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Da solidariedade dos marketplaces ao cumprimento das obrigações acessórias: Uma via de mão dupla

O presente texto tem o objetivo de demonstrar que, juntamente com tamanha benevolência, há – também - tamanha responsabilidade, mais especificamente relacionada as obrigações tributárias relacionadas ao ICMS.

18/9/2020

O Brasil e suas adversidades. Naturalmente, com o desenvolvimento da tecnologia e dos meios possíveis de divulgação de negócio, foi-se ganhando notoriedade e visibilidade da plataforma mais conhecida como ‘’marketplace’’. Marketplace nada mais é que um e-commerce, isto é, uma modalidade de comércio eletrônico ou venda ‘’não-presencial’’, que é mediado por uma empresa e que permite a inscrição de vários lojistas para venderem os seus produtos.

Não é mais novidade que boa parte dos contribuintes, claro, nas circunstâncias que os possibilitem vender de maneira online, se submeterão a essa forma de operacionalização; não há dúvida que esse é o futuro. Inclusive, a própria crise, ocasionada em razão da covid-19 que, frisa-se, ainda estamos vivenciando, embora tenha afetado bastante a sociedade - negativamente, nos ratifica isso.

No momento que houve a decretação não só do isolamento social, mas sobretudo da ‘’quarentena’’, com a determinação de fechamento dos estabelecimentos comerciais, não restou outra opção senão a utilização das plataformas digitais pelas empresas. Para se ter uma ideia, segundo André Dias, diretor executivo do Compre&Confie, empresa que monitora mais de 80% do varejo digital brasileiro, somente a categoria de saúde, por exemplo, obteve, entre os dias 24 e 25 de março, um crescimento de 128,5%1.

Pois bem. Sob essa perspectiva, atualmente, com o intuito de ajudar as empresas que necessitam obter alguma outra forma de renda ou até mesmo para aumentar sua visibilidade, vários marketplaces disponibilizaram as suas plataformas digitais. Na prática, a disponibilização consiste tanto na mera divulgação das mercadorias via cadastro da respectiva mercadoria na plataforma ou, as vezes, até mais além, quando permite, inclusive, o envio antecipado das mercadorias das outras empresas para suas centrais de distribuição (CD’s) com o intuito de garantir o mesmo o transporte destas, na hipótese da venda ser concretizada.

E é exatamente essa segunda opção, quando da disponibilidade das CD’s, que os contribuintes devem ter bastante atenção. O estado de São Paulo, via Secretaria da Fazenda e Planejamento, por meio da portaria CAT 31, de 18 de junho de 2019, chegou a normatizar essa operacionalização, denominando, sob determinadas condições (parágrafo único2 do art. 1º da portaria 31/19), a CD como ‘’Operador Logístico’’.

Contudo, ainda assim, houve bastante questionamento pelos agentes fiscais acerca do modo como estavam sendo realizadas as operações, sobretudo no que se refere a origem das mercadorias que foram enviadas para as centrais.

Isso porque, a operacionalização em si do envio das mercadorias para o Operador Logístico, ora central de distribuição, se perfaz de uma responsabilidade em conjunta do estabelecimento depositante (terceiro contribuinte que pretende usufruir da plataforma do marketplace) com o Operador (CD) em si. As condições necessárias para ser considerado ‘’Operador Logístico’’ para fins de aplicação da portaria CAT 31/19, as obrigações acessórias relativas a esta, a necessidade de ser comprovada de maneira inteiramente individualizada o número de inscrição estadual do estabelecimento depositante, a chave de acesso, número e série das notas fiscais, tudo isso são exemplos de obrigações que são fundamentais para comprovar a regularidade da operação que está sendo realizada.

Não sendo cumprido qualquer uma destas obrigações, poderá haver diversos questionamentos pelos agentes fiscais, principalmente do próprio marketplace, uma vez que o bem (ou, talvez, mercadoria – quando sujeitar-se à mercancia) estará localizado em seu estabelecimento, mas essa discussão deixaremos para ser analisada em uma outra oportunidade; pelo menos o aspecto relacionado a possibilidade de responsabilização do marketplace de um bem que é de terceiro mas que se encontra em seu estoque.

O fato é que há um ponto, agora de responsabilidade exclusiva do estabelecimento depositante, ou seja, do terceiro contribuinte – empresário (auxiliado), fundamental e que está sendo severamente objeto de fiscalização dos auditores fiscais, que é a identificação da origem das mercadorias que estão sendo depositadas nas centrais.

Para demonstrar a seriedade destas fiscalizações, podemos citar, por exemplo, o caso da Secretaria Estadual e Planejamento do Estado de São Paulo que, em 28/7/20, sob a denominação de operação ‘’Nosbor’’3, já efetivou a apreensão de mais de 15,6 mil mercadorias estocadas avaliadas em R$ 1,1 milhão, sob o simples argumento de ausência de comprovação de origem.

Por lógico, seja qual for o objeto da acusação, deve haver a concessão plena do contraditório e da ampla defesa ao contribuinte que, sentindo-se lesado ou tenha o interesse de demonstrar a realidade do ocorrido, pretenda recorrer de qualquer ato restritivo de seu direito, como é o caso da apreensão.

Todavia, para tanto, isto é, para haver a mínima possibilidade de êxito em seu pleito, deve ser demonstrado e comprovado o equívoco incorrido pelo auditor fiscal; e isso, caros leitores, se resume, basicamente – na maioria das vezes, em obrigações acessórias, por meio destas que poderá ser desenvolvido um raciocínio pertinente.

Como dito, o próprio estado de São Paulo, por exemplo, que foi alvo da citada operação ‘’Nosbor’’, embora tenha estabelecido as obrigações acessórias necessárias – com bastante clareza – via portaria CAT 31/19, tratando do envio antecipado das mercadorias de empresas terceiras para CD’s dos marketplaces, não conseguiu conter o envio de, supostamente, diversos ‘’bens’’ irregulares.

Agora imaginemos os entes federativos que sequer trataram acerca deste tipo de operação, isto é, das obrigações acessórias para este modelo de negócio, é, sem dúvidas, navegar em um mar de insegurança jurídica. Tanto para a Administração Fazendária, para fins de controle, quanto para os contribuintes, sobretudo os de pequeno porte, sem organização administrativa, que não tem conhecimento das principais obrigações acessórias ou mesmo dos documentos fiscais que são fundamentais para evitar uma autuação – especificamente nesta casuística.

Se não para evitar, ao menos para derrubá-la. De toda forma, conforme foi visto, ainda que brevemente, o que podemos concluir é que, muito embora ainda nos encontremos no meio de uma - seríssima – crise, não há o que se falar na retirada da obrigatoriedade – em face da vinculação a norma – do agente fiscal em questionar – supostas - operações irregulares.

Trata de uma via de mão dupla. Deve o contribuinte – sim, se resguardar e cumprir com as suas devidas e legais obrigações para evitar maiores questionamentos fazendários.

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2 Parágrafo único. Para os fins previstos nesta portaria, considera-se Operador Logístico o estabelecimento cuja atividade econômica seja, exclusivamente, a prestação de serviços de logística, associada, ou não, à prestação de serviço de transporte, efetuando o armazenamento de mercadorias de terceiros contribuintes do ICMS, com a responsabilidade pela sua guarda, conservação, movimentação e gestão de estoque, em nome e por conta e ordem de terceiros, podendo, ainda, prestar serviço de transporte das referidas mercadorias.

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*Leonardo Nunes Ferreira é advogado do escritório Guedes Alcoforado, Advocacia & Consultoria Tributária.

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