Migalhas de Peso

Meu líder e eu

É necessária alguma reflexão sobre liderança para além das pessoas que que têm essa função dentro de uma instituição, mas como cada um, diante do desafio imposto pela situação na qual fomos inseridos, tem uma oportunidade sem precedentes de olhar para si como um líder e não como um mero seguidor.

26/6/2020

Covid-19, gestão, faturamento, prazo, risco, indicadores, operação, suspensão, liderança, empatia, bom senso, qualidade, metas, fluxos, orçamento, rotina, home office, covid-19.

As palavras contidas entre covid-19 no parágrafo anterior não são novas para aqueles que atuam dentro de um escritório de advocacia alinhado com as principais rotinas e demandas do mercado, seja no contencioso de massa ou estratégico, seja no consultivo. Os desafios, as capacidades, as obrigações, os perfis, etc. Há milhares de cursos disponíveis visando a capacitar pessoas para essa função, para gestão de pessoas, de processos, de escritórios e tudo o mais que mereça, naturalmente, alguma espécie de gestão. Ouso dizer, no entanto, que não há nenhum curso no mundo, mentoria, ou o que quer seja que tenha preparado qualquer candidato a líder para uma pandemia.

Com efeito, a situação pela qual estamos passando agora nunca foi objeto de preocupação de nenhum projeto de gestão. Seja porque a realidade nunca foi permeada por algo do gênero, seja porque pandemias passadas – a exemplo da Gripe Espanhola, em 1918 e 2009 – ou tinham uma realidade completamente diferente (1918) ou não foram tão agressivas ao globo (2009) como agora.

A covid-19 é uma novidade deste ano de 2020. E junto com ela vieram desafios inúmeros, somados àqueles outros cotidianos.

E, por isso, necessária alguma reflexão sobre liderança para além das pessoas que que têm essa função dentro de uma instituição, mas como cada um, diante do desafio imposto pela situação na qual fomos inseridos, tem uma oportunidade sem precedentes de olhar para si como um líder e não como um mero seguidor.

Fala-se agora que após o pico da pandemia seremos apresentados ao “novo normal”. Que o mundo está e estará diferente.

Em verdade, o mundo seguirá seu curso, com as pessoas buscando seus objetivos, outras não tendo chance para isso, mas, ao final, seguiremos apenas readaptados à realidade posta que, sim, implicará em novos formatos de convivência, de trabalho, de interação.

É possível afirmar, no entanto, que a situação presente oferece uma oportunidade ímpar para que as pessoas se reinventem, se conheçam melhor e reflitam sobre o papel delas no mundo. E esse papel não precisa ser tornar-se um Einstein, um Freud ou um Beethoven. Basta ter consciência do quão importantes pequenas ações podem ser dentro do estreito universo que nos rodeia.

Sem prejuízo de ações de solidariedade – com aquilo que está ao alcance de cada um dispor – todos somos convidados a repensar nossas reflexões e ações dentro da nossa área de atuação e o que podemos fazer para contribuir com a demanda exigida no momento. Assim, se sou advogado responsável pela elaboração de peças, tenho algum contato com o cliente, conheço a carteira em que atuo, lido com meus líderes, conheço meus colegas, etc. Dentro disso, será que não consigo perceber a demanda da sociedade em relação a essas ações? A necessidade desse momento apresentada pelo cliente? Meus colegas estão saudáveis e dispostos a trabalhar comigo nessa empreitada? Há algo que eu possa fazer para ajudá-los a mantê-los sãos? Algo que eu possa fazer para que se engajem comigo em algum projeto que identifiquei e levar aos meus líderes? Devo esperar que meus líderes ditem quais as ações do momento? Vejam que é um momento rico para crescimento e amadurecimento. Uma chance para liderar MINHAS ações e reflexões, para que eu seja, antes de ninguém mais, meu próprio líder.

Mas antes de tais reflexões é importante que cada um olhe para si e, além de perceber-se como indivíduo, observar-se como parte de um grupo e que se reconheça como integrante desse grupo – seja ele qual for -, sob pena de esse grupo jamais fortalecer-se enquanto um grupo de pessoas, não sendo mais do que um amontoado de gente.

Oportuno transcrever aqui profunda assertiva de Hannah Arendt1, quando de suas reflexões sobre a condição humana:

“Prosseguindo na direção da morte, o período de vida do homem arrastaria inevitavelmente todas as coisas humanas para a ruína e a destruição, se não fosse a faculdade humana de interrompê-lo e iniciar algo novo, uma faculdade inerente à ação que é como um lembrete sempre-presente de que os homens, embora tenham de morrer, não nascem para morrer, mas para começar.”.

Esse momento, já longo, durará ainda mais um pouco, mas, certamente, terá um fim. E como chegaremos ao final dele cabe apenas a nós decidir. E se chegarmos ao final dele mais maduros, mais integrados, mais alinhados às nossas expectativas futuras, não seria uma boa ideia?

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1 In A Condição Humana, 11ª edição, tradução Roberto Raposo, Forense Universitária, RJ, 2013, p. 307.

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*Janaina Andreazi é pós-graduada em Processo de Conhecimento pela PUC/SP, possui larga experiência em contencioso cível e em seguros. Advogada do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

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