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Encerramento sumário da falência frustrada

Na prática, o processo falimentar brasileiro acaba sendo evitado ao máximo, contrariamente do que ocorre em outros países, em razão da demora na reabilitação do empresário falido.

2/7/2020

Diante de uma expectativa de majoração de decretos falimentares decorrentes dos atuais tempos de pandemia, vislumbra-se necessária uma nova abordagem mais pragmática quanto a tramitação do processo falimentar. 

Nessa linha de pensamento, importante destacar a finalidade que o procedimento deve propiciar à sociedade, ou seja, quais os direitos a serem tutelados através do instituto. Nesse sentido, quando de um processo do estilo, suas principais medidas devem objetivar: a) servir os bens e ativos da sociedade falida ao concurso de credores; e, b) identificar se o falido atuou de boa-fé quando da condução de suas atividades, não corroborando para a decretação da falência por interesses distintos dos objetivos sociais.

Importante destacar que a lei 11.101/05 traz um instituto falimentar que não tem apenas um caráter eminentemente punitivo do devedor, o qual possui também uma finalidade satisfativa, em que se busca a efetiva satisfação dos créditos mediante a utilização do patrimônio que ainda resta do devedor.

Ocorre que, na prática, o processo falimentar brasileiro acaba sendo evitado ao máximo, contrariamente do que ocorre em outros países, em razão da demora na reabilitação do empresário falido, pois acabam sendo comum a imposição da apuração da lista de credores e seus debates judiciais sobre a constituição dos créditos mesmo em casos em que não foram localizados ativos para atender os direitos dos credores. Tal figura acaba por prejudicar o fresh start, denominação que resume o direito do falido quanto a reconstituição de seu status de empresário após o encerramento do procedimento falimentar.

A falência nada mais é do que uma execução coletiva, decretada judicialmente, em que a universalidade de credores concorre, respeitadas as preferências legais, pelo patrimônio disponível do devedor. José da Silva Pacheco define a falência como sendo um processo “...através do qual se apreende o patrimônio do executado, para extrair-lhe valor com que atender à execução coletiva universal, a que concorrem todos os credores”.

O processo falimentar é composto por três fases distintas, quais sejam: a pré-falimentar, que tem início com o pedido de falência; a etapa falencial, que se inicia com a sentença que decreta a falência e se conclui com a sentença de encerramento; e, a fase de reabilitação, que se perfaz com a declaração de extinção das responsabilidades do falido, ou seja, o tão desejado fresh start para o reintegração do falido à vida empresarial.

Com a sentença de falência, nasce o termo jurídico “massa falida”, que engloba tanto o ativo, que nada mais é do que a totalidade de bens e créditos do devedor, quanto o passivo, que se traduz na totalidade dos débitos do falido. Cabe ao administrador judicial nomeado pelo juiz da falência a administração da massa falida, realizando a arrecadação de todos os bens do falido que passarão a compor os ativos da massa falida a serem alienados, bem como a verificação e classificação dos créditos para formar o quadro geral de credores.

Assim, com a arrecadação do patrimônio do devedor pelo administrador judicial, origina-se a massa falida objetiva ou massa ativa, que é o próprio ativo do devedor que passa a ser gerido pelo administrador judicial ou como assevera Fabio Ulhoa Coelho “é o conjunto de bens arrecadados do patrimônio do devedor”.

Por sua vez, os direitos dos credores ou massa falida subjetiva, concorrem aos bens que estão a cargo da massa falida objetiva, pelo montante de seus haveres e em conformidade com a classificação de cada crédito.

Assim, após a alienação de todo o ativo e realizada a distribuição do produto entre os credores, o administrador judicial prestará contas ao juiz da falência conforme dispõe o art. 154 da lei 11.101/05, que devem ser homologadas por sentença, momento o qual o administrador judicial, no prazo de 10 dias, apresentará o relatório final da falência, que deve conter o valor do ativo e do produto de sua realização, o valor do passivo e dos pagamentos feitos aos credores, especificando, ainda, as obrigações que remanescerão em aberto e sob a responsabilidade do falido pelo prazo de 5 anos.

Entretanto, quando não forem localizados bens do falido passíveis de arrecadação, após esgotados todos os meios de busca de ativos, bem como realizadas as diligências necessárias pelo administrador judicial visando a apuração da boa-fé do falido quando da condução de suas atividades, o rito falimentar de apuração dos créditos dos credores acaba sendo um procedimento que emperra o encerramento do procedimento sem efeito prático, ou seja, não existem ativos que poderiam favorecer os mesmos com o consequente rateio.

Quando de massas falidas sem bens, a apuração do quadro de credores acaba por atrasar a tomada das medidas individuais pelos credores para recuperação de seu crédito e impõe ao falido a amarga espera de sua reabilitação. 

Desta forma, o que se propõe é a mudança de paradigma a ser aplicada em falências sem bens, no qual o administrador judicial seria dispensado da apresentação do quadro geral de credores quando de procedimentos em que forem comprovadamente atestadas a boa-fé do falido e a inexistência de bens, decretando judicialmente a falência como frustrada, evitando-se a movimentação da máquina judiciária com atos judiciais desnecessários, morosos e ineficazes.

Tal possibilidade já encontrava abrigo no revogado dec. lei 7.611/45 através da previsão de um rito sumário de tramitação do processo falimentar, in verbis:

Art. 75. Se não forem encontrados bens para serem arrecadados, ou se os arrecadados forem insuficientes para as despesas do processo, o síndico levará, imediatamente, o fato ao conhecimento do juiz, que, ouvido o representante do Ministério Público, marcará por editais o prazo de dez dias para os interessados requererem o que for a bem dos seus direitos.”

Embora a legislação anterior permitisse a alteração do procedimento para rito sumário, com o célere encerramento da falência quando frustrada, não dispensava a apuração pelo síndico de eventuais práticas de crimes falimentares pelo falido.

Não obstante a legislação falimentar vigente, lei 11.101/05, ter suprimido a falência sumária, a doutrina reiteradamente promove uma interpretação extensiva, haja vista que se norteia pela aplicabilidade dos princípios da celeridade, eficiência e economia processual, a título exemplificativo é o que se depreende dos arts. 139 e 140, §2º, que regulamentam a alienação dos ativos logo após a arrecadação, independentemente da formação do quadro geral de credores.

Na lição de Waldo Fazzio Júnior: “Na verdade, se a falência é um concurso de credores sobre os bens do devedor, a ausência ou insuficiência do ativo significa impossibilidade de concurso. Há quem concorra, mas não há sobre o que concorrer”.

O prosseguimento dos processos de falência, em sua grande maioria, se arrastam por anos em razão de complexos debates travados em impugnações de crédito, os quais se mostram prejudicados quando não se vislumbra qualquer perspectiva de pagamento aos credores ante a inexistência de ativos passíveis de arrecadação pela massa falida, ou seja, totalmente contraproducente e sem qualquer utilidade prática, já que não chegará à fase de liquidação, pois não haverá o que alienar.

Embora o procedimento do quadro geral de credores previsto na legislação falimentar seja aparentemente simples, ao regular no art. 18 da LRF que o quadro tem como base a relação de credores a que se refere o art. 7º, § 2º, e nas decisões proferidas nas impugnações de créditos, a sua consolidação pode levar anos, a depender do trânsito em julgado de todos os incidentes processuais de habilitações e impugnações de créditos.

Se a lei 11.101/05 prevê a alienação de ativos logo após a arrecadação e antes da consolidação do quadro geral de credores, diferentemente do revogado dec. lei 7.665/45 que permitia a venda dos ativos somente após o quadro de credores, com exceção apenas à alienação de bens de fácil deterioração ou guarda dispendiosa, por certo que constatada a inexistência de ativos, a falência deve ser encerrada também antes de ser formado o quadro geral de credores, pois este não depende unicamente da celeridade dos atos praticados no processo de falência. O direito concursal no processo de falência se instaura em decorrência da existência de vários credores que concorrem em condições iguais em face de um único devedor.

Como a razão da existência do processo de falência é realizar o ativo e pagar as dívidas, em que o interesse coletivo dos credores prevalece sobre o individual, pois recebem tratamento igualitário em obediência ao princípio do par conditio creditorum, e respeitada a classificação disposta no art. 83 da Lei Falimentar, em não havendo o que liquidar deve a falência ser encerrada.

Mas se não há patrimônio a ser alienado para que o resultado seja partilhado entre os credores, aguardar a consolidação do quadro geral de credores para o encerramento da falência torna-se medida inócua, na medida em que o processo de falência mesmo após terem sido esgotadas todas as diligências na busca de ativos bem como não ser constatada a prática de crime falimentar pelo falido, pode perdurar por anos tão somente no aguardo do julgamento de todos os incidentes processuais de créditos, para compor o quadro geral de credores.

Convém lembrar que a sentença de encerramento da falência, não põe fim às responsabilidades do falido, ou seja, o credor que não teve satisfeitos seus haveres no curso do processo falimentar, pode perquirir seus direitos em face do falido até ser proferida sentença de extinção das obrigações do devedor nos termos dispostos no art. 159 da Lei Falimentar vigente.

Desta feita, inegável a eficiência que poderia se dar através do reconhecimento judicial da falência frustrada, com a consequente dispensa pelo Juízo da obrigatoriedade da elaboração do quadro geral de credores, especialmente em um momento em que o País precisa incentivar o reinicio das atividades de empreendedores de boa-fé que tiverem que enfrentar o decreto falimentar como a única alternativa para seus negócios.

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PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata. 7ª Ed. Rio de Janeiro. Editora Forense. 1997.

COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. 2ª ed, editora Atlas, 2005.

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*Marcia Mansano é coordenadora de processos de falência da Capital Administradora Judicial.




*Claudio Montoro é professor do Insper e administrador Judicial da Capital Administradora.

 

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