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A reparação de danos causados ao meio ambiente e a imprescritibilidade da reparação civil

O RE 654.833 foi julgado em sessão virtual no dia 17/4/20, fixando-se nesse caso que “é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. Essa decisão repercute diretamente nas áreas imobiliária e urbanística, devendo ser cada vez mais observados os institutos que zelam pela preservação ambiental.

4/8/2020

Fundamentação

Quando se trata de matéria relacionada a prescrição em direito ambiental, sabe-se que a discussão não é recente e vem sendo veementemente defendida pela melhor doutrina, justamente porque o dano ambiental trará consequências extremamente gravosas e muitas vezes perenes ao meio ambiente. Daí porque o Supremo Tribunal Federal entendeu por bem reconhecer em 2018, a repercussão geral de matéria que tenha por escopo a prescrição de pedido de reparação de dano ambiental, conforme depreende-se da ementa do julgado publicado no DJe de 26/6/181, abaixo colacionado:

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DANO AO MEIO AMBIENTE. REPARAÇÃO CIVIL. IMPRESCRITIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. 1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, § 3º, da Constituição, a questão acerca da imprescritibilidade da pretensão de reparação civil do dano ambiental. 2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art. 1.035 do CPC.

A prescrição a que diz respeito, se caracteriza como objeto do RE 654.833, no qual se pretendeu afastar a tese da imprescritibilidade originada na discussão quanto à ocorrência de dano causado por madeireiros durante os anos 1980, enquanto praticavam a exploração de terras indígenas no Acre.

A discussão em tela fora desencadeada pelo acórdão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.120.117/AC2, que se estruturou na aventada inconstitucionalidade acerca da interpretação dos artigos 37, parágrafo 5º e do artigo 225, §3º, ambos da Constituição Federal que, respectivamente, tratam dos prazos de prescrição e do dano ambiental3, entretanto, a despeito das ponderações dos recorrentes, e muito embora tenha havido entendimento diverso entre as temáticas atinentes aos aspectos individual e difuso,  houve o reconhecimento da imprescritibilidade quando se trata da reparação do dano ambiental.

De acordo com aquilo que se depreende ainda da análise dos autos, o grande embate cingiu-se a discussões sobre a colisão entre o princípio da segurança jurídica, que teria o condão de beneficiar o agente causador do dano ambiental e os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que teriam por escopo resguardar os interesses e direitos da coletividade, sendo que, a despeito de ter sido invocada a prescrição como regra e a imprescritibilidade como exceção,  fortaleceu-se a importância da  tutela constitucional do bem ambiental, tendo em vista a constatação da corte de que se está diante de um “patrimônio comum a toda humanidade”4.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal – STF, em sessão virtual ocorrida no dia 17/4/20, julgou o Recurso Extraordinário – RE 654.833, entendendo ser “imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”, sedimentando assim o entendimento de que a reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais”5.

Para o professor Pacheco Fiorillo6, o direito ambiental se volta à satisfação das necessidades humanas. Todavia, não se quer dizer com isso, que se deva minimizar a proteção da vida em todas as suas formas, consoante determina o art. 3º da Política Nacional do Meio Ambiente (lei 6.938/81).

Nesse sentido, e até mesmo voltando-se ao julgado, mostra-se extremamente imprescindível repensar toda a atividade humana que, de alguma maneira, possa impactar no meio ambiente, haja vista o entendimento de que “o dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental”7.

Nessa toada, vale considerar, exemplificativamente, ações que visem a flexibilização do cumprimento de obrigações ambientais de empreendimentos licenciados, tais como aquelas pretendidas pelo IBAMA durante a pandemia8, justamente, partindo-se da premissa de que o entendimento sobre os danos causados ao meio ambiente são imprescritíveis.

Pois, nessa linha de raciocínio, cabe considerar que, a despeito de que os empreendimentos estejam amparados por licenças, nada incomum que essas tenham sido obtidas de maneira irregular, haja vista que em alguns casos, em razão da discricionariedade do agente licenciante, pode, por exemplo, ter ocorrido a supressão do estudo de impacto ambiental e do estudo de impacto de vizinhança, ainda que efetivamente tivessem de ser realizados, desencadeando um dano ambiental e a constatação posterior de que aquela construção, hipoteticamente, sequer poderia ter sido iniciada, por se encontrar muitas vezes, em área de manancial e, por via e consequência, de que as licenças jamais poderiam ter sido concedidas.

Todavia, nesse momento, a degradação ambiental já ocorreu e toda uma coletividade já foi afetada, seja pelo dano gerado, tal como acontece nos casos das mineradoras (Mariana e Brumadinho), ou quando há paralisação de obras e os seus adquirentes são tolhidos dos direitos de receberem as unidades imobiliárias, seja tempestivamente, ou mesmo, de as receberem em algum momento. Nesse último caso, instaura-se a inafastável insegurança jurídica em decorrência do confronto de dois valores constitucionais igualmente relevantes, em especial, para o direito constitucional, quais sejam, o direito ao meio ambiente e o direito à moradia.

Nesse contexto, a discussão, invariavelmente, não será das mais fáceis, pois, de um lado tem-se o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dando ensanchas e tendo como sustentáculo a aplicação da súmula 613 do Superior Tribunal de Justiça,  no sentido de que  “não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental” e do outro, o direito à moradia, que exige um olhar bastante apurado e sensível à situação que se apresenta em concreto, uma vez que, via de regra, tais empreendimentos são erigidos visando-se atender a população mais carente através do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)9.

Ou Seja, paralelamente à imprescritibilidade quanto ao dever de reparação pelos danos causados ao meio ambiente, estar-se-á diante de situação que culminará com a geração de inúmeros desdobramentos que repercutirão no dever de indenizar a coletividade envolvida, ainda que nesse último caso não se esteja diante da imprescritibilidade, devendo-se atentar ao que dispõe o artigo 206, parágrafo 3º do Código Civil.

Não obstante, e para além da imprescritibilidade quanto ao dever de reparação dos danos ambientais sedimentada no julgado objeto do presente artigo, vale asseverar que a lei 6.938/9110 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 14, § 1º, dispõe sobre a responsabilidade objetiva do agente causador do dano, quando assegura que o poluidor será obrigado a indenizar ou reparar o dano causado, independentemente de culpa, e o artigo 225, § 3º  da Constituição Federal11, dispõe que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Nesse contexto, cediço que além das atividades de mineração e da construção civil, que a degradação do solo acaba se destacando como um dos problemas, cujo qual, muitas vezes,  decorre do exercício de atividades agropecuárias, seja pela utilização de práticas inadequadas no manejo que se prestam à contaminação do solo, seja pela utilização de produtos contaminantes e impactantes à saúde humana, ensejando a poluição das águas, do solo e muitas vezes do ar, o que contribui para a degradação da flora e da fauna.

Todavia, todas as atividades mencionadas têm papel preponderante dentro da ordem jurídica, atribuindo concretude aos valores, direitos fundamentais, direitos sociais e princípios insculpidos na Constituição de 1988, seja quando tratamos da ordem econômica contemplada pelo título VII, correspondendo aos artigos 170 a 192, no que se inclui a livre inciativa, e principalmente, quando tratamos do direito fundamental da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, inc. III e do direito social à moradia, constante no art. 6º, o que as torna, inclusive, responsáveis pela geração de inúmeros impactos ambientais positivos, como, por exemplo, o desenvolvimento regional.

No entanto, existem impactos ambientais negativos decorrentes destas atividades, como a contaminação química por defensivos agrícolas, desmatamento, perda de biodiversidade etc.12, dentre tantas outras que, sem sombra de dúvida, reclamarão pelo direito à indenização, tornando premente a adoção da mais absoluta cautela quando se estiver diante de qualquer atividade potencialmente poluidora, ou que esteja revestida de qualquer capacidade de degradação, sob pena do manifesto e imprescritível dever de indenizar, uma vez que “a estabilidade deve ceder em prol da incolumidade do meio ambiente”13.

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1 Disponível clicando aqui Acesso em: 26 jul. 2020.

2 Disponível clicando aqui Acesso em: 01 ago. 2020.

3 Disponível clicando aqui Acesso em: 28 jul. 2020.

4 Disponível clicando aqui

5 Disponível clicando aqui Acesso em: 28 de julho de 2020.

6 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro,18º ed., p. 57. São Paulo: Saraiva, 2018.

7 Prescrição da reparação do dano ambiental e o desastre de Mariana. Acesso em: 28 jul. 2020.

8 Disponível clicando aqui Acesso em: 29 jul. 2020.

9 Disponível clicando aqui Acesso em: 28 jul. 2020.

10 Disponível clicando aqui Acesso em: 28 jul. 2020.

11 Disponível clicando aqui Acesso em: 28 jul. 2020.

12 Disponível clicando aqui Acesso em: 01 de agosto de 2020.

13 Disponível clicando aqui Acesso em 01 ago. de 2020.

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*Debora Cristina de Castro da Rocha é advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso.



*Claudinei Gomes Daniel é acadêmico de Direito pela Faculdade Anchieta de Ensino Superior do Paraná - FAESP. Colaborador do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Secretário da presidência do Sindicato dos Advogados do Estado do Paraná.

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