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Time sharing e a sua viabilidade em imóveis rurais

A multipropriedade se baseia no conceito de dividir para multiplicar, pois permite que um único bem móvel ou imóvel seja dividido entre diversos coproprietários com funcionamento diverso ao comumente utilizado nos condomínios edilícios.

10/9/2020

Pouco falado no Brasil, o time sharing ou multipropriedade é um instituto popular nos países europeus e nos Estados Unidos. Teve a sua origem na década de 1960, ajudando o mercado imobiliário europeu, já saturado, a se renovar e reestruturar, o que reverberou em uma ampliação significativa das transações imobiliárias.1

Assim, a multipropriedade se baseia no conceito de dividir para multiplicar, pois permite que um único bem móvel ou imóvel seja dividido entre diversos coproprietários com funcionamento diverso ao comumente utilizado nos condomínios edilícios. 

Aqui, o tempo é utilizado como parâmetro para fracionar o uso da propriedade. O condômino, dessarte, não compra uma percentagem do imóvel, mas sim o seu tempo de uso, que deverá ser realizado de forma alternada, ou seja, nunca junta. Se comprar o imóvel para utilizá-lo somente no mês de janeiro, por exemplo, os outros meses poderão ser alienados para terceiros, resultando em uma economia em relação às despesas de manutenção do bem imóvel. 

A multipropriedade, dessa forma, avulta o mercado imobiliário, principalmente em relação as casas de veraneio, ampliando o acesso as parcelas da população que, da forma tradicional, não conseguiriam dispor de uma quantia para comprar e manter a propriedade ao longo do ano. 

Em países como os Estados Unidos, o instituto do time sharing vem sendo utilizado, inclusive, para bens móveis, como jatinhos e embarcações, não se restringindo, portanto, aos bens imóveis.

No Brasil a multipropriedade foi tratada pela primeira vez em 2016, por meio da jurisprudência, de acordo com o REsp: 1546165 SP 2014/0308206-1, decisão do ministro João Otávio de Noronha. Nesse importante julgado o STJ não só reconheceu o instituto como também afirmou se tratar de um novo direito real, apesar de, à época, não estar regulamentada. In verbis:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME-SHARING). NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO. USO EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE CERTO PERÍODO ANUAL. PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETÁRIO. PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliária, conforme ensina Gustavo Tepedino, é uma espécie de condomínio relativo a locais de lazer no qual se divide o aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento) entre os cotitulares em unidades fixas de tempo, assegurando-se a cada um o uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano. 2. Extremamente acobertada por princípios que encerram os direitos reais, a multipropriedade imobiliária, nada obstante ter feição obrigacional aferida por muitos, detém forte liame com o instituto da propriedade, se não for sua própria expressão, como já vem proclamando a doutrina contemporânea, inclusive num contexto de não se reprimir a autonomia da vontade nem a liberdade contratual diante da preponderância da tipicidade dos direitos reais e do sistema de numerus clausus. 3. No contexto do Código Civil de 2002, não há óbice a se dotar o instituto da multipropriedade imobiliária de caráter real, especialmente sob a ótica da taxatividade e imutabilidade dos direitos reais inscritos no art. 1.225. 4. O vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil anterior, não traz nenhuma vedação nem faz referência à inviabilidade de consagrar novos direitos reais. Além disso, com os atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto, que, circunscrito a um vínculo jurídico de aproveitamento econômico e de imediata aderência ao imóvel, detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo. 5. A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição. 6. É insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel submetido ao regime de multipropriedade na hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal por conta de cessão de direitos em que figurou como cessionária. 7. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ - REsp: 1546165 SP 2014/0308206-1, relator: ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, data de julgamento: 26/4/2016, T3 - 3ª TURMA, data de publicação: DJe 6/9/2016 RB vol. 636 p. 36)

Essa decisão do STJ foi importante, pois trouxe uma segurança jurídica à multipropriedade. Era comum haver dificuldades em realizar registros e averbações pertinentes em Cartórios de Registro de Imóveis. Isso fazia com que empreendimentos voltados ao conceito do time sharing simplesmente não fossem realizados, ou utilizavam mecanismos contratuais que, evidentemente, não traziam a mesma segurança jurídica aos partícipes.2

Essa situação mudou com a lei 13.777 de 20 de dezembro de 2018, a qual incorporou ao nosso ordenamento jurídico a multipropriedade imobiliária. A necessidade de legislação própria advém da atipicidade jurídica desse tipo de contrato, situação esta que poderia deixar o consumidor em uma posição de vulnerabilidade.3

A nova lei promoveu alterações importantes no Código Civil e na Lei de Registros Públicos. Assim, incluiu no Código Civil de 2002 o capítulo VII-A, destinado a tratar sobre o condomínio em multipropriedade, e o novo art. 1358-C buscou adjetivar o instituto como "o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada."

Nessa senda, o artigo supracitado deixa claro que a principal característica será a divisão temporal entre os titulares. Podendo essa divisão ser: fixa e determinada; flutuante; ou mista (art. 1.358-E).

Como visto, a natureza jurídica é de um condomínio, sendo que a divisão fixa e determinada estabelece que o coproprietário só poderá usufruir do imóvel em um determinado período de cada ano. Em relação a flutuante, a determinação de uso se dará de forma periódica. Assim, por exemplo, a divisão do tempo de uso poderá ser alterada anualmente, respeitando todos os multiproprietários e havendo uma prévia divulgação das alterações. Cabe ainda a divisão temporal mista, em que ocorrerá a combinação do sistema fixo com o flutuante.

Conforme tratado, o time sharing na sua origem foi pensado para empreendimentos do setor turístico. Contudo, a partir do seu implemento no Brasil, o legislador não restringiu a natureza do imóvel, sendo possível, à vista disso, a sua aplicação tanto nos imóveis urbanos, quanto nos rurais.

Ao tratar de imóveis rurais, é importante ressaltar, que mesmo nessa modalidade contratual, premissas constitucionais não devem ser olvidadas, uma vez que o art. 186 da Constituição Federal, disciplina a necessidade do respeito à função social da propriedade, devendo ser atendido os requisitos legais, bem como o aproveitamento sustentável dos recursos naturais, de modo que venha a preservar o meio ambiente, além de resguardar as relações de trabalho, em condições dignas.

De outro lado, é inegável que a time sharing dos imóveis rurais, ampliou as formas contratuais agrárias tradicionais presentes na lei 4.504/64, mais conhecida como Lei do Estatuto da Terra. Outrossim, possibilitou a sua cumulação com os mencionados contratos típicos, como por exemplo, na égide de uma multipropriedade, é facultado ao coproprietário na sua fração de tempo celebrar um contrato de arrendamento rural com um terceiro.

É importante ressaltar, sem embargo, que o direito de preferência garantido pelo Estatuto Terra e considerado como irrenunciável nos contratos agrários, não está presente na regulamentação da multipropriedade. É dizer, não há direito de preferência em caso de alienação aos demeias condôminos, salvo se expresso no instrumento de instituição ou convenção de condomínio, nos termos do art. 1.385-I, §1º do Código Civil.  

Outro ponto sensível, são as garantias reais para a concessão de crédito, que são muito comum para fomentar a produção rural. É permitido que o imóvel seja gravado com uma cédula hipotecária, todavia, em caso de inadimplemento o credor ficará adstrito a fração de tempo do devedor, ou seja, não há que se falar em solidariedade entre os condôminos.4

De outro lado, o imóvel é considerado como indivisível, portanto, não está sujeito à ação de divisão ou extinção do condomínio. Em caso de alienação da respectiva fração de tempo, pode ser realizada de forma livre, independente da cientificação dos demais condôminos, contudo, deverá ser comunicado ao administrador do condomínio em multipropriedade, o qual será escolhido de acordo com o instrumento de instituição do condomínio, ou por meio de assembleia geral dos condôminos.

Sobre a fração de tempo, a lei só estabelece o período mínimo, que são de 7 dias para cada fração, ou seja, não estabeleceu o tempo máximo, algo importante para os imóveis rurais, tendo em vista que muitas vezes a sua destinação é para a produção agrícola, o que implica em ciclo agrobiológico. Assim, a fração de tempo deverá ser determinada de acordo com as respectivas atividades.

Para fins registrais, de acordo com a mencionada lei, é possível cada fração de tempo ser objeto de um registro imobiliário individualizado, representando uma inovação em relação à lei 6.015/73. À vista disso, haverá no Cartório de Registro de Imóveis a matrícula "mãe" e as matrículas das unidades periódicas.

Outras questões de ordem tributária, ambiental e do direito das sucessões, necessitam de uma análise mais cautelosa. Não obstante, é possível concluir que a adoção da multipropriedade imobiliária rural, representa uma otimização, bem como um avanço nas relações agrárias, reduzindo o seu custo na aquisição e manutenção do imóvel, visando um maior aproveitamento econômico.

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1 TEPEDINO, Gustavo. A Multipropriedade e a Retomada do Mercado Imobiliário. 2019.

2 SCHREIBER, Anderson. Multipropriedade Imobiliária e a Lei 13.777/18. 2019. Acesso em: 28/7/2020.

3 NETTO, Felipe Braga, ROSENVALD, Nelson. Código Civil Comentado. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p.1336.

4 MENDES, Pedro Puttini Mendes. Multipropriedade em imóveis rurais. 2020. Acesso em:  07/09/2020.

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NETTO, Felipe Braga, ROSENVALD, Nelson. Código Civil Comentado. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. P.1336.

SCHREIBER, Anderson. Multipropriedade Imobiliária e a Lei 13.777/18. 2019. Acesso em: 28/7/2020.

TEPEDINO, Gustavo. A Multipropriedade e a Retomada do Mercado Imobiliário. 2019.

MENDES, Pedro Puttini Mendes. Multipropriedade em imóveis rurais. 2020. Acesso em:  7/9/2020.

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*Bruna Prado é advogada da divisão de Direito Imobiliário/Agrário da MoselloLima Advocacia. Pós-graduanda em direito e gestão imobiliária da Faculdade Baiana de Direito.





*Ricardo Bandeira de Méllo
 é b
acharel em Humanidades pela UFBA, discente da Faculdade de Direito da UFBA, colaborador da divisão de Direito Imobiliário e Agrário da MoselloLima Advocacia.


 

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