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Violência doméstica e familiar em condomínios: Um novo desafio para a gestão condominial

Não fossem suficientes os inúmeros desafios e dificuldades impostos recentemente aos síndicos condominiais, decorrentes da disseminação da pandemia do novo coronavírus, o legislador brasileiro surpreende, e anuncia atingir diretamente a pessoa do síndico, com mais uma possível inovação normativa.

14/9/2020

Não fossem suficientes os inúmeros desafios e dificuldades impostos recentemente aos síndicos condominiais, decorrentes da disseminação da pandemia do novo coronavírus, os quais tem demandado, e de forma corrente, a imediata implementação de um conjunto de ações relativas às condutas de condôminos, moradores e demais colaboradores, consistentes no uso de máscaras, na instalação de dispensers de álcool gel e tapetes de sanitização, bem como na higienização reiterada e nas restrições definidas nas áreas de uso comum, o legislador brasileiro surpreende, e anuncia atingir diretamente a pessoa do síndico, com mais uma possível inovação normativa.

Trata-se do projeto de lei (PL) de 2.510 de 2020, o qual, segundo o inteiro teor de sua ementa, vem alterar 3 (três) diplomas legais: a) a lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias; b) a lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil); e c) o decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para estabelecer o dever de condôminos, locatários, possuidores e síndicos informar às autoridades competentes os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher de que tenham conhecimento no âmbito do condomínio, bem como para aumentar a pena do crime de omissão de socorro, quando se tratar de mulher em situação de violência doméstica ou familiar.

Buscando explicitar as razões da novel legislação, o autor do referido projeto de lei, senador Luiz do Carmo do MDB de Goiás, assevera que a modificação do diploma civilista e do Estatuto dos Condomínios, tem por objetivo determinar a adoção de medidas de repressão à violência doméstica e familiar contra a mulher; já no que se refere à modificação da norma penal, o projeto intenta criar uma nova hipótese de aumento da pena restritiva de liberdade, incidente sobre a infração criminal de omissão de socorro, em especial, quando a conduta negativa, caracterizada por um não agir, vale dizer, pela inércia do síndico, estiver estritamente vinculada à situação que possa configurar violência doméstica contra a mulher.

Com efeito, observa-se que o referido projeto de lei acompanha a tendência verificada em diversos outros estados da federação que, no âmbito de suas competências legislativas, vinham criando leis estaduais, impondo multas a síndicos que se colocassem inertes diante do seu dever de levar ao conhecimento das autoridades públicas o conhecimento de eventos relacionados à violência doméstica e familiar.

Tal foi o que ocorreu, a título de exemplo, na Bahia, no Paraná, em Minas Gerais, no Rio Grande do Norte e no Distrito Federal, enquanto no Rio de Janeiro, em meio ao desenrolar da pandemia, a Assembleia Legislativa local fez editar a lei 8.967/20, segundo a qual, todos os condomínios, sejam eles empresariais ou residenciais, associações de moradores ou espaços análogos, passam a ter a obrigação de afixar cartazes de cunho informativo, discorrendo sobre os serviços ativos de atendimento às mulheres durante a pandemia da covid-19.

Não se olvida que grande parte desta torrente legislativa se deve ao fato do notável e perceptível incremento do número de agressões perpetradas contra mulheres durante este período recente, onde a quarentena e seus efeitos deletérios consequenciais, não tardaram a gerar danos colaterais, dentre os quais podem ser enumerados as reiteradas brigas entre casais ou as calorosas discussões entre pais e filhos.

Uma das consequências diretas, incidentes sobre a gestão condominial, é o fato de que, uma vez vigente a referida lei, não somente os condôminos, inquilinos, possuidores de imóveis e demais moradores, mas especialmente o responsável legal pelo condomínio, assim delineada a pessoa do síndico, passarão a ter a obrigação jurídica de informar às autoridades competentes, os casos de violência doméstica de que tenham conhecimento, ainda que tais condutas venham a acontecer no interior do espaço privado, vale dizer, dentro da unidade autônoma ou particular.

Nesse sentido, caso o síndico deixe de cumprir com tal dever, protraindo-se inerte, advirá como consequência direta a possibilidade de sua destituição do cargo, além de uma multa imponível ao condomínio.

No campo criminal, segundo a norma em vigor, o crime de omissão de socorro possui atualmente uma pena privativa de liberdade estabelecida dentro de uma faixa que vai de 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção, permitindo-se ao juiz, presentes os demais requisitos objetivos e subjetivos de ordem legal, aplicar tão somente uma pena isolada de multa, a qual não deve ser confundida com aquela aplicável ao condomínio, vez que esta terá como destinatário certo a pessoa do síndico que se colocou negligente frente ao seu dever de dar ciência às autoridades públicas; uma vez vigente a nova legislação, a pena de prisão do crime de omissão de socorro será majorada em um terço, caso a conduta seja cometida por um dos atores da coletividade condominial mencionados anteriormente.

Ainda segundo o texto do projeto de lei em menção, os moradores terão que cientificar o síndico, e este, por seu turno, contará com o prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a partir da ciência dos fatos para apresentar a “notitia criminis” (notícia do crime) às autoridades policiais, devendo preferir o acionamento da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) ou de outros acessos regulares, tais como o 190 da Polícia Militar ou os aplicativos de celular e de sites que permitem esta mesma conectividade.

Na esteira da lei estadual vigente no estado do Rio de Janeiro, o projeto de lei federal anuncia que deverá o síndico, adicionalmente, determinar a afixação de placas e de cartazes nas áreas comuns do condomínio, preferencialmente nos elevadores, aludindo de forma expressa à proibição de qualquer comportamento comissivo ou omissivo que possa consubstanciar em ato de violência doméstica e familiar, admitida, inclusive, a notificação policial sob a chancela do anonimato.

Aguardam-se possíveis substitutivos ao projeto de lei original, tornando-se factível a possibilidade da imposição de multas ao condomínio, nas hipóteses de inação do síndico, no valor de 5 (cinco) a 10 (dez) salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência, valores estes que haverão de ser revertidos em prol de programas de erradicação da violência doméstica e familiar.

Também por meio de substitutivos ao já mencionado projeto de lei, espera-se que possa o síndico ser revestido de um poder disciplinar de natureza especial, consistente na prerrogativa legal de, nas hipóteses de flagrante delito ou de conhecimento antecipado de medida protetiva vigente, impedir a entrada e a permanência do agressor nas dependências do condomínio, hipótese que deverá se fazer acompanhar da imediata comunicação do fato às autoridades policiais.

Todo esse conjunto de novas regras, tem, portanto, por escopo maior, reforçar a prevenção e a repressão da prática dos diversos modais de violência contra a mulher previstos na denominada “Lei Maria da Penha”, perpetrados, em especial, no espaço do condomínio, seja na área comum, seja no espaço privado, assim considerados os atos de violência física, moral, sexual, psicológica e patrimonial, condutas estas que, a despeito dos visíveis esforços do legislador, tem se tornado frequentes e comezinhos dentro da comunidade condominial.

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*Vander Ferreira de Andrade é advogado Criminal e especialista em Direito Condominial. Mestre e doutor em Direito pela PUC/SP. Presidente da Associação Paulista de Síndicos Profissionais. Pró-reitor do Centro Universitário Fundação Santo André.

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