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As 7 principais razões que levam à ilegalidade e à inconstitucionalidade da resolução CONAMA 303/02

A ação teve por objetivo obrigar o órgão ambiental paulista, nos processos de licenciamento de sua competência, a considerar a existência de Área de Preservação Permanente - APP onde haja vegetação de Restingas na faixa mínima de 300 (trezentos) metros da linha Preamar máxima.

25/9/2020

O assunto que parecia bem resolvido quanto ao reconhecimento da ilegalidade e inconstitucionalidade da resolução CONAMA 303/02 foi ressuscitado pela 3ª turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região ao reformar a sentença de improcedência proferida pelo juízo da 1ª Vara Federal de Caraguatatuba/SP, na Ação Civil Pública1 movida pelo Ministério Público Federal e Estadual contra a CETESB.

A referida ação teve por objetivo obrigar o órgão ambiental paulista, nos processos de licenciamento de sua competência, a considerar a existência de Área de Preservação Permanente - APP onde haja vegetação de Restingas na faixa mínima de 300 (trezentos) metros da linha Preamar máxima.2

O pedido de tutela de urgência havia sido inicialmente deferido pelo juízo federal de Caraguatatuba para obrigar a CETESB a observar a citada resolução independentemente da função ou da condição da vegetação de Restinga na faixa estipulada, o que implicou na paralização de inúmeros processos de licenciamento ambiental.

No entanto, posteriormente a ação foi julgada totalmente improcedente diante do reconhecimento de que a resolução em comento havia sido revogada pelo Novo Código Florestal (lei 12.651/12), bem como pelo reconhecimento quanto a impossibilidade de a referida norma inovar o conceito preestabelecido pela lei federal.

Contudo, em sede de apelação, a 3ª turma do TRF da 3ª região reformou a sentença e entendeu pela validade da resolução CONAMA 303/02 sob o argumento de que a mesma “é ato normativo, derivado da lei 4.717/65,3 gozando, portanto, de presunção de legalidade, de modo que deve ser observada pelo órgão ambiental estadual e aplicada sempre que tecnicamente cabível nos casos por ela alcançados, em atos de licença e autorização que emana, sob pena de violação ao princípio da legalidade que pauta a atividade administrativa”.

Pois bem, preliminarmente,  é importante destacar que, em momento algum aqui se pretende advogar pela flexibilização, diminuição ou em favor de qualquer retrocesso no que diz respeito ao importante e imperioso dever de tutela e salvaguarda do meio ambiente, o qual indiscutivelmente deve ser preservado ecologicamente equilibrado e sustentável para as presentes e futuras gerações, nem tampouco se advoga contra o legal e  importante poder regulamentar do CONAMA. O que se pretende aqui é, em verdade, a observância do quanto expressamente determina o ordenamento jurídico nacional.

É verdade que a lei 6.938/814 instituidora da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente previu em seu art. 6º, inciso II que o CONAMA é um órgão consultivo e deliberativo com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e para os recursos naturais, bem como deliberar sobre normas e padrões compatíveis para o meio ambiente sadio. E, em seu art. 8º delimitou sua competência de atuação, outorgando-lhe poderes de ditar critérios, fixar índices e padrões técnicos que não são familiares ao Poder Legislativo, o que se distancia e muito do poder de criar ou dizer aquilo que a lei não fez.

Portanto, a exegese que deve ser realizada caminha no sentido de que a competência delegada ao CONAMA pela lei 6.938/81 consiste no poder normativo de estabelecer critérios, padrões e regras exclusivamente técnicas relacionadas ao meio ambiente, o que não lhe confere poder para legislar, para inovar a ordem jurídica como o fez ao editar a resolução 303/02 que criou uma nova modalidade de Área de Preservação Permanente – APP  nunca antes prevista pela legislação federal.

Diante disto, não se pode admitir que o CONAMA, em verdadeira substituição do Poderes competentes, crie normas, regras e obrigações que a lei não criou. O poder regulamentar do CONAMA, repise-se, consiste em estabelecer critérios técnicos sobre a legislação preexistente, consiste em regulamentar aquilo que a lei efetivamente previu, aquilo que a lei exatamente estabeleceu, nada mais, nada menos, não lhe sendo permitido extrapolar os rigorosos limites do ordenamento jurídico vigente.

E foi exatamente isso que a resolução CONAMA 303/02 fez, ou seja, criou uma nova modalidade de Área de Preservação Permanente - APP não prevista em lei como sendo aquela área com vegetação de Restinga em faixa mínima de 300 (trezentos) metros da linha Preamar máxima.

Destaque-se que tanto no Código Florestal revogado de 1965, quanto no Novo Código Florestal de 2012, não se pode encontrar previsão para tal modalidade de APP. O que ambos estabeleceram foi a existência de Área de Preservação Permanente - APP nas áreas com vegetação de Restinga exclusivamente na função de fixadora de dunas ou estabilizadoras de Mangue. Logo, é de se notar que, em momento algum a lei estabeleceu como sendo de especial proteção qualquer áreas contendo vegetação de Restinga em faixa mínima de 300 (trezentos) metros da linha Preamar máxima.

Portanto, inovou o CONAMA como não lhe é permitido. Ressalte-se que a lei poderia ter criado mais uma modalidade de Área de Preservação Permanente - APP nas áreas com vegetação de Restinga, ainda que ausentes as citadas funções, mas não o fez, demonstrando que não era essa a vontade do legislador.

Ademais, a resolução CONAMA 303/02 foi editada para regulamentar o Código Florestal de 1965, o qual fora integralmente revogado pelo Novo Código Florestal de 2012 que, em seu artigo 83, determinou expressamente a revogação da lei 4.771/65 e de todas as suas alterações. Ou seja, tendo sido revogada a lei, revogados estão todos os seus respectivos atos regulamentadores.

E mais, é sintomático de se observar que o legislador de 2012 incorporou no Novo Código Florestal conceitos existentes na resolução CONAMA 303/02, a exemplo o próprio conceito de vegetação considerada como de Restinga constante no inciso XVI do art. 3º da lei 12.651/12, cuja descrição é exatamente a mesma constante no inciso VIII do art. 2º da citada resolução.

E é exatamente neste sentido que há clara demonstração de que se o legislador pretendesse considerar também como sendo Área de Preservação Permanente - APP quaisquer áreas com vegetação de Restinga localizada a 300 (trezentos) metros da linha máxima de preamar independente se sua função, assim teria feito e não o fez.

Outrossim, importante ressaltar que, além das Áreas de Preservação Permanente identificadas em função de sua “localização”, a exemplo daquelas previstas no art. 4º, o Novo Código Florestal, assim como estabelecia o revogado Código de 1965, permite a consideração de outras áreas como sendo Áreas de Preservação Permanente . No entanto, diferentemente do Código revogado que falava em “ato do Poder Público”,5 o Novo Código Florestal diz expressamente que tal possibilidade pode se dar apenas através de “ato do Chefe do Poder Executivo” quando declaradas de interesse social,6 não havendo, portanto, qualquer espaço também sob este prisma, para a criação de nova categoria de Área de Preservação Permanente por ato infralegal do CONAMA. 

Também não se pode esquecer que o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determinou que no prazo de 180 (cento e oitenta) dias da promulgação da Constituição Federal de 1988, tornar-se-iam revogados todos os dispositivos legais que atribuíam ou delegaram a órgão do Poder Executivo competência assinalada ao Congresso Nacional, em especial, no que tange a qualquer ação normativa.7

Se tais argumentos não bastassem, é certo que tal resolução ainda padece de ilegalidade e inconstitucionalidade, na exata medida em que afrontou o Princípio da Legalidade insculpido no inciso II do art. 5º da Constituição Federal brasileira, segundo o qual é estabelecido que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, sendo oportuno destacar que os atos do CONAMA possuem natureza jurídica de normas infralegais não equiparáveis a lei federal.8

E, no compasso de tudo o aqui exposto, lei instituidora de direitos e obrigações deve ser entendida como sendo uma das espécies normativas de caráter geral e abstrata produzida pelo Poder competente, representante da sociedade e, não por órgão consultivo e deliberativo como o CONAMA que, repise-se, possui poder normativo para regulamentar de forma técnica, concreta e objetiva aquilo que fora previamente estabelecido pela lei.  

Por último, mas não menos importante, a Advocacia Geral da União – AGU, recentemente consultada, analisou com muito cuidado a questão aqui exposta e aprovou o Parecer 00059/2020/CONJUR-MMA-CGU/AGU para, resumidamente concluir que “não há óbices jurídicos à revogação integral da resolução CONAMA 303/02”, em razão da caducidade ou decaimento, da superveniência de ato normativo primário e da instabilização de ato normativo secundário.9

Assim, conclui-se que, (I) quer por ter o CONAMA extrapolado o seu poder regulamentar; (II) quer por ter desrespeitado o Princípio Constitucional da Legalidade; (III) quer pelo fato de que a criação de outras áreas especialmente protegidas devem se dar por ato do Chefe do Poder Executivo;  (IV) quer pelo fato do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ter revogado todas as delegações normativas outorgadas a órgãos administrativos, (V) quer por ter sido revogada a lei para a qual a própria resolução foi editada; (VI) quer pelo fato sintomático de que o legislador de 2012 incluiu na nova lei partes da resolução CONAMA 303/02 mas não incluiu as  áreas com vegetação de Restinga independente da sua condição ou função em faixa de 300 (trezentos) metros da linha de Preamar máxima como uma das modalidades de Área de Preservação Permanente - APP; (VII) quer pelo entendimento oficial da AGU, a resolução CONAMA 303/02 padece de ilegalidade e inconstitucionalidade e assim se espera seja reconhecida agora por instância superior como forma de restabelecimento da necessária ordem e em nome da segurança jurídica.

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1 ACP nº 0000104-36.2016.4.03.6135

2 Art. 3º, inciso IX, alínea “a” da Resolução CONAMA nº 303/2002 de 20 de março de 2002.

3 Lei nº 4.771/1965 – Revogado Código Florestal

4 Com a redação dada pela lei 8.028/90.

5 Art. 3º da Lei 4.771/65 – Revogado Código Florestal.

6 Art. 6º da Lei 12.651/12 – Novo Código Florestal.

7 Insiso I do art. 25.

8 REsp 1.520.108 – STJ, Rel. Min. Napoleão Maia Nunes, de 28/03/2019

9 Clique aqui Acesso em 24/9/20.

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*Rodrigo Jorge Moraes é doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor de Direito Ambiental no Curso de pós-graduação em Direito Ambiental da PUC/SP. Advogado e vice-presidente do MDA - Movimento de Defesa da Advocacia.

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