Há muita especulação e preocupações sobre o que emergirá no pós-pandemia com relação às questões contratuais e consumeristas, mas é pouco provável que direitos fundamentais sejam aviltados.
Devem, inevitavelmente, sobrevirem readequações normativas – ainda que temporárias –, com o intuito de contemporizar a lei pretérita, conferindo-a aplicabilidade plena ao momento atual. Mas, não a ponto de gerar mais desequilíbrio ou fazer sucumbir quem já é vulnerável e hipossuficiente por natureza.
Nesse sentido, o PL 1.179/2020 advém, readequando algumas regras, para de modo transitório, vigorarem durante a pandemia. Dentre as postulações mais comentadas desta norma, a disposta em seu artigo 8º, que positiva que até 30 de outubro de 2020, a suspensão da aplicação do artigo 49 – o direito de desistência – do Código de Defesa do Consumidor, na hipótese de entrega domiciliar de produtos perecíveis, de consumo imediato e de medicamentos.
Daí, ao que parece, a intenção do legislador não é suprimir direitos já consagrados da seara cível, mas sim reequilibrar a relação. Isso porque, exigir que o fornecedor suporte sozinho o ônus de entregar um produto que depois não poderá ser reaproveitado para outro consumidor, e vê-lo desistir sem razão, não parece mesmo jutos.
Sobretudo porque, é oportuno reconhecer que, por mais que exista um princípio mercadológico de "risco do negócio", que faz o empreendedor ter que enfrentar situações assim, exigir isso do empresariado que está operado em baixa agora, corroboraria para um colapso econômico, e certamente levaria a bancarrota diversas empresas destes seguimentos: o que não seria vantajoso para nenhum dos polos.
Ademais, deve-se ter em vista, que as diretrizes legais, de modo algum incluíram nisso, as hipóteses de defeito ou vício do produto e serviço: ou seja, para o caso de ser entregue de forma de inapropriada ou estragada. Nestes casos, necessariamente o fornecedor deve reparar o consumidor, substituindo o produto, ou devolvendo a quantia por ele despendida.
Em contrapartida, terá o contratante que estar muito mais atento e ser certeiro no que escolhe à distância, certificando-se de que é aquilo mesmo que deseja.
No mesmo passo de pretensão de recondução à isonomia - mas pendendo aqui ao consumidor -, vem o PL 2.929/2020, que almeja suspender os prazos de vigência de garantia dos produtos, sob o raciocínio de que as partes se encontram impossibilitadas de recorrer à assistência técnica ou as concessionárias autorizadas, em razão da pandemia, o que prejudicaria o acesso tempestivo ao reparo ou a detecção do vício, vez que o prazo para acionar a garantia seguiria se escoando normalmente.
Por conseguinte, mais justo mesmo, seria a suspensão da transcorrência deste prazo de garantia, que voltaria fluir regularmente, após o final do estado de pandemia, com a retomada e reabertura efetiva dos estabelecimentos.
Pelo que, o que se conclui é que tais medidas e recomendações das autoridades, não parecem ser unilaterais, aleatórias ou protetivas à apenas um lado ou a outro da relação jurídica, mas sim à economia, visando preservar manutenção das relações mercadológicas, de forma que a sociedade retome a status quo ante, de modo razoável e ponderado, com o mínimo de abalos absolutos possíveis.
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*Victor Fernandes Cerri de Souza é advogado, processualista e contratualista, sócio de Correa Porto Sociedade de Advogados.