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Usufruto e administração dos bens de filhos menores

A legislação civil estabelece normas interessantes acerca da proteção dos bens dos menores de idade, bem como regulamenta o exercício da administração desses bens pelos genitores.

14/8/2020

Nos termos do artigo 1.689 do Código Civil, compete aos pais, em conjunto, representarem e assistirem a seus filhos enquanto forem menores e não emancipados, bem como administrar seu patrimônio. São qualificados como administradores (poderes de gestão) e usufrutuários legais (no sentido de usar, possuir, fruir, receber os frutos).

Pelo fato de os menores de idade serem juridicamente incapazes, por conseguinte, não estando aptos à prática dos atos da vida civil, seus genitores têm o dever legal de administrar todos os bens que eventualmente possuam, bens móveis ou imóveis.

Essa obrigação cessará quando da extinção da autoridade parental e consequente obtenção da plena capacidade civil pelos filhos, aos dezoito anos de idade.

Há, no entanto, uma graduação da regra, pois, sobrevindo a incapacidade relativa, aos dezesseis anos de idade, a vontade do menor passa a ter relevância. Desse modo, entre os 16 e 18 anos de idade, qualquer ato de administração deverá ser decidido, de comum acordo, entre pais e filhos.

Trata-se, repita-se, de um dever, de uma imposição legal, logo, não é uma faculdade. Sendo assim, o seu exercício não prescinde de autorização judicial nem de qualquer outra formalidade. Consiste, outrossim, em uma obrigação irrenunciável e intransferível e não há nenhuma previsão legal de remuneração para o exercício dessa função.

Importa destacar, ainda, que pai e mãe são coadministradores dos bens, ou seja, ambos têm igual poder decisório na gestão do patrimônio. E, nessa gestão, caberá aos administradores pagar os impostos e encargos que recaírem sobre os bens, contratar seguros, firmar contratos de locação, bem como defender judicialmente o patrimônio administrado.

Ademais, têm permissão para utilizar os rendimentos provenientes desses bens (percepção de frutos), revertendo os recursos em prol dos menores e da entidade familiar, como, por exemplo, satisfazendo as despesas com sustento, educação e outras inerentes à saúde e ao lazer. 

São responsáveis, então, por preservar o patrimônio de modo a não o onerarem nem o diminuírem, não extrapolando os limites da mera administração patrimonial.

Todavia o poder de disposição dos pais não é absoluto. É vedada a prática de quaisquer atos que impliquem redução do patrimônio, tais como alienar, gravar de ônus reais, doar, dar em pagamento, permutar: “Art. 1691: Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz”.

A intenção do legislador foi a de estabelecer a máxima preservação do patrimônio dos menores frente a uma eventual má administração por parte dos pais.

Não obstante, em caráter excepcional e mediante comprovação de premente necessidade, é possível requerer-se uma autorização judicial (procedimento de alvará) para realização de algum desses negócios jurídicos, como, por exemplo, a venda de algum bem.

A concessão do alvará, bem como a utilização do produto de eventual alienação, será subordinada ao controle do Poder Judiciário e fiscalização do Ministério Público.

A propósito, os ilustres juristas Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2020, p. 585) atentam: “Essa limitação da autonomia da vontade dos pais na administração dos bens se justifica exatamente pela busca da preservação dos interesses dos menores. Se os bens não são de titularidade dos pais, mas, sim, dos próprios menores, a responsabilidade pela eventual dilapidação desse patrimônio, sem motivo razoável, justificaria a intervenção judicial.”

O pedido de alvará judicial deve ser conjunto, isto é, subscrito por ambos os genitores, não importando se estejam casados ou divorciados. Na hipótese de conflito, a resolução da questão caberá ao juiz: “Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária.” (parágrafo único, art. 1.690, Código Civil).

O legislador, ainda, previu expressamente algumas exceções, hipóteses nas quais os pais são excluídos da administração dos bens dos filhos:

Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais:

I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento;

II - os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;

III - os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais;

IV - os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão.

Não se trata de um rol taxativo, vale dizer, a lei enumerou alguns casos, no entanto outras situações que tenham o condão de causar prejuízos aos filhos podem ser submetidas ao crivo do Poder Judiciário.

Vale destacar uma hipótese de extrema relevância. À vista da dicção do inciso III do artigo 1.693, supra, há a chance de os genitores serem afastados da gestão patrimonial por um ato de terceiro.

Explica-se. 

O autor de uma herança ou mesmo aquele que deseja doar um bem a um menor de idade, tem a prerrogativa de impor uma condição, qual seja, a exclusão da administração e usufruto dos bens pelos pais do menor, sem que haja obrigatoriedade de se consignar a motivação de tal escolha.

É imprescindível que a cláusula esteja expressa no testamento ou no instrumento de doação, sendo certo que referida restrição limitar-se-á aos bens doados ou legados.

Desse modo, previamente, o doador ou legatário tem a liberdade de definir quem será o terceiro responsável por administrar o objeto de sua liberalidade ou legado, até que os menores beneficiados atinjam a maioridade (Art. 1.689 e §2º do art. 1.733 do Código Civil).

Por exemplo, uma tia pode contemplar um de seus sobrinhos em um testamento e optar pela proibição da administração da herança pelos progenitores da criança, nomeando, desde logo, um ou dois curadores especiais com o fim específico de assumir tal encargo.

Segundo Euclides de Oliveira (2016, p.324): “[...] É a hipótese comum em sucessão hereditária, quando o testador não confie na capacidade gerencial dos pais do menor aquinhoado com determinados bens e, assim, prefira que outrem seja o cuidador.”

Nessa perspectiva, questão intrincada diz respeito a pais divorciados que se preocupam com a probabilidade de seu patrimônio ser administrado por seu ex-cônjuge após o seu falecimento, sendo admissível, nessas situações, a aplicação do referido dispositivo legal.

Carlos Roberto Gonçalves (2020, p.431), importante referência ao Direito Civil brasileiro, aborda o tema com precisão: “Pode o doador ou testador ser um dos pais, que se encontra separado do outro e não quer que os bens sejam administrados e usufruídos por este. Neste caso, terá ele o direito de designar terceiro para o ato, ou reservar para si o exercício do encargo, se a liberalidade praticada for doação. Se não o fizer, o juiz deverá nomear o administrador, sob a forma de curador especial [...].”

Muito provavelmente, foi essa a lógica da disposição testamentária expressa no testamento do falecido apresentador de televisão Augusto Liberato, tão especulada pela imprensa e por juristas.

Como se vê, a legislação civil é bastante rica e complexa no tocante a regulamentação da proteção do patrimônio das pessoas consideradas juridicamente incapazes.

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GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de família. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. v. 6.

OLIVEIRA, Euclides. Alienação Parental e as Nuances da Parentalidade - Guarda e Convivência Parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Tratado de Direito das Famílias. 2. ed. Belo Horizonte: IBDFAM, 2016.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família: Direito Civil Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. v. 6.

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*Eliette Tranjan é advogada especialista em Direito de Família e Sucessões. Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB, Secção de São Paulo. Sócia do escritório Tranjan Rodrigues Sociedade de Advogados.

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