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O “ICMS-Ecológico” como política fiscal de enfrentamento às queimadas

Visualiza-se um cenário ainda inconsistente vivenciado pelos Entes Federativos no que tange a política fiscal de gestão pública e sustentabilidade ambiental.

10/9/2020

A premente e contínua realidade pertinente às queimadas em nossa extensa área florestal atinge, regularmente, os diversos municípios localizados nos territórios dos Estados da República Federativa do Brasil que, em períodos determinados ou não, padecem de gerencia pública sustentável ao combate aos incêndios florestais.

Essa apatia governamental revela-se, demais das vezes, em função da falta de investimento ou destinação pública de recursos vinculados e específicos ao combate aos incêndios florestais, que, praticamente, dependem dos recursos provenientes do Fundo de Participação dos Municípios – FPM e dos recursos relacionados à repartição de receitas tributárias.

Por esse motivo a gestão pública, sobretudo as municipais, sofrem com a falta de aparato logístico, material, inteligência e pessoal na prevenção e combate aos incêndios florestais, ficando refém de políticas públicas episódicas dos demais Entes Federativos centralizados.

O tratamento do assunto é tão perfunctório pela gestão pública ambiental, que ainda passamos, especialmente na Amazônia Legal, por inconsistências rotineiras em termos de prevenção, sem destinações econômicas sustentáveis e regulares ao combate das queimadas florestais em nossos municípios, que, em sua maioria, ficam distantes da capital e donde mais surgem os focos de incêndio.

Neste contexto é relevante revisitar nossa estrutura constitucional de repartição de receitas tributárias, especialmente a destinação dos recursos provenientes da arrecadação do ICMS que são direcionados aos Municípios.

Vê-se, ademais, que a distribuição de receitas tributárias pode servir como condutor efetivo de gestão pública de recursos na prevenção e combate às queimadas, além de ser mecanismo econômico por parte do Estado na proliferação de condutas sustentáveis aos Municípios.

Emerge-se, numa contextualização local, fatores negativos vinculados às queimadas nas vidas dos cidadãos - distribuídos pelos diversos Municípios -, que se deparam com a degradação ambiental como retrocesso, impactando diretamente na projeção social, política, econômica e profissional de seus habitantes.

Num passado não muito distante, visualizamos o impacto das queimadas ocorridas na Amazônia se estenderem para além de suas limitações territoriais, atingindo-se, em razão da fumaça, outras Unidades Federativas.

Sabe-se que o início da sistemática do ICMS-Ecológico se deu numa clara e simples forma de compatibilizar a operacionalização financeira com a preservação ambiental, fornecendo incentivos para que os Municípios mantivessem as áreas de conservação ambiental sem sofrerem demasiadamente as perdas decorrentes do limitado desenvolvimento econômico. 

Entretanto, o que se verifica, ainda que embrionariamente, são poucas atuações públicas utilizando o caráter indutivo na preservação do meio ambiente como política fiscal de gestão pública, seja em razão de uma abordagem genérica do assunto, seja pelo seu não enfretamento com a seriedade e a relevância que a matéria requer, aliado ao desconhecimento do tema.

De frente a isso, na medida em que se faz essa construção, objetiva-se também adentrar as minúcias da distribuição do ICMS aos Municípios como forma de política fiscal e de gestão pública sustentável de preservação ao meio ambiente.

A distribuição de receitas tributárias aos Municípios, a partir do fluxo de arrecadação do ICMS, repercute na definição do que possa ser compreendido como ICMS-Ecológico, sobretudo em face da atual necessidade de promoção de políticas de prevenção e combate às queimadas.

De acordo com Fernando F. Scaff (2004) as políticas públicas realizadas através da intervenção do Estado na atividade econômica é um dos papeis mais relevantes do direito contemporâneo. E, nessa esteira, a tributação se revelaria como um mecanismo implementador de políticas públicas, inclusive aquelas voltadas para a proteção ambiental. “Expõe-se que a conexão entre a tributação e a questão ambiental assume, a cada momento, uma importância mais destacada em todo o mundo globalizado” (SCAFF, 2004, p. 22).

Antes de se abordar propriamente os preceitos tributários que embasam a política subjacente ao ICMS Ecológico, é necessário retomar o conceito de federalismo fiscal, considerando que ele, conforme Kiyoshi Harada (2017, p. 59) “envolve a partilha da receita tributária e patrimonial entre entes federados”, e ajuda a explicar como os valores de arrecadação deveriam ser repartidos entre os entes”.

Esse conceito é importante, porque é com base nele que se buscar a proposição mais equitativa para a repartição de receitas entre os Municípios da parte discricionária do ICMS-Ecológico. Os Municípios, com efeito, desempenham um papel fundamental na defesa do desenvolvimento sustentável aliado ao interesse público. (SCAFF, 2004).

Destaca-se, ademais, que “a Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental”, trazendo mecanismos para sua proteção e controle, sendo tratada por alguns como “Constituição Verde”. (SILVA, 2004, p. 46)

Ao dispor sobre a repartição específica do ICMS, a Constituição da República de 1988 prescreveu:

Art. 158. Pertencem aos Municípios:

[...]

IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

 Para Scaff (2004, p. 23), a sistematização da distribuição deste percentual ocorre da seguinte forma:

 

O mandamento constitucional estabelece expressamente que no mínimo ¾ dos 25% de ICMS pertencentes aos municípios devem ser repassados conforme o valor adicionado fiscal das operações realizadas para cada ente municipal.

[...]

No entanto, deixa o constituinte originário a cargo dos Estados a definição dos critérios de repasse de cerca de ¼ do valor cabível aos municípios. Tal faculdade permite uma interferência direta da administração estadual no processo de desenvolvimento municipal, tendo em vista que os critérios de repasse de verbas influem fundamentalmente sobre as políticas públicas adotadas, podendo, se bem planejados, constituir-se em um amplo fator de indução econômica.

Nessa perspectiva, surge no âmbito do direito ambiental, em razão da dificuldade de regulamentação, fiscalização e controle das atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, o reconhecimento da “premente necessidade de instituição de mecanismos complementares para a efetividade das políticas econômicas ambientalmente corretas” (THOMÉ, 2014, p. 761).

 

Acerca dos instrumentos econômicos ambientais, ensina-nos o Thomé (2014, p. 761-763)

Instrumentos econômicos, que tem por escopo incitar a adoção de gestões “ecológicas” pelos empreendedores, constituem mecanismos que são objetos de comentadas teses de estudiosos da seara ambiental contemporânea. Através da adoção de instrumentos econômicos busca-se a internalização dos custos ecológicos. 

Ao se debruçar sobre os instrumentos econômicos do direito ambiental, chega-se ao ponto fulcral do pano de fundo, extraindo-se da política fiscal de repartição do ICMS com meio catalizador da prevenção ambiental, senão vejamos os ensinamentos de Thomé (2014, p. 763-764):

Outro bom exemplo de utilização de instrumentos econômicos para incentivar a proteção dos recursos naturais é o denominado ICMS ecológico [..]. A Constituição Federal, em seu artigo 158, estabelece as regras da distribuição do Imposto Sobre Operações Relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). 

Thomé, a partir da doutrina ambientalista, traça os delineadores pertinentes ICMS-Ecológico:

ICMS ecológico é a expressão utilizada para denominar o repasse de parte do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, arrecadado pelos estados, aos seus municípios que respeitem critérios de preservação ambiental. O mecanismo teve origem a partir da reivindicação de municípios com unidades de conservação em seus territórios, áreas onde o livre desenvolvimento de atividades produtivas é vedado. Como forma de compensação econômica, aqueles municípios receberiam parcela do ICMS arrecadado pelo estado membro. 

Wilson Loureiro, estudioso de longa data do ICMS Ecológico, diz a respeito dele o seguinte:

O ICMS Ecológico surgiu da aliança entre um movimento de municípios e o Poder Público estadual, mediado pela Assembléia Legislativa. Os municípios sentiam suas economias combalidas pela restrição de uso do solo, originada por serem mananciais de abastecimento para municípios vizinhos e por integrarem unidades de conservação. O Poder Público sentia a necessidade de modernizar seus instrumentos de política pública. Nascido sob a égide da compensação, o ICMS Ecológico evoluiu, transformando-se em mecanismo de incentivo à conservação ambiental, o que mais o caracteriza, representando uma promissora alternativa na composição dos instrumentos de política pública para a conservação ambiental no Brasil (LOUREIRO, 2002. p. 53) 

Para o autor, o ICMS Ecológico enfoca justamente a repartição dos recursos financeiros a que os Municípios teriam direito, e utilizando para tanto um critério que esteja atrelado às demandas reais por conservação ambiental. Ele seria, nesses termos, uma forma de subsídio, tal como um incentivo fiscal intergovernamental.

Loureiro sintetiza os ideais envoltos ao ICMS Ecológico: 

O ICMS Ecológico não é um instrumento que tem fim em si mesmo, mas é um meio para que se chegue a determinados fins e, embora possa por si só contribuir para a solução de determinados problemas ambientais, deve, sempre que possível ser utilizado em articulação com outras ferramentas, especialmente potencializando as políticas públicas ambientais já em andamento no Estado. 

Loureiro explica ainda que, dentre os ideais envoltos ao ICMS Ecológico, estaria o de aprimoramento institucional das entidades públicas em relação aos valores do desenvolvimento sustentável, e ferramenta inovadora a ser utilizado para a consecução desses valores (LOUREIRO, 2002).

Sobre o custo à sociedade do ICMS Ecológico, enfatiza “[...] é zero, pois não se trata de um tributo novo, de mais uma retirada do bolso do contribuinte, mas da definição da forma pela forma de como será distribuído e gasto pelos municípios.  (LOUREIRO, 2002. p. 7)

O ICMS ecológico como sistemática de preservação ambiental genérica não é novidade no Brasil, contudo, a sua utilização efetiva ainda é raridade e, mais ainda, como instrumento específico ao combate às queimadas.

Em razão da realidade ambiental brasileira, com recorrentes acontecimentos trágicos ocasionados pelas queimadas, com data programada em regiões de florestas, é preciso seriedade no fomento de políticas públicas à prevenção.

Não se pode perder de vista que, como instrumento conciliador no conflito entre desenvolvimento econômico e equilíbrio ambiental, o sistema tributário ocupa uma posição fundamental como integrante do ordenamento jurídico constitucional.

Sobreleva-se como precursor da utilização do ICMS-Ecológico, como indutor aos combates às queimadas, o Estado do Tocantins, que, por meio de sua legislação (DECRETO nº 1.166/2002, alterado pelo Decreto nº 4.739/2013), estipulou critério avaliativo específico acerca das queimadas.

 A legislação tocantinense atribuiu pontuação, para fins de repasse do ICMS, a existência nos Municípios de Coordenadoria Municipal da Defesa Civil, Atuação de Brigada Civil Municipal e Protocolo Municipal do Fogo.

Nessa perspectiva, o gestor possui a obrigação preencher o questionário das ações realizadas no ano anterior, juntar a documentação comprobatória e realizar a entrega, que assegura a participação na distribuição do ICMS-Ecológico.

No que pese alguns Entes Federativos concretizarem o ideal da proteção ambiental por meio do ICMS-Ecológico, pouco se vê como instrumento específico de combate às queimadas, sobretudo nos Estados que possuem extensas áreas verdes e, anualmente, com focos de queimadas.

Recordemo-nos que o Estado possui o dever de defender e preservar o meio ambiente. “A atuação obrigatória do Estado decorre da natureza indisponível do meio ambiente, cuja proteção é reconhecida hoje como indispensável à dignidade e à vida de toda pessoa - núcleo essencial dos direitos fundamentais” (THOMÉ, 2014, p. 75).

Para além de visões simplistas, a educação sobre os instrumentos normativos existentes e passíveis de fruição pelo Poder Público faz parte da missão dos juristas, que na perspectiva ambiental, “consubstancia-se em relevante instrumento para esclarecer e envolver a comunidade no processo de responsabilidade com o meio ambiente, com a finalidade de desenvolver a percepção da necessidade de defender e proteger o meio ambiente” (THOMÉ, 2014, p. 81).

Compreender que as queimadas, como forma de degradação ambiental, são prejudicial a toda sociedade, denota-se como o primeiro passo a se incutir culturalmente que a permissão – com incentivos ou omissões -, corrói a perspectiva de um desenvolvimento sustentável.

Uma sociedade que negligencia seus recursos naturais está fadada ao mergulho no abismo inexorável da extinção.

É necessário, destarte, que os governantes e parlamentares promovam nova feição sobre a destruição do ICMS, de modo a tratar o microssistema tributário estadual em seu viés potencial de proteção ambiental como política pública prioritária.

A premissa de que algumas despesas podem estar travestidas de investimentos se impõe no caso do ICMS-Ecológico, eis que proteger o meio ambiente das queimadas poderá ocasionar incremento na distribuição de recursos tributários. Acaba-se, ao fim e ao cabo, a ser concretizar o princípio do protetor recebedor, capitulando-se a justiça econômica.

Ademais, ocasiona-se, naturalmente, o mosaico da logística reversa, pois a um só tempo o Município preventor das queimadas seria beneficiado por tal conduta – incremento no repasse de ICMS -, e garantiria um espeço territorial protegido, apto a ser utilizado sustentavelmente pela Nação.

Destaca-se: um território com o meio ambiente degradado não interessa a ninguém.

A estrutura básica dos mandamentos de otimização do direito ambiental – desenvolvimento sustentável, prevenção, participação comunitária e cooperação entre os povos -, transcendem o caráter meramente individual, tendo em vista que a manutenção do meio ambiente equilibrado garante projeções econômicas de crescimento.

Portanto, visualiza-se um cenário ainda inconsistente vivenciado pelos Entes Federativos no que tange a política fiscal de gestão pública e sustentabilidade ambiental, que carecem de uma distribuição eficiente de recursos provenientes da arrecadação do ICMS, como instrumento a fomentar a prevenção e combate às queimadas, especialmente em momentos hodiernos em que nos deparamos com um passado recorrente de apatia na preservação dos recursos ambientais, de modo que uma singela alteração legislativa estadual poderia ocasionar e gerar uma numa nova perspectiva de gestão pública e sustentabilidade ambiental ignorada pela maioria dos Entes Federativos.

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ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário I Ricardo Alexandre - 11. ed. rev~ atual. e amp1. - Salvador - Ed. JusPodivm, 2017

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário / Kiyoshi Harada. – 26. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017. 

LOUREIRO, Wilson. CONTRIBUIÇÃO DO ICMS ECOLÓGICO À CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE NO ESTADO DO PARANÁ, Disponível em: clique aqui. Acesso em 10 agosto de 2019. 

LOUREIRO, Wilson. ICMS ECOLÓGICO, A OPORTUNIDADE DO FINANCIAMENTO DA GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL NO BRASIL. Disponível em: clique aqui. Acesso em 10 agosto de 2019. 

SCAFF, Fernando Facury, Tributação e Políticas Públicas: O ICMS Ecológico.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 5ª edição. São Paulo: Melhoramentos, 2004. 

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. 4. ed. rev., atual. e ampl. – Salvador - Ed. JusPodivm, 2014.

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*Herick Feijó Mendes é advogado. Pres. Comissão de Estudos Constitucionais - Seccional RR. Membro da Comissão de Estudos Constitucionais - CFOAB. Especialista em Direito Público. Servidor Público Efetivo.

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