Migalhas de Peso

A evolução da e-arbitragem no Brasil

Há muito se questionava, no meio arbitral, a razão pela qual as Câmaras não adotavam um sistema de processo eletrônico, especialmente considerando a eficiência e celeridade que buscam as partes que optam por esse procedimento.

14/7/2020

A tecnologia vem transformando as relações sociais com velocidade espantosa. Os instrumentos voltados à resolução de disputas não estão imunes a estas transformações, contudo, como qualquer mudança, nota-se resistência e um certo desconhecimento (ou confusão conceitual) quanto às novas ferramentas tecnológicas. O presente artigo busca, brevemente, desbravar ambos os aspectos das inovações tecnológicas no mundo arbitral, primeiro detectando as pouquíssimas Câmaras arbitrais que já trabalham com processo eletrônico e, após, traçando os contornos básicos a respeito da chamada e-arbitration.

Não sem alguma resistência, inaugurava a lei 11.419/06 a utilização do processo eletrônico no Poder Judiciário. Com o argumento de promover a modernização do órgão estatal, a celeridade dos procedimentos e a economia de recursos, iniciou-se a utilização de sistemas informatizados no lugar dos antigos processos físicos.

A referida lei possibilitou a utilização do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, incluindo o controle de prazos, comunicação de atos e a transmissão de peças processuais, com a utilização de assinatura eletrônica.

Há muito se questionava, no meio arbitral, a razão pela qual as Câmaras não adotavam um sistema de processo eletrônico, especialmente considerando a eficiência e celeridade que buscam as partes que optam por esse procedimento.

Esse tema foi abordado em painel sobre segurança cibernética realizado no dia 16 de setembro de 2018, no Congresso de Arbitragem Internacional organizado pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (Cbar). Na ocasião se discutiu de quem seria a responsabilidade pelo desenvolvimento de sistemas e controles que minimizassem o risco de acesso indevido a dados sensíveis de procedimentos arbitrais, havendo aqueles que atribuíam essa responsabilidade primordialmente às Câmaras e outros aos escritórios de advocacia que atuam nos procedimentos1.

Com a pandemia da covid-19, porém, várias Câmaras de Arbitragem assumiram essa responsabilidade e passaram virtualizar os seus procedimentos, aceitando o envio de peças apenas por e-mail, armazenando os arquivos em nuvem e passando a realizar com mais frequência audiências online.

Conforme anota o professor Mohamed Wahab2, no entanto, a simples troca de comunicações eletrônicas ou o uso de teleconferência ou videoconferência para realização de audiências não é suficiente para caracterizar o processo como uma e-arbitration. Para isso faz-se necessário que o uso de tecnologia no procedimento arbitral permita que ele seja conduzido integralmente ou substancialmente de forma online.

Nesse sentido, as duas Câmaras de Arbitragem brasileiras que adotam atualmente o e-arbitragem são a CAMES, que possui processo eletrônico desde 2017, e a Câmara de Arbitragem do Mercado, que instituiu o sistema CAM B3 Digital por meio da orientação CAM 01/193.

Note-se que a Orientação da Câmara do mercado permite que as partes optem pelo trâmite físico dos procedimentos. Importante notar também que, nos termos do artigo 6º, § 2º, da Orientação mencionada a intimação das partes ocorrerá por meio do envio de e-mail de notificação, que marcará o início da contagem dos prazos processuais.

De forma diversa, o Regulamento de Arbitragem da CAMES prevê que o seu sistema de processo eletrônico será utilizado necessariamente em todo o procedimento (art. 15). Além disso, prevê-se que todas as comunicações serão feitas por intermédio do sistema.

Assim, embora ele envie igualmente correspondência eletrônica para as partes, estas são consideradas cientes dos atos processuais dois dias úteis após a disponibilização do ato no sistema (art. 17). Desta forma, evita-se que haja questionamentos com relação ao efetivo recebimento do e-mail pelas partes, o que pode trazer obstáculos consideráveis para o desenvolvimento do procedimento arbitral.

Independente do modelo ou sistema adotado, certo é que o processo eletrônico e o e-arbitragem passam agora, com certo atraso, a ser uma realidade também para o meio arbitral, cabendo às partes, aos árbitros e aos advogados se adaptarem a essa nova sistemática, que chegou para ficar.

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*Ronaldo Guimarães Gallo é sócio fundador da CAMES, autor do livro “Previdência Privada e Arbitragem”.

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