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A Recuperação Judicial e as sociedades civis

Com o deferimento do processamento da Recuperação Judicial da Associação mantenedora da Universidade Candido Mendes, voltaram-se os holofotes para a aplicação das regras da lei 11.101 às Sociedades Civis.

8/7/2020

No ano em que se comemoram os 15 anos da lei, a visão da dr.ª Maria da Penha Nobre, na mesma linha de juristas como Manoel Justino e Sergio Campinho, merece destaque: “Não estamos diante de uma empresa social, na concepção do autor, mas inegavelmente estamos diante de uma estrutura econômica produtiva, geradora de postos de trabalho e de riquezas, que serve tanto ao fomento da economia, quanto ao estímulo a políticas sociais, e que, portanto, não apenas deve ser preservada, mas sobretudo incentivada a crescer.”

Em decisão singular no recurso do Ministério Público, o desembargador Nagib Slaibi negou liminar ao sustentar: “Além do mais, decorre do respectivo título do texto constitucional, o direito de empresa de organizar os fatores de produção, em atividade lícita, o que não se submete a restrições sem razoabilidade do legislador ordinário que, declaradamente, na lei regente da espécie, incluiu ou excluiu outros agentes econômicos.”

A norma do artigo 1°, da Lei de Recuperação Judicial expõe que os empresários e as sociedades empresárias poderão por ela serem regidos.

Para o artigo 966, do Código Civil, empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Assim, extrai-se o conceito de empresa como a atividade que detém estas características.

Embora as Sociedades Civis serem tipo societário que não distribui lucros, não significa que sejam despidas das peculiaridades das sociedades empresárias. Muito pelo contrário.

Algumas exercem atividades econômicas e aplicam receitas, recursos e resultados na manutenção e desenvolvimento dos objetivos sociais, inclusive contratando com outras empresas.

Praticam todos os atos inerentes às sociedades empresárias, mesmo sem distribuição de lucro e sem remunerar seus administradores, têm estrutura organizada, contratam funcionários, possuem sede e recolhem tributos.

De acordo com o artigo 2º, da lei 11.101, não podem requerer a recuperação judicial: I – empresa pública e sociedade de economia mista; II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

Vê-se que a lei não restringe o prestador de serviços de obter recuperação judicial, já que seu foco é impedir o fechamento de empresas em dificuldades financeiras, mas com possiblidade de recuperação e soerguimento, preservando a geração de empregos e circulação de capital, nos termos do artigo 47.

No ano de 2006, o Juízo da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, deferiu o processamento da Recuperação Judicial da Casa de Portugal (instituição formada de hospital, escola e asilo), com anuência do Parquet, por presentes os requisitos do artigo 51, não pairando dúvidas sobre a prática de atividade de empresário. Após a aprovação do Plano, foi concedida a Recuperação e interposto recurso pelo Ministério Público.

Em Recurso Especial a Recuperanda, pelo Princípio da Razoabilidade, requereu a aplicação da Teoria do Fato Consumado, na qual as situações jurídicas consolidadas pelo tempo amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais.

Os votos dos ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho, destacaram a função social, execução e cumprimento do Plano de Recuperação (1.004.910/RJ).

Deste modo, conclui-se ser primordial às sociedades demonstrar que inobstante sociedade civil, praticavam atos empresariais.

No atual cenário econômico, político e social se faz relevante a interpretação da lei em acordo com seus princípios de modo que sociedades em dificuldade, mas com reais possibilidades de se soerguerem, possam valer-se da legislação.

Estas empresas têm íntima relação com a população e a economia local, contribuíram e poderão continuar contribuindo, agora com apoio de credores e funcionários. Ressalte-se que numa sociedade globalizada a inadimplência de um gera a de vários em claro efeito dominó, onde todos perdem.

Recente matéria jornalística publicou dados alarmantes sobre escolas que correm o risco de fechar. Isso porque, pais e responsáveis tiveram que negociar a mensalidade ou estão inadimplentes, fazendo com que não haja condições de arcar com as despesas fixas como professores, funcionários, aluguel, dentre outros.

Deste modo, quanto mais empresas tenham acesso a reestruturação, os princípios basilares que regem a lei 11.101, de 2005 - manutenção da fonte produtora de bens, serviços, riquezas, função social e estímulo à atividade econômica - serão atendidos em prol da sociedade em que atuam.

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*Juliana Castro é advogada na SiqueiraCastro. Membro da Comissão de Recuperação Judicial e Falência da OAB/RJ, do IBDE e do CMREmpresarial.

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