicial da Saraiva4, onde a ideia da realização de sessões de mediação foi introduzida pelo administrador judicial. Ademais, cabe registrar que a própria entrevista desse profissional pode muito esclarecer à montagem do quebra cabeça do caso pelo mediador em suas sessões, o que é de precioso valor a um processo de recuperação judicial, onde a dissonância de informações muitas vezes impera.
Em conclusão, é clara a separação das funções do administrador judicial e do mediador em processos de recuperação judicial. Nas palavras dos juristas Antonio Evangelista Netto e Samantha Longo, “sem dúvida que incentivar as partes a autocomporem é função de todos, mas cumular as funções poderia comprometer o princípio da confidencialidade”5. Logo, é de imperiosa necessidade a preservação dos princípios que fundam a mediação, principalmente em casos de alta complexidade como nas recuperações judiciais, garantindo que o instrumento gere resultados fáticos com menores prejuízos às partes envolvidas. O administrador judicial, por sua vez, como elemento indispensável aos feitos de insolvência, deve persistir fomentando a prática dos métodos autocompositivos nos processos recuperacionais. Será tão apenas na consolidação dessa nova cultura que o operador do direito conseguirá colher os frutos de uma aplicação cada vez mais célere e imediata dos métodos adequados de resolução de conflitos, prevenindo iminentes crises empresariais e poupando os homéricos acervos judiciais que perseveram nos atuais tempos.
_________
1 BONILHA, Alessandra Fachada. A mediação como ferramenta de gestão e otimização de resultado na recuperação judicial. RArb 57/385-410 (DTR/2018/14502). p.390
2 Art. 6º - Os magistrados não deverão atuar como mediadores, sendo vedada ao administrador judicial a cumulação das funções de administrador e mediador.
3 O PL 6.229/05 impõe ao Administrador Judicial o dever de c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor, atestando a veracidade e conformidade das informações prestadas pelo devedor.
5 NETTO, Antonio Evangelista de Souza; LONGO, Samantha Mendes. A recuperação empresarial e os métodos adequados de solução de conflitos. 1. ed. Porto Alegre: Paixão, 2020. p. 178.
_________